A notícia já circula. O governo pretende aproveitar a fusão do metro e da carris para proceder ao despedimento de cerca de 300 trabalhadores.
Compreendem-se os argumentos do governo:
1 - o número de passageiros está a diminuir, permitindo a redução da oferta
2 - da fusão poderão resultar sobreposição de funções, permitindo a dispensa parcial de quem as desempenha
3 - o despedimento permitirá reduzir custos para o futuro explorador privado por concessão
4 - escolhendo os trabalhadores a despedir com o critério, por exemplo, do seu absentismo, será possível aumentar o indicador de produtividade (quociente entre o produto obtido e o número de trabalhadores necessário para o produzir)
5 – reduzir custos de pessoal permite reduzir a despesa pública
6 – encontrando-se congelados os planos de expansão e investimento da rede, tornam-se dispensáveis os trabalhadores a eles adstritos.
No entanto, mesmo sem citar os artigos da Constituição da Republica Portuguesa e da declaração universal dos direitos humanos que incumbem os governos de garantir o direito ao trabalho, é possível contrariar os argumentos do governo, passo a passo:
1 – É verdade que, como consequência da diminuição do PIB e do consumo, o tráfego de passageiros diminui, estima-se que cerca de 10% ao ano. O mesmo se verifica, por efeito da contração económica, na maior parte das atividades, desde a diminuição do numero de clientes do comércio tradicinal ou não, até ao espetadores de cinema. Porém, é deprimente verificar que todos os dias se delapidam quantidades enormes de combustíveis fósseis no transporte individual nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, com o consequente agravamento da balança de pagamentos das importações e das emissões de gases com efeito de estufa. Estimo que a simples transferência de 10% das deslocações do transporte individual para o transporte coletivo permitiria uma poupança anual da ordem de 80 milhões de euros
(ver http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2010/08/calculos-para-investimento-em-redes-de.html). Evidentemente que isso exigiria alguns investimentos, como parques de estacionamento na periferia para correspondência, e medidas antipáticas como reforço da fiscalização do estacionamento automóvel e da velocidade nas cidades e introdução de portagens à entrada. Portanto, essa é uma área de aplicação dos fundos europeus do tipo QREN que justificaria a mobilização dos quadros de pessoal das empresas na sua plenitude.
2 – A ideia que de uma fusão resultam sinergias em termos de economia de pessoal pode ser ilusória, especialmente em empresas com uma necessáriamente grande dispersão geográfica, com uma grande componente de trabalho em turnos, com uma grande diversidade de especialidades e com probabilidade significativa de ocorrência de circunstancias de trabalho extraordinário (espetaculos como jogos de futebol ou festivais, necessidade de realização de trabalhos de manutenção ou de construção interna ou externa, eventual insuficiência do quadro de pessoal em categorias indispensáveis à circulação) e só poderá ser avaliada caso a caso.
No entanto, sem querer insistir na ideia feita da produtividade alemã, a capacidade de absorver períodos de menor produção mantendo o mesmo quadro de pessoal foi desenvolvida na Alemanha através do conceito de “kurzarbeit” e é aplicada na Auto Europa:
No fundo, a ideia é ter o quadro de pessoal pronto quando as condições económicas permitirem o crescimento da emrpesa.
3 e 4 – É evidente que a redução de custos torna mais apetecível para um grupo privado a exploração de uma rede. Porém, apesar de a concessão ou privatização ser uma bíblia para a troika e para o atual governo, há riscos de prejuízo para as finanças públicas e há exemplos históricos de situações concretas que as contra indicam enquanto panaceia, de que se citam os casos do metro de Londres e de Paris (o que não quer dizer que possa ser uma boa solução em casos específicos).
Cálculos que desaconselham o recurso à concessão e privatização encontram-se em:
resumindo-se os resultados: só existirá interesse económico para o Estado se, não considerando o serviço das dívidas por investimento e considerando que os indicadores de qualidade se mantêm:
- a renda a pagar pelo concessionário for superior à soma do diferencial das indemnizações compensatórias depois e antes da concessão, com os resultados líquidos antes da concessão, ou
- os lucros do concessionário forem inferiores à soma do diferencial dos resultados operacionais depois e antes da concessão, com a indemnização compensatória antes da concessão.
Reafirma-se que a qualificação profissional dos trabalhadores do metro e da carris já está demonstrada através dos indicadores que, como comprovam os estudos de “benchmarking” do Imperial College, comparam sem deslustre com os homólogos estrangeiros.
