segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O metrobus, ou metro ligeiro sobre pneus, ou o megatroleibus da Reboleira

A Câmara da Amadora e o centro comercial Dolce Vita do Casal da Perdigueira apresentaram em 22 de Setembro de 2010 o MetroBus, para estar a funcionar em 2012.
Na humilde opinião deste blogue, o facto de um transporte estimado para mais de 2.500 passageiros por hora e sentido assentar em rodas de borracha e não de ferro contra carril será responsável por um adicional de consumo de energia e consequentes emossões de CO2 não desprezáveis.

Veio-me à memória uma apresentação pela então Secretária de Estado dos Transportes, em 3 de Janeiro de 2008, na estação da Amadora Este.
Achei tão mal (eu não tenho de achar enquanto técnico porque existe um deserto institucional no capítulo dos debates alargados sobre assuntos de transportes, mas enquanto cidadão tenho o direito que me dá o art.48º da Constituição, de exprimir o que sinto sobre uma questão, para mais fundamentando-a como se verá a seguir) que resolvi enviar um textosinho com uns cálculos aproximados sobre o adicional do consumo de energia pelo metro ligeiro de pneus relativamente ao metro ligeiro sobre carris. Deu-me à volta de 7,2 milhões de kWh/ano (ca de 3.000 toneladas de CO2 por ano, o equivalente a uma capacidade anual de sequestro do carbono por 300.000 árvores), só o adicional.
Ce n'est rien, como diriam os franceses, o que me leva a acreditar que o empreendimento vai mesmo para a frente, que foram persuasivos, os eventuais fornecedores (notar, porém, que prever linhas de transporte de massas para grandes centros comerciais minimiza o dispêndio de energia adicional associado a esses centros comerciais, conforme mostra o teorema de Fermat-Weber).

Eis então o artigo escrito em Janeiro de 2008, que com muita pena minha mantem a sua atualidade:




"De como se chama inovação ao metro ligeiro com pneus, num belo dia, na Falagueira


E de repente, quase de surpresa, somos convocados para uma cerimónia com cobertura mediática na estação de Amadora Este (na Falagueira).

Discurso do presidente em exercício do executivo da Câmara Municipal da Amadora e discurso da nossa engenheira Vitorino.

Nossa... significa que foi colaboradora da FERCONSULT e que assistiu, com a impotência com que nós assistimos, ao torcer do traçado da linha, logo a seguir à estação de Amadora Este, no sentido dos terrenos da antiga SOREFAME (a ideia original era levar a linha à estação central dos caminhos de ferro da Amadora, mas deu-se o desvio...), e depois, como se o fôlego ou o depósito de combustível numa corrida se esgotasse a um passo da meta, ao quedar-se o traçado à distancia de um grito da estação da Reboleira da linha do caminho de ferro.

Com elegância e com graciosidade, explica a engenheira Vitorino que agora vamos corrigir essa falta e vamos prolongar a linha até à estação da Reboleira (bom, vamos um bocadinho mais além, para construir um término operacional, para não se repetir o erro da falta de término em Santa Apolónia, e digo “se”, porque tinha de faltar à verdade se escrevesse “mos”, que eu sempre informei quem de direito que não se fazem estações de metro terminais sem términos ou cais centrais).

Fica o nosso coração cheio de jubilo porque corrigir um trabalho é bom, e do nosso trabalho resultará mais um ponto de correspondência com a linha suburbana Sintra-Lisboa.

Quem morar na linha de Sintra e trabalhar na zona de influência da nossa linha Azul, terá a vida ligeiramente facilitada e o IC19 menos trânsito.

Anuncia-nos depois o presidente da autarquia que o metro ligeiro da Amadora vai avançar.

O metro ligeiro com pneus.

Que será uma inovação tecnológica (inovação tecnológica, o trólei-carro, ou trolley-bus, de que eu me lembro, ainda menino, em Braga, no Porto, em Coimbra, onde lhe chamavam o pantufas?).

Interligará a linha suburbana e a linha do Metro, e servirá os bairros da Amadora até ao novo centro comercial, na extremidade nordeste do concelho, fronteira ao concelho de Odivelas.

