segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Rigoletto a Mantova (A ópera Rigoleto filmada em Mantua e transmitida em direto)

A RTP2 anunciou durante vários dias a transmissão em direto da ópera Rigoletto, de Verdi, em três sessões distintas, à mesma hora em que a ação decorre, filmada no palácio dos duques de Mantua.
Foi um investimento importante da RAI, considerando a dificuldades da gravação em direto, mas parece-me que valeu a pena, quer no retorno financeiro devido à retransmissão pela Mundivisão, quer pelo sucesso do ato cultural em si.
Não sei se o mecanismo de registo das audiencias deu pela transmissão, mas pode ser que um dia aconteça um fenómeno de adesão popular  e os senhores diretores de programas das televisões repensem os seus critérios.
Até lá, vamos continuar com o futebol, as telenovelas, os concursos e os big brothers (dizia uma senhora participante num espetáculo destes: eu sei que isto não é cultura, mas é disto que nós gostamos; a verdade na voz do povo, e o reconhecimento da situação real como primeiro passo para resolver o problema; mas terão os sociólogos aprendido com esta senhora o primeiro passo, para poderem esboçar o segundo?).

Mais pormenores sobre o Rigoletto em:

http://www.youtube.com/watch?v=Mtjz1J9HAZg

Interessa-me aqui assinalar a participação de Placido Domingo. É tenor, mas com a idade a voz encorpa um pouco e fez o papel de barítono, Rigoletto. Tem mais de 65 anos, mas pode fazer isto porque é efetivamente uma voz excecional e porque os rendimentos que auferiu pemitiram-lhe criar uma fundação que, entre outras atividades, faz concursos paa revelar novas vozes. E foi assim que apareceram a soprano que fez de Gilda e a contralto que fez de irmã de Sparafucil, que são vozes muito bonitas e de muito boa técnica.
Verdi, que era uma pessoa bem formada, e portanto sabia o que era a humildade (coisa que os génios que tomam e tomaram decisões em Portugal parecem ignorar) depois de ver este espetaculo, seria capaz de achar que as suas áreas ainda eram mais bonitas do que pensava e a sua orquestração mais elaborada.
Verdi tinha tambem sentido de humor, o que só prova que era uma pessoa inteligente com capacidade de realização.
Oiço na Antena 2 António Cartaxo contar uma pequena história sobre Verdi. Um espetador da sua ópera Aida escreveu-lhe desiludido com o espetáculo e reclamando o dinheiro do bilhete, do transporte em comboio e do jantar. Verdi respondeu-lhe que só pagava o bilhete do espetáculo e do comboio, mas que o jantar nunca lhe pagaria, e queria também uma carta em que o reclamante se comprometesse a nunca mais assistitr a uma ópera dele, que, assim, nunca mais lhe pagaria nada.
Já imaginaram o que seria um senhor com uma casa arrendada escrever ao ministro da habitação a reclamar o diferencial entre as rendas e o custo de vida? ou ao ministro da justiça o pagamento do tempo para além do razoavel que uma pessoa aguardou por um julgamento ? ou ao ministro das florestas a área ardida? ou ao ministro das polícias a carteira roubada? ou ao ministro das escolas os prejuizos de uma colisão por trás por o ensino da matemática ser ineficiente e o condutor que bateu não ser capaz de calcular a distancia de travagem? ou ao ministro das finanças porque não chegou a tempo o crédito para poder exportar um milhão de pares de sapatos?
Provavelmente a  reação seria de escandalo, como Jesus Cristo dizia dos publicanos muito branquinhos mas só por fora, ou talvez houvesse uma ação por difamação.

Voltando a Placido Domingo, dir-se-á que é um exemplo para aproveitar o trabalho dos profissionais com mais de 65 anos.
Mas Placido Domingo é excecional, enquanto os comuns dos mortais dizem o que dizem quando têm aquela idade e os decisores não gostam, muitas vezes de ouvir, ou não podem contrariar a pressão dominante nas empresas.
Como se sabe, o que determina a pressão dominante nem sempre coincide com o próprio interesse da empresa ou da comunidade que ela serve, e choca muitas vezes pela ignorância das questões técnicas, mas é mesmo dominante.
E então será melhor não contrariar o estado das coisas.
Se por um lado a expetativa de vida sobe, os encargos da segurança social também (apesar do sistema de segurança ter meios para fazer investimentos com retorno, isto é, não é exclusivamente do tipo "pay-as-you-go", no qual as reformas são pagas pelos descontos dos trabalhadores no ativo), o que convida a aumentar a idade da reforma, por outro lado a qualidade de vida vai diminuindo com a idade.
Ainda bem que Placido Domingo pode cantar assim e ser contratado pela RAI, mas não subamos a idade de reforma acima de 65 anos.

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