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Com a devida vénia ao DN, tomo hoje conhecimento de que o provedor da Casa Pia, de 1986 a 2002, por várias vezes levantou processos disciplinares ao ex-motorista, principal acusado e “arrependido” do caso Casa Pia que culminaram na reforma compulsiva deste em 1991.
No entanto, o Supremo Tribunal Administrativo mandou reintegrá-lo imediatamente.
Seguiram-se mais processos disciplinares e nova reforma compulsiva no verão de 2002.
Em Novembro de 2002 o caso Casa Pia rebenta na comunicação social.
O senhor ministro da solidariedade social da altura entende que o provedor nada tinha feito contra e manda instaurar-lhe um processo.
O instrutor conclui que nada há a apontar ao provedor e o senhor ministro nomeia outro instrutor que propõe 2 meses de suspensão.
O senhor ministro aprova e demite o provedor.
O Supremo Tribunal Administrativo vem agora, 8 anos depois, mandar devolver os vencimentos ao ex-provedor.
Interessa-me aqui analisar as ações de gestão no interior do sistema e nos seus sub-sistemas, como se se tratasse duma empresa integrada no seu universo empresarial.
Temos que:
1 – em 16 anos, correram vários processos disciplinares contra o ex-motorista, na sequência dos quais o provedor só conseguiu afastá-lo por duas vezes
2 – apesar de 1, o ministro acusou o provedor de nada fazer contra os abusos
3 – o instrutor nomeado para o processo ao provedor concluiu nada haver a apontar a este
4 – apesar de 3, o ministro castigou e demitiu o provedor
5 – o STA mandou reintegrar o ex-motorista depois de ter sido afastado em 1991
6 – o STA mandou devolver ao ex-provedor os vencimentos do período de suspensão
Parecer:
1- o processo relativo ao ex-provedor parece ser do tipo “kafkiano”
2- a ação do ministro, se é verdade o relato, parece configurar prepotencia, ignorando realidades concretas em detrimento da preocupação em tomar medidas que satisfizessem a pressão da opinião pública
3- a ação do STA parece pouco consistente num caso e de resposta lenta no outro
4- os pontos 1 a 3 podem ter origem na ausência de mecanismos de controle (ou fiscalização) das ações dos órgãos intervenientes, nomeadamente em:
4.1 – independentemente da correção de atuação dos diretores ou provedores, as instituições deverão ser geridas com a intervenção de órgãos colegiais que exerçam a função de controle mútuo, sendo evidente que o provimento dos lugares deverá ser feito por concurso e não por nomeação; o cargo de diretor geral ou provedor geral deverá assim ter limitações
4.2 – a pressão da opinião pública, através da comunicação social, não tem mal em si mesma, embora seja criticável à comunicação social privilegiar aspetos ditos “mediáticos” em detrimento de factos comprovados que possam constituir causas e circunstâncias; o mal surge nos responsáveis públicos tomarem decisões precipitadas sem debate alargado e profundo, com a preocupação de mostrar capacidade de decisão e satisfação da opinião pública;
4.3 – o ponto 4.1 aplica-se evidentemente às ações do próprio ministro, sendo que deveria existir um órgão dependente do poder judicial que evitasse a situação caricata de, não tendo sido do agrado do ministro as conclusões do primeiro instrutor, ter ele nomeado um segundo instrutor que produziu as conclusões desejadas
4.4 – o ponto 4.3 indicia que, apesar de existir um poder judicial independente do poder executivo, a sua ação não tem eficiência, pelo que são necessários mecanismos para:
4.4.1 - consolidar o grau de independência relativamente ao poder executivo e legislativo
4.4.2 – aumentar o grau de eficiência interna do sistema judicial
4.5 – para além do órgão dependente do poder judicial que controle as ações dos ministros, conforme referido em 4.3, deveriam no respetivo ministério existir órgãos colegiais institucionais, com composição preenchida em parte significativa por concurso e por colaboração graciosa e ad-hoc de cidadãos com experiência sobre os assuntos concretos
Em resumo, a atuação dos diversos intervenientes revela lacunas graves ao nível de :
- organização interna
- mecanismos de tomada de decisão
- eficiência
Como deixei escrito noutra mensagem deste blogue, “structure follows strategy”.
Isto é, não se queira resolver isto com a reforma de leis ou com a reestruturação da Casa Pia.
Antes de mais, são necessárias as questões estratégicas para sair desta crise, que não é só o julgamento, é também a perda de qualidade do ensino profissional da Casa Pia, que foi outra vítima das políticas dos ministérios da Educação.
Existe muita gente neste país com experiência nestes assuntos, além de que nas universidades existe conhecimento acumulado.
É organizar a sua colaboração.
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