Há tempo que não almoçava com o meu amigo na esplanada da Gulbenkian.
Desta vez comunicou-me que também tinha convidado um grande amigo dos tempos da adolescência em Moçambique, e que tinha feito carreira no serviço nacional de saúde como psiquiatra, até atingir os escalões mais altos; que eu iria achar graça às suas ideias.
De facto achei.
No meio do vol-au-vent, da salada de beterraba com vinagrete, dos ovos verdes sobre rúcula, da beringela recheada e das fatias de quiche lorraine com salada de queijo, maçã e maionese, que se espalharam pelos três pratos, a conversa fluiu entusiasmante em torno da proposta do doutor psiquiatra.
Basicamente, tratava-se de aplicar à situação do país aquilo que se faz nos consultórios médicos.
O doutor observa o doente, faz umas perguntas, pede-lhe que faça uns exames e umas análises, e depois prescreve.
O tratamento pode envolver várias especialidades, mas qualquer que ela, ou elas, sejam, é indispensável, tal como diz a primeira fase do método científico, observar e recolher dados.
Assim, independentemente do tratamento necessário em função dos resultados dos exames e das análises, pode ser também preciso aplicar medidas do foro da psiquiatria se o paciente disser coisas em dissonância com a realidade, escondida ou evidente.
Por exemplo, se o paciente se queixa de níveis de stress psicológico por o seu trabalho não ser devidamente apreciado quando ele garante ser de elevado valor, é dever do psiquiatra avaliar a qualidade desse trabalho e comparar o resultado dessa avaliação com a auto-avaliação do paciente.
Tudo isto foi explicado pelo doutor psiquiatra a propósito do episódio das vaias do senhor ministro da economia, na Covilhã.
Viu-se na reportagem televisiva o senhor ministro a caminhar corajosamente ao encontro dos manifestantes (aqui o doutor psiquiatra explicou que coragem é, normalmente, um bloqueio da consciência do perigo, uma inibição da zona cerebral que comanda as ações de sobrevivência, que pode ter origem precisamente numa dissonância cognitiva com a realidade).
Viu-se depois um senhor engravatado (o doutor psiquiatra ficou com a ideia de que era o senhor presidente da câmara da Covilhã, que interveio como moderador dos ânimos) a explicar calmamente ao senhor ministro que quem protestava eram trabalhadores despedidos e que o único governo que tinha tomado medidas francamente favoráveis aos trabalhadores tinha sido o do general Vasco Gonçalves (numa tentativa de corrigir o desequilibrio entre os rendimentos do capital e do trabalho).
O doutor psiquiatra chamava a atenção para a resposta do senhor ministro, voltando-se com ar triste enquanto caminhava para o seu carro, sobre o qual alguns manifestantes se deitariam depois, com bandeiras negras da fome: “se há governo que tem trabalhado para o bem dos trabalhadores é este”; e para o comentário rude do senhor preidente da associação empresarial do interior: “o senhor ministro não sabe nada destes assuntos” Melhor exemplo de auto-comiseração e auto-valorização perante a incompreensão alheia não haverá.
Tome-se o caso do ministério da defesa, ou da administração interna, o doutor psiquiatra não estava seguro. Que em entrevista a uma estação de rádio e a um jornal, o senhor ministro afirmara veementemente que o correto é o governo comunicar o que faz à população, sem esconder nada, mas entretanto ele próprio vem arrastando a solução dos estaleiros navais de Viana do Castelo de insucesso em insucesso, de modo semelhante ao do BPN, até quase nada valer “no mercado”.
E depois surgem os estados de confusão perante a realidade, sem se saber se é a marinha que continua a tomar conta dos assuntos do mar (por isso se chama marinha…por isso entendem a linguagem do mar) e das praias ou se é a PSP (agora com esta idade é que os senhores agentes vão aprender a tabela das marés?). Sem se saber se os helicópteros da Força aérea vão ajudar aos fogos, apesar da área ardida em 2012 já ultrapassar a área ardida em 2011 em igual período, ou se a GNR deixa de fiscalizar o transito nas auto-estradas das áreas metropolitanas, substituída pela PSP (a PSP, de repente, cresce em valências).
Perante estes exemplos, o doutor psiquiatra comunicou a sua ideia central.
Se a república dispõe de um procurador geral , de um provedor geral, de um presidente do supremo tribunal, se o país já dispôs, quando ainda não era república, de um correio-mor, de um armador principal, de um valido do rei, então, o estado em que se encontra, a república, e as dissonâncias cognitivas reveladas pelos seus governantes, impõem a existência de um psiquiatra geral da república, pronto a intervir de cada vez que os senhores governantes mostrem fragilidades de comportamento psicológico.
Mediante notificação, o senhor governante ver-se-ia obrigado a comparecer no consultório do psiquiatra geral e o diagnóstico e a prescrição seriam tornados públicos enquanto o senhor governante estivesse em funções.
O tratamento de obsessões compulsivas de quem se sentiu investido na tarefa de salvar o país da crise, e porque a crise é tamanha que a obsessão degenerou em complexo megalómano messiânico; de quem primeiro sofreu uma perturbação de humor no sentido depressivo por não serem compreendidas as suas propostas, e depois passou a fase hiperativa e legislou fora da realidade; de quem, sem consultar nenhum psiquiatra, tomou estabilizadores de humor para poder aceitar, pausadamente, a enorme distancia entre as previsões e a realidade, deverá ser entendido como uma manifestação de solidariedade para com as vítimas da incompreensão da população.
E, concluiu o doutor psiquiatra, um tratamento eficaz levaria os senhores governantes a abrir os olhos para a realidade e, reconhecendo a gravidade da situação, a entenderem-se com todas as sensibilidades, ao menos para que a responsabilidade das medidas tomadas se reparta equilibradamente por todos, para que não haja benefícios para uns e prejuízos para outros.
E para que todos se entendessem, o que entre portugueses é sempre difícil, fazer planeamento e trabalhar em equipa, lá estaria ainda o psiquiatra geral da República.
Apoio a ideia.
Sem comentários:
Enviar um comentário