quinta-feira, 19 de julho de 2012

Falas de governantes - o esquerdismo de Alvaro Santos Pereira

Não resisto a citar o artigo de Alfredo Barroso sobre o esquerdismo de Álvaro Santos Pereira.


É uma pena o senhor ministro da economia ter de fazer o papel que faz no governo, porque até é um senhor com a capacidade de escrever uns livros e de analisar umas coisas, se bem que com alguma precipitação juvenil (exemplo do seu próprio blogue: afirmou que a produtividade decresceu a seguir ao 25 de Abril de 1974; teve porem de reconhecer que estava a esconder um facto justificativo essencial: o regresso de 500.000 pessoas das ex-colónias).

Mas enfim, são casos pessoais.

Alfredo Barroso citou extratos do livro do senhor ministro publicado em Abril de 2011, “Portugal na hora da verdade – como vencer a crise nacional”, pouco tempo antes da sua nomeação como ministro, a propósito da renegociação da dívida (coisa que, como se sabe, desde o princípio do memorando o PCP e o BE vêm defendendo; não por serem de esquerda, mas porque a realidade dos números é assim mesmo; a dívida não é pagável nesses termos):

-“para que seja sustentável, a dívida pública nacional tem de crescer a um ritmo inferior ao do crescimento económico” (deve ser por isso que agora desviou verbas do QREN de investimentos públicos para subsídios a pequenas empresas – mas também não é grave o “crime”: são 4milhões de euros a 8 anos)

- “de acordo com os cálculos do FMI, a dívida pública nacional, para ser sustentável, exige excedentes primários da ordem de 4 ou 5%” (na altura em que isto foi escrito até dava jeito, para sublinhar a incompetência dos senhores ministros das finanças que não identificaram atempadamente a ameaça)

- “face aos exorbitantes montantes da nossa dívida e ao crescente peso dos juros, é provável que um governo português se declare impotente para pagar a totalidade da dívida” (ui, caíram em cima do BE quando Francisco Louçã disse que tinha de se analisar se toda a dívida era legítima)

- “é muito possível que cheguemos a uma situação em que o Estado português se veja forçado a reestruturar a sua dívida pública junto dos credores externos e internos”

-“é provavelmente desejável que essa renegociação seja levada a cabo ao mesmo tempo que uma reestruturação da dívida de outros países europeus”

-“a reestruturação abrangeria não só um reescalonamento da dívida pública nacional (prazos) mas também a diminuição do valor da dívida (haircuts – o que não é o fim do mundo porque os empréstimos estão cobertos por seguros) … e englobar a divida pública detida pelos estrangeiros e a dívida interna, incluindo a renegociação das parcerias público-privadas” (parece que só esta parte foi autorizada).



Afinal, temos em Álvaro Santos Pereira uma pessoa que compreende os números e as forças em causa. Isto é, temos homem, em sintonia com o que o partido comunista e o bloco de esquerda sempre disseram a propósito da dívida.

Pese embora o senhor primeiro ministro persistir na sua obstinação juvenil, afirmando que quando tomou posse o país estava a dois passos da bancarrota e tinha necessidades de financiamento externo de dois dígitos, e agora só precisa de financiamento externo para 3,5% das suas necessidades (parece lógico, se aumentou a dívida, não só publica como privada, é natural que não precise de tanto financiamento externo).



Passe o aspeto anedótico da questão e a situação penosa para o senhor ministro no governo devida à dissonância entre o que está escrito no livro e o que o senhor primeiro ministro decide, penso que terá muito interesse relacionar tudo isto com duas questões:



1 – na mesma edição do DN, André Macedo recorda que o escudo desvalorizou, de 1980 até à entrada na moeda única em 2001, 244% face ao dólar. Perdeu-se assim, depois de 2001, a capacidade de melhorar as exportações e de compensar a inflação com o aumento de salários (e das taxas de juro). Por isso é natural que os senhores da troika insistam em reduzir os salários para o nível da Roménia e Bulgária, já que não se pode desvalorizar o euro (não poderá mesmo? desvalorizar-se um bocadinho o euro e aumentar-se ligeiramente a taxa de juro?  achava bem que os senhores do BCE pensassem nisso). De acordo com o teorema de Fermat-Weber, isto não tem solução com economias nacionais mais fracas em regime de economia global aberta (união fiscal, união bancária, união política, precisam-se, como diz Christine Lagarde no ignorado discurso de Tokio) . Isto é, basta uma economia de uma nação da união europeia crescer para absorver parte desse crescimento a uma economia mais fraca (penso que os senhores economistas, especialmente os académicos, deveriam estudar melhor o aspeto físico deste teorema, tão importante como a lei dos rendimentos decrescentes – aquela que diz que convem comprimir a economia até ela chegar a um ponto da curva dos rendimentos tão baixos que a taxa de crescimento possa ser elevada). E que o problema não se resolve culpando o Estado social, porque a dívida privada das famílias e das empresas (bancos incluídos) é superior à publica. (Eu diria que a solução não pode vir só de dentro, por mais heróico que seja o esforço das empresas que exportam e as que produzem para substituir as importações; bem podia perder-se o complexo de contra empresas públicas; as empresas públicas podem planear mais facilmente as coisas de forma integrada, não só associando-se e instalando empresas estrangeiras em Portugal, como fazendo isso no estrangeiro com empresas portuguesas; é a diplomacia económica, bem longe da teoria neo-liberal…e as diretivas europeias até têm exceções que podem, e devem ser invocadas, por mais dificuldade que os nossos jurídicos tenham em as compreender – condições excecionais para a instalação de centrais solares, por exemplo)



2 – ainda na mesma edição do DN, é citado um economista alemão recentemente saído do BCE por ter discordado da compra de dívida pública (se o homem discordou disto, o que discordaria ele das eurobonds e da união fiscal e bancária?), Jurgen Stark. O senhor afirmou que a zona euro deveria ser reduzida aos países economicamente estáveis e que as economias mais fracas deveriam sair. Na verdade, se não admitirmos a união bancária e a união fiscal, temos de dar razão ao homem. A questão é que a ideia da união europeia era mesmo a integração. E estas opiniões fazem lembrar a teoria dos 29% de alemães que votaram no partido nazi e lhe deram a maioria. E também fazem lembrar o perdão da dívida alemã correspondente à segunda grande guerra (como se calcula a dívida de um exército que ocupa Tessalónica e faz embarcar sem regresso 100.000 civis gregos?). Mas atenção que este blogue, quando fala nestas coisas, lembra sempre que a maioria (mais de 80%) dos colegas alemães com que trabalhou e dos turistas alemães com que fala no Algarve são pessoas civilizadas. Não há razão para não estarmos todos na mesma união europeia. Os senhores Schaubler e Stark não são suficientes para isso. Pelo menos por enquanto.

Lei dos rendimentos decrescentes - o risco de uma política ascética é o de provocar uma recessão que coloque a economia na zona da esquerda de rendimentos descrescentes, onde os investimentos não são reprodutores e são portanto inuteis 




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