sexta-feira, 17 de junho de 2011

Não em meu nome I - a semi-deusa grega

O título deste texto é retirado do movimento contra o desmembramento da Bélgica.
A intenção do seu uso aqui é exprimir a oposição à agressão ao conceito de cultura e civilização europeias pelas forças policiais em Atenas.
Valha a verdade que é melhor do que os tiros assassinos dos exércitos sírio e israelita neste mês de junho de 2011.
Mas porque não deixam a rapariga em paz?








Possivelmente porque recearam que ela lhes batesse nos escudos, com as mãos nuas, como a rapariga da outra fotografia (uma rapariga para dez policias).
Na verdade, há que recear a força da razão quando só se tem a força física.



A rapariga que está a ser arrastada está a sofrer violencia fisica, recebendo uma pena sem julgamento. Na foto vêem-se ela e mais quatro policias...
Não vale a pena argumentar com os doutores da propaganda que repetirão os argumentos do costume, de defesa da ordem e da propriedade, normalmente dos bancos.
A rapariga foi sumariamente julgada pelo policia e condenada à pena de arrastamento pelos cabelos.
Nunca estive numa situação assim.
O mais perto disso foi num dia 5 de Outubro, talvez de 1966.
Nesse tempo, ir ao cemitério do Alto de S.João ou parar para olhar a estátua de António José de Almeida na Av.Miguel Bombarda no dia 5 de Outubro significava exprimir a oposição à barbárie e à indigencia cultural que nos governava.
Por isso os doutores da propaganda da altura explicavam que a policia de choque do capitão Maltês tinha de intervir.
Lembro-me dos olhos assustados do pobre moço policia, debaixo do capacete de aço, com a coronha da espingarda prestes a bater-me,  mas a tremer  e a pedir-me em voz baixa e aterrorizado : "Vá-se embora".
Já Freud explicou há muito tempo que a violencia é a manifestação da insegurança de quem acha que tem o poder.
Mas não a glória.
A rapariga da camisola encarnada parece uma semi-deusa grega. Fez-me lembrar a Venus de Rodes, com a diferença de que era a própria Venus que esticava os seus cabelos.

Zeus terá querido abusar dela, da semi-deusa da manidestação. Ter-lhe-á prometido crédito fácil, acessórios para a sua feminilidade, cavalos à disposição no motor de um carro bonito e promessas de poder. Mas a rapariga repeliu os avanços de Zeus, por demais conhecidas que são as suas práticas, recusou a prestação de serviços que os empréstimos pressupunham e acabou arrastada pelos cabelos nas ruas de Atenas. Atenas, a cidade que acabou com a ideia formosa da confederação grega, com sede em Dilos, a pequena ilha ao lado de Mikonos, quando a ganancia dos seus financeiros impediu que o tesouro da confederação fosse posto ao serviço de todos os gregos da confederação. Depois foi o que se viu, as guerras do Peloponeso e a impertinencia dos invasores persas.
Era contra isso, contra a incompreensão do que é a Europa, a sua cultura e a sua civilização, que as raparigas protestavam.
Os doutores da propaganda acham que não (saberão o que significa Dilos?), e que é preciso manter a ordem.
Não o farão em meu nome, nem no das duas raparigas.
Preocupem-se mais em baixar o coeficiente de Gini e em cumprir a declaração universal dos direitos humanos, e não se dêem tão importantes ares quando aparecem nas televisões.
Porque já evidenciam sintomas da sindroma de Hurbis (do grego falta de humildade e excesso de sobre-estima; sindroma estudada por David Owen, ver em
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2011/06/sindroma-de-hubris.html )


Com a devida vénia ao DN pelas fotografias


PS - Se critico os hipócritas, não devo ser hipócrita (mais uma palavra grega). Tenho de concordar que podemos ter de aceitar exceções temporárias ao cumprimento da declaração universal dos direitos humanos. Pode haver situações em que se justificaria arrastar uma cidadã pelos cabelos. 
Se o policia estivesse a arrastar a cidadã que não queria ir trabalhar para uma unidade produtiva de bens transacionáveis indispensável para a recuperação da economia grega, com redistribuição correta das mais valias, estando ela a fazer falta no seu posto de trabalho, então, eu concordaria com o uso da força. 
Mas com o desemprego que vai por aí, não creio que seja o caso da rapariga grega. 
Ela provavelmente não tem um posto de trabalho à espera dela para produzir. 
E o policia tambem é policia porque não tem um posto de trabalho à espera dele. 
Então é mais um exemplo do abissus abissum (abismo atrai abismo, ver Camilo Castelo Branco, ou como antes da lei de Fermat Weber já se tinha a intuição de que qualquer coisa que cresce tem tendencia para atrair mais coisas para se alimentar). 
O desemprego estimula manifestações de rua, que por sua vez estimulam o crescimento da policia, que por sua vez estimula o crescimento de cidadãos que não estão a produzir bens transacionáveis.

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