sexta-feira, 24 de maio de 2013

Ary dos Santos na guerra dos cem anos



Transpõem-se as dores do parto
para as vísceras da soma.
2 e 2 quer dizer cobra
4 e 4 faz lagarto
9s. fora o que se coma
tomando por lebre o gato.

Dos abusos da palavra
ficou o tempo cirrose
em que se torce a poesia.
Tem 7 cornos a cabra
que pasta melancolia
e depois rumina a rosa
do poema que alivia.

2 são os olhos do cego
e seta a arma do poeta.
1 é o tiro do mudo
7 o número da cabra
10 a base do sistema
9 setas valem tudo
9s. fora uma açucena.

O poeta ausculta a noite
que responde 33
diz estrela sai aroma
pensa nardo sai francês
e a cabra rumina o cardo
que já foi rosa uma vez.

Nos vales da literatura
cresce uma planta campestre
chamada erva teórica
e a cabra neo-rupestre
vai transformando a verdura
em delicada figura
gravada com mão de mestre
nas paredes da retórica.

Assim se constrói o signo
do corno mas não do toiro
assim se forja o destino
da pata dos ovos de oiro
que há-de parir um vitelo
se não for mãe de um besoiro.
Assim se escreve e se fala
assim se choca a imagem
que a cabra cega chocalha
sem saber que ao ingeri-la,
sendo verdura, é paisagem,
sem saber que ao dejectá-la
sendo poia, já é palha.

Assim se põem os ovos
como quem toca piano
que nisto de ser-se artista
é preciso é ser-se novo
e o mais que vier é ganho
se por sorte não for dano.

Sem se pensar na velhice
gasta-se à larga o talento
deixado por Dom Diniz
assoa-se o sofrimento
como se fosse o nariz
digita-se o pensamento
hesita-se na temática
e nesta táctil tristeza
servem-se em prato magnético
acepipes de gramática
gratinados de beleza
folhados de cibernética
segundo a nova receita
para a geração sujeita
à prostatite da estética.

Há pois que manter cuidado
no coito do estro-musa
traçar a compasso o esquema
da inspiração infusa
nos ovários da ciência
e aguardar o resultado:
se for menino é Poema
se for menina é Experiência
o nome do morto-nado.

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