o texto seguinte faz parte de umas memórias do metropolitano:
email para Latifa
Cara
colega
Não
resisti a escrever-lhe, depois da nossa conversa casual no refeitório, no meio
dos outros colegas que, como a Latifa, estão a frequentar o curso de
maquinistas.
Não
imagina a satisfação que me deu saber que a Latifa é mulher de Bachir.
Como o
mundo é pequeno, ou como se diz agora, encolhendo os ombros ou abrindo um
sorriso, conforme as circunstancias, é a globalização.
Bachir, o
pequeno Bachir de olhos vivos, nascido em Moçambique, de ascendência
paquistanesa, que foi aluno da minha mulher, que tinha boas notas a matemática e que um dia lhe pediu insistentemente que ela lhe
passasse um papel a atestar que era professora dele e que ele tinha
aproveitamento nas aulas.
- Mas,
Bachir, esses papeis são passados oficialmente pela secretaria da escola. Para
que queres tu o papel?
- Já
tenho esse papel da secretaria, para apresentar no serviço de estrangeiros, mas
eles levantaram objeções e agora preciso do seu para provar que estou integrado
na sociedade, que os meus pais também, e que posso visitar a minha família no
Paquistão e voltar sem ser incomodado.
Perante o
ar adulto com que Bachir falava, a minha mulher rascunhou o que lhe pediam no
computador, imprimiu e deu-lho.
E a
verdade é que, daí a uns dias, ele telefonou triunfante a dizer que já tinha o
visto para a viagem.
Durante
algum tempo depois de sair da escola, Bachir mandou à minha mulher mensagens de
Natal e Ano Novo, ele que todos os anos, pelo Ramadão, levava um saquinho de
plástico com os fritos festivos e aromáticos da sua família, para repartir com
os colegas e os professores da escola.
E agora,
pela mulher, volto a ter notícias dele, empresário de sucesso com umaloja de
telemóveis e computadores na Almirante Reis.
Eu já
tinha reparado em si, Latifa, na forma ligeiramente diferente como se veste,
revelando a sua origem islâmica (como lhe ficam bem as calças largas de cores
claras, apertadas nos tornozelos), mas bem independente com o cabelo sempre
espreitando generosamente no lenço mal apertado, e por estar no curso de
maquinistas.
Como eu
lhe disse na nossa conversa de há pouco, já desesperava de ver uma mulher a
conduzir um comboio do nosso metropolitano.
Fico
contente por, tal como na escola com Bachir, não haver aqui no metropolitano
qualquer preconceito contra vocês.
E não tem
que haver, com ou sem a intervenção americana no Iraque e no Afeganistão, os
atentados da Al-Kaeda, o fundamentalismo waabita que proibe as mulheres de
conduzir, como se Aisha, a jovem mulher do profeta, e a sua filha, não
conduzissem camelos…
Penso que
devemos combater o fundamentalismo sem armas, assim como assim, Gandhi e
Mandela também ganharam mais sem armas do que com a violência.
É verdade
que é difícil convencer um fanático que acha que recebeu uma revelação que
manda matar infiéis, mas que confusão, não confundamos ordens de um
comandante militar, que o profeta também
era, com ensinamentos para a defesa da paz, que é o significado de Islão, por
um chefe religioso.
A guerra
santa, nos tempos que correm, é a guerra individual pelo próprio
aperfeiçoamento e a prova, para um
crente islâmico, está no próprio Corão, quando diz que mais vale a tinta de um
sábio do que o sangue de um mártir.
E há
também a proclamação do primeiro presidente do Paquistão, que antes mais é-se
cidadão, e depois muçulmano.
É neste
tipo de argumentos que devemos insistir para que nos compreendamos e convivamos
todos uns com os outros, sem querer a supremacia de nenhum grupo nem forçar
ninguém a acreditar no que não quer.
E que
nenhum pai obrigue a filha a usar véu se ela não quiser.
Ai a triste história de Portugal quando expulsou
os judeus ou os quis converter à força nos séculos XV e XVI e os perseguiu com
a Inquisição.
As
riquezas que perdeu…precisamos todos uns dos outros e de cada um.
Salam
ulekum, Latifa, salam ulekum (paz contigo).
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