E que, numa segunda fase, o metro ligeiro será prolongado até à estação de Senhor Roubado, já no concelho de Odivelas.

Não se enche agora o nosso coração de júbilo, mas de preocupação.

Porque os planos do metro ligeiro estão em elegantes expositores, os desenhos com legendas de conceituados gabinetes de arquitectura, de engenharia e de consultoria de transportes e urbanismo, mas os nossos ouvidos não estão habituados ao som “metro ligeiro com pneus”.

Porque os nossos olhos e ouvidos recordam-se da longínqua aula de Físico-Químicas no liceu (era, na altura chamávamos-lhe assim, à disciplina e à escola) e da figurinha no livro em que um grupo de homens era necessário para pôr em movimento uma vagoneta. Para manter a vagoneta em movimento, bastava um homem. E a figura a seguir era um automóvel com o mesmo peso. O grupo para o pôr em movimento já era maior, e para manter o movimento já não bastava uma pessoa. O professor Queirós Lopes (se cito o nome, é porque, ao contrário de uma afirmação da nossa ministra da Educação, reconhecendo que tinha perdido os professores para ganhar a população, eu, pessoalmente, não perdi a memória dos meus, nem da sua preparação científica, passe a pose altiva deste professor, nada simpática para os alunos) explicava a quem o queria ouvir (realmente, a quem o não queria ouvir, não explicava) que era por causa do atrito.

Que as rodas de ferro, em contacto com o ferro dos carris, não requeriam tanta energia para iniciar o movimento, nem para o manter, do que as rodas de borracha em contacto com o asfalto.

E que também, por causa disso, um automóvel pode travar num espaço muito menor do que um eléctrico.

E não nos deixava sair da aula sem nos impingir que já os romanos punham caminhos de tábuas sob as rodas das carroças em que extraíam os minérios (imaginem que até nos recomendou, para vermos uma recriação da exploração das minas romanas através da força física dos escravos, o filme Spartacus, com Kirk Douglas, estreado nesse ano) e que foi um salto tecnológico e um grande aumento de rendimento ou eficiência quando as minas inglesas, na explosão da revolução industrial do séc.XVIII, substituíram as pranchas de madeira por carris de ferro e as rodas de madeira por rodas de ferro (claro que nos contou a velha história: a bitola de 1435 mm dos carris manteve-se, porque era a distância média entre os eixos dos dorsos da parelha de cavalos que puxava as carroças).

Que era tudo uma questão de poupar energia, quer a energia viesse dos escravos, dos cavalos ou do vapor.

Ora, tendo a borracha com asfalto um coeficiente de atrito semelhante ao da madeira com madeira, que pensar de irmos para um metro ligeiro com pneus?

Só esquecendo estes factos, ou contentando-nos com uma abordagem de economista, para quem o valor duma mercadoria é quanto custa em euros (sabem aquela definição cínica de economista que um economista me ensinou, a mim e a todos os leitores dele: economista é quem sabe quanto custa uma coisa mas não sabe o valor dessa coisa) é que poderemos falar de inovação ao apresentar-se o conceito de metro com pneus.

Estão a ver o economista a falar das empresas de transporte ferroviário como empresas de capital humano intensivo e, portanto, a abater ?

E a fazer as contas ao custo do gasóleo, mais barato (por força de externalidades ao mercado) do que os kWh necessários para o mesmo trabalho produzido?

E, já agora, não esquecer que a catenária do trólei-carro sempre é um bocadinho mais cara do que a do eléctrico (embora os carris deste sejam mais caros, claro).

Fica-me assim a ideia, mau grado os economistas, que a inovação tecnológica de que fala o município da Amadora é voltar atrás na evolução tecnológica, cujo sentido é, como se de evolução natural se tratasse, o da poupança de energia.

Não vamos imaginar que os consultores cujos logótipos brilhavam nos expositores tivessem faltado às aulas do professor Queirós Lopes, porque certamente não ignoram que se poupa energia quando se utiliza o metro ligeiro com rodas de ferro.

Então, é porque fizeram as contas e, para o valor de tráfego de passageiros por secção e sentido da linha prevista (2.500 pass/hora), a poupança de energia não ia compensar os investimentos nos carris.

