segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Os velhos de Alexandre O'Neill

OS VELHOS

Em suma: somos os velhos,
Cheios de cuspo e conselhos,
Velhos que ninguém atura
A não ser a literature.

E outros velhos. (Os novos
Afirmam-se por maus modos
Com os velhos). Senectude
É tempo não é virtude…

Decorativos? Talvez…
Mas por dentro “era uma vez…”

Velhas atrozes, saídas
De tugúrios impossíveis,
Dispararam, raivoso, o dente
Contra tudo e toda a gente.

Velhinhas de gargantilha
Visitam o neto, a filha,
E levam bombons da crème
Ou palitos “de la reine”.

A ler p’lo sistema Braille
— Ó meus senhores escutai! —
Um velho tira dos dedos
Profecias e enredos.

Outros mijam, fazem esgares,
Têm “poses” e vagares
Bem merecidos. Nos jardins,
Descansam, depois, os rins.

Aqueloutros (os coitados!)
Imaginam-se poupados
Pelo tempo, e às escondidas
Partem p’ra novas surtidas…

Muito digno, o reformado
Perora, e é respeitado
Na leitaria: “A mulher
É em casa que se quer!”

Velhotes com mais olhinhos
Que tu, fazem recadinhos,
Pedem tabaco ao primeiro
E mostram pouco dinheiro…

E os que juntam capicuas
E fotos de mulheres nuas?
E os tontinhos, os gaiteiros,
Que usam cravo e põem cheiros?

(Velhos a arrastar a asa
Pago bem e vou a casa.)

E a velha que se desleixa
E morre sem uma queixa?
E os que armam aos pardais
Nessas hortas e quintais?

(Quem acerta co’os botões
Deste velho? Venha a cidade
Ajudá-lo a abotoar
Que não faz nada de mais!)

Velhos, ó meus queridos velhos,
Saltem-me para os joelhos:
Vamos brincar?

                              Alexandre O’Neill 


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