5 – sempre me chocou a atitude dos gestores muito contentes consigo próprios quando apresentavam os seus powerpoints com os gráficos da redução dos quadros de pessoal e triunfantes diziam que tinham conseguido reduzir 10% de um ano para o outro; mas não tinham experiencia do dia a dia dos problemas concretos nos locais de trabalho, apenas conhecimento de relatórios e indicadores que podem estar longe da realidade; mais de um administrador ralhou comigo por eu ter a responsabilidade de uma sala de desenho com 12 desenhadores que não conseguia produzir o trabalho que se poderia esperar desse quadro de pessoal – porém, 5 dos trabalhadores não eram desenhadores, não tinham habilitações para isso, tinham sido reconvertidos para desempenharem tarefas complementares, e outro tinha sido atingido por uma doença grave do foro neuro fisiológico que o mantinha em baixa prolongada. E este é um problema gravíssimo que os governantes e quem discute o conceito de produtividade não quer encarar de frente: grande parte da população portuguesa é atingida por doenças inibitórias do seu pleno rendimento, ou vivem em condições penalizantes (mais de 20% dos portugueses sofre de uma forma de depressão) . É mais fácil para o governo propor o despedimento de quem não consegue trabalhar a pleno rendimento, sem querer saber as razões e sem avaliar as hipóteses de solução. Na verdade, isso exigiria investimento em equipas de assistencia social e de medicina do trabalho com meios para intervirem. Exigiria igualmente o reforço das ações de formação e reciclagem profissional. É mais fácil par ao governo fazer generalizações abusivas e pretender fazer crer que o absentismo é exagerado e que a capacidade técnica dos trabalhadores é insuficiente. Não são, e tive ao longo de muitos anos a experiencia de trabalhar com profissionais de todos os níveis altamente dedicados e qualificados. Aliás, se os senhores governantes parassem um pouco para pensar nisso, concordariam que projetar (dispensava-se o novo riquismo e a monumentalidade de algumas estações, mas garanto que as decisões nesse sentido vieram sempre de cima, independentemente da cor do governo) , construir, fiscalizar, manter e explorar redes de metro e equipamentos de transporte coletivo é muito complicado e exigente. Mas fez-se e faz-se com quem é acusado nas caixas de comentários de ter regalias excessivas.
Confesso que é difícil gerir todos os setores de uma empresa como o metro e a carris fundidas, mas com uma cultura de respeito pela dignidade das pessoas e com o debate aberto e participado pelos técnicos dos vários níveis hierárquicos e envolvendo todos os níveis profissionais, é possível.
6 - Um período de estagnação na expansão de uma rede de transportes deverá ser aproveitado para uma reorganização interna que inclua a atualização dos normativos de procedimentos e de projeto, a sua compatibilização com as normas internacionais e o re-exame das condições de manutenção e exploração. Por exemplo, do ponto de vista tecnológico, o metro de Lisboa distingue-se neste momento, comparativamente com os principais homólogos, por não dispor de sistema de proteção e operação automáticos ATP/ATO), e a Carris por não incorporar autocarros elétricos ou híbridos. Adicionalmente, é uma oportunidade para estudar e elaborar o plano de expansão futura e realizar alguns projetos de remodelação e expansão, de que se destacam o equipamento de estações principais com meios para a acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida e as já referidas correspondências com parques de estacionamento na periferia (de que o melhor exemplo será na zona das Amoreiras, no prolongamento da linha vermelha). Dado tratar-se, no primeiro caso, de cumprimento das diretivas europeia sobre a mobilidade, e de uma medida de economia de combustíveis fósseis e redução de emissão de CO2, são investimentos elegíveis para os fundos QREN, desde que os projetos sejam eaborados. Igualmente é de destacar a oportunidade de realizar trabalho de projeto para o estrangeiro de que é exemplo uma das ampliações do metro de Argel, de âmbito aliás suscetível de alargamento.
Tudo isto requer a manutenção de um quadro de pessoal com as devidas qualificações.
Conclusão - Salvo melhor opinião, que só o será se fundamentada em cálculos, será desejável uma política de pessoal diferente para resolver as questões de absentismo sem a centrar na preocupação dos despedimentos, e uma estratégia diferente para a reorganização e melhoria funcional da nova empresa fundida metro-carris.
Para além do som dos tambores, já consigo distinguir algumas vozes agitadas ao longe....
ResponderEliminarÉ capaz de dar algum movimento, mas vamos ver se se resolve com calma, com argumentos e contas bem feitas.
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