sábado, 7 de julho de 2012

Variações sobre o tema do coeficiente de Gini

O coeficiente de Gini , já por diversas vezes citado neste blogue (ver http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2010/10/conjetura-do-economista-envergonhado.html ) e raramente pelos senhores governantes, pelos senhores comentadores ou pelos senhores bem postos que tentam , por vezes com assinalável exito, fazer a cabeça das pessoas, é um dos elementos tomados em consideração pelas agencias de notação financeira para as suas classificações. Quanto maior o coeficiente, isto é, maior a desigualdade de distribuição dos rendimentos de um país, maior a tendência para uma taxa de juro mais alta nos empréstimos aos respetivos governos.


É precisamente este o tema de um excelente artigo no dinheiro vivo do DN de 7 de Julho de 2012 de Luís Reis Ribeiro: “Plano da troika piora desigualdade, ameaça impostos e faz subir juros.” (http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO051992.html?page=0  )

Segundo um estudo do National Bureau of Economic Research (que certamente não será acusado de estar infiltrado de economistas marxistas, embora o Tea Party possa achar que sim), em Portugal “existe uma forte correlação negativa entre a desigualdade de rendimentos e a base tributável”, isto é, “a uma desigualdade elevada corresponde menos receita fiscal, menos capacidade orçamental e taxas de juro da dívida pública mais altas”.

Antes deste estudo, o Observatório da Situação Social da Comissão Europeia (é, os observatórios gastam dinheiro dos contribuintes, mas destapam as carecas aos governantes, e assim não admira a senha com que por cá querem cortar na despesa pública eliminando os observatórios portugueses, como o da saúde, por exemplo) já tinha avisado que as políticas de austeridade tinham afetado os grupos mais pobres da base de distribuição do rendimento (a recente notícia de passar a contabilizar no cálculo do RSI o subsídio das rendas de habitação social como rendimento das famílias, ao mesmo tempo que baixam as prestações da Euribor, veio ilustrar isto com dramatismo, agravando as desigualdades).

O senhor Branko Milanovic, economista chefe no Banco Mundial (que não deve também ser um economista marxista) vem explicar que “os cortes da despesa pública na saúde, na educação, o aumento dos empregos temporários e do desemprego são uma fase de desigualdade crescente”.

E que os efeitos das medidas de austeridade podem afetar seriametne a receita fiscal e a um agravamento das taxas de juro da dívida pública.

Que é como quem diz, está-se a tratar o doente com o medicamento com o efeito contrário ao pretendido. É como entrar em derrapagem e virar o volante no sentido contrário ao da derrapagem; o atrito das rodas da frente aumenta relativamente ao pouco atrito das rodas de trás que assim ficam sujeitas a um momento de derrapagem maior (deve-se voltar o volante no sentido da derrapagem para diminuir o atrito das rodas da frente, contrariando o momento da derrapagem).
É a própria receita que induz o agravamento do efeito que quer combater, e é a própria comissão europeia e o Banco Mundial que o dizem.
Pena, muita pena mesmo, que os senhores bem postos que aparecem na televisão a explicar tudo não falem claramente disto, que a desigualdade e a iniquidade social é uma coisa que tem de se combater, sem recorrer ao expediente vivaço e chico-esperto de chamar preguiçosos aos pobres, aos funcionários públicos, aos professores, aos enfermeiros, etc, etc., para tentar justificar as diferenças de rendimento.

Nota – Também tenho uma certa pena da utilização que tem vindo a fazer-se da palavra austeridade. O conceito em si de austeridade até pode ser simpático, no sentido de sobriedade, de não desperdiçar energia em atividades supérfluas. Mesmo em período de crise deve investir-se não só em investimentos com retorno, mas em atividades culturais e de lazer. Havia concertos em Leninegrado, durante o cerco da Wermacht. Austeridade, embora venha do grego (outra palavra grega) rude, severo, rigoroso, amargo, não deveria querer dizer (e não quer) privação de bens essenciais.


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