Há uns anos, quando os macroeconomistas começaram a ganhar visibilidade na comunicação social, circulou a anedota do coelho gestor.
A comunidade dos coelhos andava muito preocupada com os ataques dos galgos. Não podiam pôr a cabeça fora das tocas que os cães vinham logo a correr.
Então resolveram pedir conselho a um macroeconomista destacado.
Este explicou que a melhor solução seria, de cada vez que a comunidade precisasse de sair, escolher um coelho para ser o primeiro a sair, ser apanhado pelos galgos e assim, distraidos os cães, poderem sair sem que os vissem.
A assembleia, apesar de maravilhada com tamanha sabedoria, justificada pelos tempos de crise que se viviam e pelo perigo dos galgos que o governo anterior tinha deixado crescer, encontrou no entanto coragem para perguntar como se escolheria o coelho a sacrificar.
Ao que o macroeconomista respondeu: "Isso decidem vocês, eu sou apenas um coelho gestor".
Lembrei-me desta anedota ao ler a entrevista da senhora macroeconomista presidente do conselho de finanças públicas.
Perguntada que setores da economia, numa perspetiva do pós-troika deveriam ser especialmente cuidados, respondeu: "Já se percebeu há muito tempo que isso não é papel para os macroeconomistas. Temos é de criar condições favoráveis ao investimento e depois os investidores que escolham quais são os setores".
Poderá perguntar-se que têm andado os macroeconomistas a fazer que essas tais condições não há meio de de se criarem, mas o defeito deve ser meu, por achar que estas coisas se discutem em grupos de debate e que os temas devem ser lançados por profissionais das respetivas áreas.
Nós portugueses temos o mau hábito de achar que podemos ter opinião sobre tudo e ao mesmo tempo que não podemos pronunciar-nos sobre as especialidades dos outros, e de tratar assuntos trágicos com anedotas como a do coelho gestor.
Há procedimentos para debater os assuntos da coisa pública, mas não são apreciados (insisto nos métodos descritos na "Sabedoria das multidões" de James Surowiecki).
E os macroeconomistas não saberem (dirão que não querem, que não é o seu papel) que setores da economia devam ser tratados é uma tragédia.
É que a ideia que dão é que não sabem mesmo como as coisas funcionam. E, evidentemente, têm dificuldade em aceitar a quantificação dos benefícios de um investimento, especialmente se for de infraestruturas ou de bens de produção.
Entretanto, os profissionais formados para o desenvolvimento industrial e das infraestruturas, vulgo engenheiros, são desaproveitados ou mantidos em funções burocráticas (ou nos setores não transacionáveis).
Os seus grupos e associações profissionais saberão, desde as energias renováveis e descarbonização para redução da dependencia energética, até à produção agroalimentar para redução da dependencia alimentar e até à maximização do aproveitamento dos recursos naturais e à redução do desperdício.
Não existe um engenheiro no conselho de Estado, e ao nivel de ministros, apenas o ministro da Energia e ambiente tem essa formação (para alem de alguns secretários de Estado especializados, claro).
A incompreensão de como as coisas funcionam por parte dos gestores leva-os a não compreenderem o papel da engenharia nos setores económicos a tratar.
Será uma maneira de fazer cortes, dificultando a retoma, mas satisfazendo os ímpetos macroeconómicos.
É de facto uma tragédia, porque o progresso e a ciência, associados ao método científico e ao referendo permanente, não evoluem como a economia do pensamento dominante, subordinada a grupos de interesse, nem como os seus propagandistas.
PS em 2 de dezembro - outro mau hábito dos portugueses é a generalização ou escrever de forma que facilite a generalização indevida. Que foi o que fiz, sem querer ofender os macroeconomistas preocupados com a coisa pública e que perguntam a quem sabe como as coisas funcionam, para que servem e porque puderam as forças de mercado ou as conveniencias políticas endividar tanto ou contraindicar o investimento do que é útil e tem benefícios.
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