quarta-feira, 15 de maio de 2013

O acidente do Jolly Nero no porto de Génova

Localização da torre de controle e zona de inversão no porto de Genova; assinala-se a existencia de depósitos de combustível demasiado próximos da linha de água
porto de Génova; observe-se, para melhor compreensão da problemática do negócio internacional dos portos, a extensão dos molhes de proteção, a quantidade de cais de atracação e a presença de um aeroporto com uma pista de 2400 m

Porto de Genova – Elevada densidade de movimento de navios de grande porte, da ordem de 300 metros de comprimento que acostam em cais em espinha relativamente à linha da costa.  Protegido por molhes extensos ao longo da costa. Os navios que acostam na zona oeste do porto têm de sair em marcha à ré ao longo do canal formado pelo molhe e rodar de modo a apontar a proa à barra para saírem para o mar. A torre de controle estava situada nessa zona de inversão de marcha, onde se poderá inscrever um circulo de cerca de 500 m de diâmetro.
Registo da rota do Jolly Nero:
http://www.youtube.com/watch?v=iiNRB__Ang4

Animação da rota correta e da rota de colisão:


Manobra do Jolly Nero – O navio percorreu o canal em marcha à ré, apoiado por um rebocador à popa e por outro na proa. Os rebocadores não têm por missão rebocar o navio, mas apenas acompanhar a manobra e suster o navio. A tração deste e as ordens  de manobra competem ao navio, com um piloto do porto na sua torre de comando. Os navios mais modernos, que dispõem de hélices de proa (para manobrabilidade) e hélices principais azimutais (orientáveis) não necessitam do acompanhamento de dois rebocadores. De acordo com os registos de localização dos três barcos durante a manobra de marcha à ré, parece que o rebocador da proa “deixou ir” o Jolly Nero sem que o piloto a bordo deste tivesse interrompido a manobra. O rebocador de popa, ao verificar que a popa do Jolly Nero se aproximava demasiado da torre de controle foi impotente para segurá-lo, até porque, por regulamento, devia aguardar a ordem de tração. O rebocador de proa parece não ter o cabo ligado (sublinho “parece”). Aparentemente (sublinho “aparentemente” porque a velocidade registada era inferior à regulamentar) terá havido excesso de confiança na manobra de marcha à ré, gerando-se o acidente por acumulação de duas circunstancias: 1) falha de comunicações, sem disponibilidade de meios alternativos rápidos, entre a ponte de comando do Jolly Nero e o rebocador de popa; 2) demora da operação de inversão do sentido de marcha dos motores do Jolly Nero (exige paragem dos motores em marcha à ré e atuação de ar comprimido para arranque do motor no sentido da vante).
O  arranque dos motores falhou na primeira tentativa, pelo que a popa do navio colidiu, de esquina, com o cais sobre estacas e, eventualmente galgando o cais, com os pilares do edifício acoplado à torre de controle. Apesar da velocidade ser muito baixa (5,4 km/h), a massa do Jolly Nero (40.000 toneladas), o facto da colisão se ter dado com a esquina da popa (o que aumenta a pressão = força por unidade de superfície), e o facto  do cais artificial estar assente em estacaria e o edifício ter os pilares muito perto da linha de água (pilares não dimensionados ao corte para suportar uma força destas) contribuiram para a gravidade do desastre.

conceção arquitetónica: edificio assente em  pilares esbeltos por sua vez assentes em pequenos módulos de cais assentes em estacaria; estes terão aguentado o embate mas transmitido a vibração, tipo abalo sísmico, aos pilares, que não estavam dimensionados para resistirem; eventualmente terá havido galgamento dos módulos de cais e colisão direta com os pilares, seguindo-se a reação em cadeia de queda por cada vez haver menos pilares a suportar o peso do edificio

I
o Jolly Nero depois do acidente; a popa aloja a carga ro-ro (rodoviária)


a forma do casco na popa sugere que poderá ter havido galgamento dos módulos de cais

os danos na popa são menores, provavelmente por a colisão se ter dado em esquina





Recomendações - Independentemente dos inquéritos regulamentares, destaque-se a debilidade do projeto ao não fazer uma análise de riscos da proximidade da torre de controle da zona de inversão de marcha (recordo que só é possivel inscrever um círculo de 500 m de diâmetro para os navios de 300m de comprimento rodarem de modo a saírem a barra de proa. Essa análise de riscos concluiria que a estacaria do cais artificial deveria suportar esforços maiores de corte ou ter capacidade de absorver os choques sem transmitir a vibração aos pilares, ou, pelo menos, estar protegida por enrocamento (ver, por exemplo a torre de controle do porto de Pedrouços em Lisboa). Assinale-se a presença de depósitos de combustível demasiado próximos da linha de água, sem proteção de enrocamento.
Anote-se ainda a obsolescência do JollyNero, que não dispõe nem de hélices de proa nem de hélices principais azimutais. Falta, apesar de grandes progressos já verificados internacionalmente, nomeadamente ao nível das comunicações, da localização de navios, da obrigatoriedade de duplo casco nos petroleiros, uma normalização mais rigorosa no domínio da segurança. No caso de portos saturados como este, penso que deveria privilegiar-se o uso de navios de sentido duplo para dispensar a manobra de virar de proa e facilitar as manobras de saída do porto.

Conclusão - Enfim, provavelmente teremos as conclusões habituais de sacrifício dos executantes, enquanto as medidas preventivas de projeto e gestão só muito lentamente se vão impondo, e por vezes com retrocesso por considerações de economia a curto prazo (que deveria ser sempre comparada com as mortes provocadas por não serem aplicadas as correspondentes medidas preventivas, embora se compreenda que a competitividade dos portos no negócio internacional pode conduzir à redução dos custos de segurança).

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