E quem sou eu para contestar essas contas, até porque o valor de 2.500 pass/h depende também da política urbanística e de criação de empregos nos bairros servidos?

Ou terá sido pela questão dos declives?

Que o metro ligeiro ferroviário não pode vencer mais de 7% de declive.

Pois, realmente 7% já é muito (embora o celebrado túnel do Marquês tenha lá uns bocados com 10%, o que é sempre viável mas bem podiam ser maiores as reservas dos gabinetes de engenharia quando elaboram os respectivos projectos…).

E devo pedir dispensa de compulsar os declives das ruas da Amadora que estão destinadas ao metro com pneus.

Mas metro ligeiro ferroviário, de superfície, com cruzamentos com vias rodoviárias, com a abundância que por cá se deseja (lembram-se do projecto abortado do metro ligeiro de superfície, com uma grande circular de Lisboa, de Algés à Falagueira, a Loures e a Sacavem? Com 24 cruzamentos rodoviários…) , a limitar a frequência e a velocidade comercial, tinha no meu tempo o nome de “eléctricos”, e circulam ainda em Lisboa, na Av.24 de Julho.

Os outros eléctricos, os velhinhos, vão circulando por exemplo na Calçada de S.Francisco, com 11% de declive e, lá em cima, com um bocadinho pequenino e curvo a 14%.

Não chega? Então se o declive da Amadora é tão exigente, podíamos experimentar comboiozinhos de cremalheira (basta arranjar uma representação de um consultor suisso), com capacidade para 22%, chega? E tentar as curvas de nível em lugar das pendentes, também não dará?

Voltando à economia energética, não me peçam números exactos e desconfiem se alguém lhes vendeu números exactos. Mas vamos admitir que, por cada kWh consumido pela entidade exploradora do metro com pneus ele transportará 5 pass.km, enquanto o metro com carris transportará 7 pass.km para idênticas taxas de ocupação e contabilizando os custos energéticos de escritórios e oficinas afectos à entidade exploradora (mais fácil fazer as contas ao contrário? Tudo bem, desde que reparem que o indicador é o inverso da eficiência: o metro com pneus gastará 0,2 kWh por cada passageiro.km transportado; e o metro com carris gastará 0,14 kWh)

Porém, a preocupação que referi atrás avolumou-se quando na apresentação foi dito: E depois, numa segunda fase, prolongaremos o metro com pneus até à estação Senhor Roubado do Metro e até Loures.

Horror, penso eu, são quilómetros a mais, para um diferencial energético de 0,06 kWh por cada pass.km.

Se a 1ªfase do metro com pneus for um sucesso, lá teremos, na 2ªfase, mais 4 km do Centro Comercial promotor até à estação do Senhor Roubado.

Se o gasóleo continuar a subir atrás do preço do petróleo (é, mercadorias de procura elevadíssima, de escassez a aumentar até à extinção, só podem subir, subir…) e o metro com pneus transportar 5.000 pass/h na hora de ponta e 50.000 passageiros em cada sentido por dia, vamos ter 400.000 pass.km por dia, só para a 2ªfase.

O que dará um diferencial metro com pneus-metro ferroviário de 0,06 x 400.000 = 24.000 kWh por dia.

Como o kWh também vai subindo, isso ao fim do ano dará à volta de 0,10 €/kWh x 24.000 kWh x 300 dias = 720.000 euros por ano.

Talvez se conseguisse arranjar um economista que aceitasse que este diferencial compensasse o investimento adicional para o metro ferroviário.

Ou que, pelo menos, fosse sensível à economia dos 7.200.000 kWh (quase 7% do que o Metro de Lisboa consome por ano nos tempos que correm), isto é, menos importação de combustíveis fósseis, menos toneladas de CO2 lá para cima…

Mas o que vale é que não há números exactos e o diferencial talvez não seja tão gritante, embora não possa subscrever a ideia do metro com pneus.

Estimativa, para efeitos de estudo de viabilidade, para a instalação de 7km do “mega-troleibus”: 12 a 18M€ (catenaria+mat.circulante+semaforização rodoviária)."

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