sábado, 2 de janeiro de 2010
Economicómio XXXVI – A economia dos supermercados
Seja A o local da central de distribuição de uma cadeia de grandes supermercados.
Seja B o local de um desses grandes supermercados.
Seja entre A e B um troço de autoestrada equivalente a um percurso rectilíneo de 20 km.
Sejam C e D dois pontos equidistantes 5 km de B delimitando um troço rectilíneo de uma via rápida perpendicular ao troço da autoestrada AB.
Sejam n os agregados familiares de cada um de dois bairros, representados esquematicamente, cada um, por n ligações radiais aos pontos C e D, que funcionam como nós de acesso à via rápida e à autoestrada.
Façamos n=5000 e o raio de ligação ao nó (distancia média dos habitantes do bairro ao nó) igual a 1,5 km.
Suponhamos que o camião de distribuição consome 40 litros/100 km ou 0,4 euro/km, que todos os agregados vão às compras em automóveis cujo consumo específico médio é 7 l/100 km ou 0,07 euro/km, e que o ciclo logístico do camião é diário e o dos automóveis semanal.
Teremos assim os seguintes consumos de combustível numa semana para repor as energias alimentares de 10000 agregados familiares ou 25000 habitantes:
Camião: 0,4 x (20+20) x 7 = 114 euro
Automóveis: 0,07x 2x5000 (1,5+5+5+1,5) = 9100 euro
Total: 9214 euro
A diferença entre as duas parcelas é tão grande que provavelmente terei exagerado ao desprezar as deslocações dos cidadãos a pé e de transporte colectivo para o supermercado, mas deixemos o efeito.
Analisemos agora a hipótese de, em lugar de se ter construído um grande supermercado apenas no ponto B, se construíram dois supermercados, de menor dimensão, nos pontos C e D.
Nestas condições, os consumos semanais de combustível seriam:
Camião: 0,4 x (20+5+10+5+20) x 7 = 168 euro
Automóveis: 0,07x 2x5000 (1,5+1,5) = 2100 euro
Total: 2268 euro
Temos assim que, na primeira hipótese (um grande supermercado no ponto B), a cadeia de supermercados gasta 114 euro por semana e no segundo 168 euro.
Os cidadãos gastam no primeiro caso 9100:10000 = 0,91 euro e, no segundo, 2268:10000 = 0,23 euro.
Considerando que as cadeias de supermercados não são instituições de beneficência e que seguem religiosamente o princípio do interesse egoísta de Adam Smith, os dois bairros são servidos por um grande supermercado e podemos dizer que os 10000 agregados familiares estão a entregar semanalmente à cadeia de supermercados um subsídio de transporte no valor de 54 euro. A esse subsídio soma-se um financiamento equivalente ao diferencial da amortização correspondente aos menores custos de um grande supermercado quando comparados com os de dois supermercados de menores dimensões. A nível de balança de pagamentos, o país está a gastar inutilmente por semana 9214-2268 = 6946 euro (menos impostos e a margem da refinadora, claro).
Isto é, estamos assistindo a uma transferência significativa de rendimentos dos cidadãos para a cadeia de supermercados, e a um desperdício de rendimentos, e falo apenas em custos de combustível.
Feitas estas contas para 25000 habitantes, se extrapolássemos para 10 milhões de habitantes teríamos de multiplicar por 400 para obter um numero obsceno, que por isso eu não calculo.
Se pensarmos em Henri Ford, que fabricava automóveis para que os seus funcionários os comprassem, poderemos concluir que um grupo ter uma cadeia de supermercados é uma forma de pagar menos aos funcionários do grupo (até pode não haver mal nisso; será uma troca de serviços).
O que me interessava aqui era tentar mostrar como as lojas de alimentos deviam ser descentralizadas e não concentradas em grandes superfícies. Como o transporte em grosso das mercadorias (em camião) é mais eficiente do que nos automóveis particulares, as lojas deveriam ter uma distribuição descentralizada para minimizar as deslocações em automóvel (é o contrário das grandes cadeias americanas, não é? Depois não se queixem da crise). Continuará a ser verdade que por cada posto de trabalho que se cria nas grandes superfícies comerciais se perdem 2,5 postos no pequeno comércio?
Digo mostrar porque a demonstração está acima das minhas capacidades matemáticas. Exigiria o tratamento de modelos de elevada complexidade matemática para simular uma realidade deste tipo. Julgo que já tem sido tratado por prémios Nobel. Trata-se da disciplina de topologia, que se aplica também no estudo de traçados para redes de transportes.
Para construir o modelo é necessário relacionar os dados do que se pretende com os dados do urbanismo real e futuro, incluindo o mapa das atividades económicas, o que é de facto uma atividade muito difícil.
Claro que os meus amigos economistas vão dizer que eu distorci o modelo representativo para levar a água ao meu moinho e que a concorrência, suscitando o aparecimento de outros supermercados de outras cadeias, vem servir os interesses dos cidadãos.
Talvez sim, mas então digam e critiquem (vá lá, descubram um pequeno erro nas contas cuja descoberta eu deixei como prémio).
Entretanto, apesar de todas as limitações, podemos fazer algumas variações, em torno da topologia e das pontes de Koenigsberg, para tentar uma próxima abordagem do estudo de redes de transportes, que fica desde já prometida.
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Etiquetas:
cadeias de supermercados,
economia de escala
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