o texto seguinte faz parte de umas memórias do metropolitano
O meu
novo gabinete, amplamente envidraçado, convidava à leitura das revistas que
circulavam para atualização técnica, tanto para acompanharmos os últimos
desenvolvimentos e as suas aplicações aos metropolitanos do mundo, enquanto
esperávamos as verbas para o plano de expansão, como para ficarmos informados
sobre as novas técnicas de gestão.
Da obra
de ampliação, projetada por um arquiteto do metro neto do fotógrafo Josua Benoliel, do edifício de Keil do Amaral inserido ao fundo do parque Eduardo
VII, para instalação do novo posto de comando central da circulação de
comboios, transferida de uma apertada sala da estação do Rossio e para beneficiar
utilização da informática, resultaram espaços para novas oficinas de manutenção
e novos gabinetes.
Na minha
memória associo esta mudança ao último caderno de encargos que redigi para
aquisição de equipamentos de telecomunicações.
No caso,
o sistema de informação sonora nos cais das estações, ou “public-adress”.
Por
coincidência, conclui a redação do caderno de encargos na mesma semana em que,
por convite da administração, um gabinete de consultores tinha realizado um
seminário para “explicar” aos técnicos do metropolitano as ameaças e as
oportunidades da empresa.
Uma das suas recomendações, do consultor, era precisamente a de, centrando as preocupações no cliente e para aumentar a atratividade, equipar as estações com um sistema de informação sonora.
Uma das suas recomendações, do consultor, era precisamente a de, centrando as preocupações no cliente e para aumentar a atratividade, equipar as estações com um sistema de informação sonora.
Naquele
tempo, os técnicos identificavam falhas e ausências no serviço prestado,
estudavam as soluções e propunham-nas às administrações.
Era o
método de baixo para cima, ou “bottom-up”, como diziam os consultores, ou
simplesmente, como nós dizíamos, uma manifestação particular de uma gestão
participativa por mais ou menos objetivos.
De modo
que a administração aprovou imediatamente o lançamento do concurso, contente
consigo própria por achar que tinha sido sua, a ideia.
Dentre as
revistas na minha cesta de entrada, reparei numa revista de gestão que, por
preconceito meu, menosprezando a ciência administrativa, raramente eu lia, mas
em que na capa daquele número se anunciava um conto, “o prego”.
Talvez
que o preconceito tivesse origem na repetição exaustiva de palavras como
inovação, adaptação para sobrevivência, competitividade, produtividade, tudo
coisas que a mim me parecia terem sido tratadas com mais objetividade e
equilíbrio pelos professores da minha alma mater.
A
história passava-se numa praia do norte, nos anos 60 da industrialização e da
ainda incipiente integração na economia europeia.
Os
construtores de barcos de pesca artesanal eram os principais clientes do herói
da história, serralheiro forjador, que lhe fornecia os pregos para os
cavernames e tábuas dos seus barcos.
Mas
surgiam os primeiros barcos de fibra, e os caixeiros viajantes ofereciam pregos
mais baratos, devido às grandes quantidades produzidas pelas fábricas, e os
construtores de barcos gostavam, até porque os pregos eram muito mais lisos e
brilhantes.
Em vão o
herói da história explicava que os pregos dele, artesanais, tinham
irregularidades que ajudavam a manter unidas as tábuas e a compensar as
dilatações.
Mas
ninguém o ouvia e o negócio definhou, como se diz agora, a um ponto de insustentabilidade.
Toda a
noite a mulher e a filha ouviram o herói da historia martelando e soprando a
forja na oficina no rés do chão.
No dia
seguinte, quando se levantaram e o foram chamar, um grande prego, negro e baço, de
irregularidades evidentes na sua haste, estava cravado na trave principal da
oficina, e dele pendia uma corda de pescador e, já sem vida, o corpo do
serralheiro forjador.
Imaginei
a autora, que era de uma autora que se tratava, a quebrar a aridez do seu discurso de formadora
de gestores, e a criar uma metáfora do que poderia ser um país inteiro.
Lembrei-me
da Precix, e mais tarde da Mague, da Lisnave, da Cometna, da Sepsa, da
Sorefame, subjugadas pela onda de desindustrialização em que se convertera a
integração na economia da Europa.
Daí a uns
dias, precisando de comprar umas coisas no grande supermercado de ferramentas e
lazer, peguei numa pequena caixa de pregos, negros e baços, com uma etiqueta publicitária: “Inovação: as irregularidades destes pregos asseguram
uma melhor fixação das peças”.
Sem comentários:
Enviar um comentário