quarta-feira, 8 de maio de 2013

A tormentosa novela do acordo ortográfico em dia de menor tormenta

Que querem, gosto de ler Vasco Graça Moura.
Especialmente quando a sua prosa não é descortês, como daquela vez em que indiretamente me incluiu no grupo dos pantomineiros a propósito do que cada um pensa sobre o novo (de 1990) acordo ortográfico.
Gosto de analisar os argumentos, mesmo que não concorde com eles (correndo o risco de a discordância apenas reforçar a convicção).
E gosto especialmente de seguir a elegância da escrita.
Até quando Vasco Graça Moura, na sua habitual catilinária contra o acordo no DN, introduz no seu comentário de 8 de maio o coloquial "é assim".
"Ninguém sabe dizer nada", é o tema, sobre o que se faz ou não faz com o acordo.
E contudo, António Vieira já prega segundo ele, acordo, pese a "anestesia paralisante no que toca às decisões urgentes de suspensão e revisão do Acordo" (não precisa o ilustre Poeta - e escrevo assim apesar do acordo me facultar o uso de minúscula - de invocar a necessidade de revisão; por definição o acordo está em permanente revisão, como qualquer normativo- ou cânone, como Vasco Graça Moura gostará de escrever; quanto à suspensão, discordamos, claro).
De lamentação  me parece, o tom do título e de todo o comentário.
Lamentação eu a recupero, oportunistamente, para fazer o paralelo com a "anestesia paralisante" que nos impede de ações concretas em vez do "crédito de confiança contra tudo o que nos está a tornar (a vida) mais complicada".
Para que não se pudesse dizer como é diferente o discurso dos ministros em Portugal (Dantas, Dantas, perdão) quando Poiares Maduro diz que bater o pé aos credores benfeitores só depois de cortar até ao último grama a carne pedida.
Enquanto Rajoy, de braço dado com Letta, entoa em terças perfeitas: " nós fazemos os inevitáveis trabalhos de casa, mas a UE tem de fazer mais" e em quintas harmoniosas: "não podemos perder a oportunidade de, no Conselho Europeu de junho, apresentar propostas contra o desemprego juvenil e em favor da união bancária; adiar decisões para dezembro seria um erro imperdoável".
Escusava de ter ouvido isto, o senhor ministro Poiares Maduro, tão incensado pelo seu alto nível intelectual e conhecimentos das burocacias jurídicas da UE.
Junho é para o mês que vem.
Ah, mas falava do artigo de Vasco Graça Moura sobre o acordo.
Cerca de 800 palavras.
Apenas uma nos divide: "exatamente" (atenção que o novo acordo admite as duas escritas no caso de expectativa e expetativa).
E a elegância do texto permaneceria se o autor a tivesse omitido.
É que ninguém diz exa-c-tamente, pois não? pese embora a pureza da ascendência latina do étimo exactus, aquele que é acabado de forma perfeita.
Enfim, aguardemos os próximos capítulos da tormentosa novela, desta vez em dia de tormenta menor, enquanto se acumulam as ameaças de degradação do ensino (não me refiro à qualidade do ensino, refiro-me à cada vez maior desigualdade entre os poucos bons alunos de uma turma, capazes de compreender o étimo e porque caiu a diacrítica, e os muitos maus alunos, para quem o étimo nem precisa de existir, no processo de insucesso escolar comprovadamente com origem na degradação das condições socio económicas dos respetivos encarregados de educação).





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