sábado, 19 de janeiro de 2013

Continuação do “post” da meia lágrima - o transporte gratuito



Confirma-se o “post” da meia lágrima:

Desta vez a comunicação é oficial e personalizada.
Recebi uma educada e concisa carta da diretora de recursos humanos do metropolitano de Lisboa, informando que a partir de 1 de fevereiro deixarei de ter direito ao transporte gratuito.
Que é por imposição legal, por causa da lei do orçamento de Estado para 2013, mas que o meu cartão Lisboa Viva poderá sempre ser carregado com os montantes correspondentes aos títulos de transporte.
Que desejam um ano com saúde e tranquilidade, na expetativa de obter a minha compreensão.
Termos elegantes e corretos.
Já disse que sim, que compreendo.
E agora fico contente por  poder carregar  o meu cartão.
Acabou o privilégio de que usufruía, o senhor ministro bem tinha avisado que ia acabar com as regalias, vou passar a contribuir para o aumento das receitas do metro, ou melhor, da empresa  Transportes de Lisboa, e para diminuir o défice público.
Só tenho pena de se ter perdido no cabeçalho das cartas do metro aquele vermelho vivo do logótipo.
Mas terá sido também uma boa decisão para economizar na impressão das cores.
Realmente, como justificar o meu passe gratuito, perante a opinião pública, que enche, irada, as caixas de comentários sempre que há uma greve do metropolitano, apelando à privatização, já?
Porque os privados é que sabem gerir melhor, dizem os irados comentadores, surdos aos prejuízos da gestão privada dos metros do Porto e do Sul do Tejo (não é que façam má gestão, é que se o orçamento de Estado não tem as verbas necessárias para pagar os investimentos nas infraestruturas, os juros da dívida vão subindo de forma incomportável).
É verdade que é de uso quem trabalha numa empresa de produção ou de distribuição poder levar para casa uma porção de produto, embora isso seja uma evasão ao fisco porque não é uma regalia, é uma remuneração que foge à contabilização.
E também será um uso que deva acabar, pronto, não vou fora disso, como aquele hábito de distribuir sobrescritos com uma verba não contabilizável lá dentro, a título de prémio de performance (até que ponto é que tudo isto contribui para que na estatística a remuneração e o valor das reformas no setor privado são inferiores ao setor público? Estatística fiável, um problema por resolver em Portugal).
Pouco ligava ao meu cartão Lisboa Viva.
Agora vou dar-lhe mais valor.
Vou querer senti-lo com mais evidencia sobre o meu coração, no bolso esquerdo do casaco.



O meu cartão Lisboa Viva é inseparável de mim e eu tenho muito carinho por ele.
Mas ainda tenho uma questão, que não quero a que se dê seguimento, mas que quero sublinhar.
É que no cartão está impressa a data de emissão, janeiro de 2011.
E a data de renovação, julho de 2017.
Isto é, as condições de utilização do cartão seriam válidas até Julho de 2017.
A menos que se renegociassem com os utilizadores essas condições.
Ora, não houve renegociação, nem com o utilizador nem com estruturas representativas como a comissão de trabalhadores, por exemplo.
A alteração, por imposição legal, como disse a delicada doutora dos recursos humanos, foi então unilateral.
È isso que me engulha. Lembro-me sempre dos alemães e dos ingleses, e também dos franceses.
Antes de fazer qualquer coisa, um cidadão destas nacionalidades pergunta logo onde está o procedimento.
Onde está a norma com os procedimentos.
Em Portugal não, tirando honrosas exceções, em que incluo a maioria dos meus colaboradores dos diferentes níveis, durante a minha vida profissional.
A maioria, porque infelizmente pouca atenção foi dada à função “normalização” pelas hierarquias máximas na reta final dessa vida profissional, quando o âmbito das minhas responsabilidades era significativamente diversificado (importante que é agora, num período de estagnação, atualizar e completar os normativos...).
Não admira assim que as decisões das altas direções das empresas sejam tomadas unilateralmente, sem atenção à norma de procedimento.
Enchem a boca com a disciplina e a produtividade dos alemães (e contudo, também na Alemanha há acidentes intoleráveis, desde choque de comboios a derrocadas de prédios devido à construção de estações de metro), mas não reparam bem no que está escrito nos contratos.
Acham que estão mandatados para tomar decisões segundo a linha vertical da hierarquia da pirâmide, quando melhor fora pensarem na linha horizontal que reparte as responsabilidades, não em pirâmide, mas em forma de bilha (ou losango).
Brinco?
Não, não brinco. A organização de empresas não em pirâmide mas em forma de bilha aprendi eu há muitos, muitos anos, numa revista de uma grande empresa alemã.
Até estou de capaz de recomendar outra vez aquele livrinho sobre como destruir uma empresa:

Ou o livrinho de Elísio Estanque, “A classe média, ascensão e declínio”, ed. Fundação Francisco Manuel dos Santos, de onde retirei este gráfico comparativo de sociedades ou regimes com o grau de democraticidade a crescer para a direita:

Mas em Portugal acha-se que não, que devemos depender de grandes lideres, e continuamos a repetir a receita messiânica que nos mantem o PIB tão pequenino.
Não seguem o procedimento.
O crescimento económico só será possível com a mobilização da maioria da população, não depende principalmente do iluminismo de lideres.
Criticar-me-ão porque muitas vezes defendo que não nos devemos prender ao formalismo da letra da disposição legal.
É verdade, mas como tudo na Natureza, há normas e normas.
Como diz Paulo Morais, há normas feitas por escritórios de advogados que regulamentam atividades que nunca praticaram, especialmente quando envolvem assuntos técnicos de engenharia (o caso da contratação pública é paradigmático), e que são muito úteis para criar dúvidas a serem resolvidas pelos mesmos escritórios.
Há outras normas que não, que foram feitas e discutidas por técnicos da especialidade.
Não há de facto regras universais.
Mas não me importo, já disse, que tenham alterado unilateralmente o contrato do  meu cartão, antes de 2017.
Os reformados são crianças umas mais encarquilhadas que outras, que são muito sensíveis no sentimento da identidade e contentam-se com pouca coisa.
E eu fiquei muito contente por não me terem mandado devolver o meu cartão Lisboa Viva.
Mais grave são os reformados a quem pagam uma pensão insuficiente ou que, sendo pequena, vai sofrendo cortes para que as grandes entidades financeiras possam ir recuperando os seus negócios “as usual” (credit swap defaults por pensões, right?).
E não me venham com a justiça social de nivelar. Quando Otelo Saraiva de Carvalho visitou a Suécia, contava-se uma anedota, evidentemente inventada, que ele teria dito ao ministro sueco que em Portugal tínhamos acabado com os ricos, ao que o ministro respondeu que na Suécia tinham acabado com os pobres. Sem querer comparar Otelo ao MRPP, até parece que este subiu ao poder em Portugal e que a justiça social é nivelar por baixo (só em termos de rendimentos do trabalho ou de pensões, claro).
Mas o meu cartão, o meu cartão Lisboa Viva é fonte de satisfação para mim ficar com ele.
Trago-o sempre comigo, no bolso esquerdo, junto do coração.

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