"Felizes os bois que estão nos currais,
são tão felizes, os animais".
Lembrei-me destes versos.
Faziam parte de uma ingénua canção de protesto, no princípio dos anos 70.
O seu autor usava uns óculos graduados de lentes muito grossas, mas não era por isso que sorriamos, era porque a canção era mesmo ingénua e pobres os acordes rasgueados com que ele castigava a viola.
O que não tirava o mérito ao autor, sempre ameaçado pela policia politica da altura, nos espetáculos em que participávamos (eu não cantava, só servia de motorista, num velho Taunus 12m de tração dianteira).
Assim como assim, alguma coisa contribuiram as canções de protesto para o 25 de Abril.
Lembrei-me dos versos agora, quando leio no jornal a frase cheia de bucolismo do senhor presidente da República:
"Ontem eu reparava no sorriso das vacas, estavam satisfeitissimas olhando para o pasto que começava a ficar verdejante".
Embora me pareça uma interpretação demasiado à escala humana do comportamento das vacas, e próxima das melhores frases de Américo Tomás e Garrastazu Medici, talvez pensando bem me esclareça a dúvida que me costuma ficar quando passo pela auto-estrada do sul e vejo as vacas a ruminar, olhando para o horizonte das planícies alentejanas: em que pensarão elas durante todo aquele tempo?
De modo que me vieram à ideia aqueles versos longínquos, "felizes os bois..."
Também me veio à ideia a revalorização do escudo em 1978, quando era ministro das finanças o atual senhor presidente da República.
Seis meses depois o escudo voltava a desvalorizar, com a explicação de que a revalorização tinha dificultado as exportações.
Lições práticas de economia... como aliás deve ser interpretado o comentário das vacas satisfeitissimas.
É essencial a autonomia em bens agrícolas e alimentares, como quer que seja o contexto e mesmo que quem a defende agora não a tenha defendido antes e continue a não considerar a opinião de quem sempre a defendeu.
Tarde mas cá vim dar. Antes de mais, penso que o verso era "feliz como os bois o são nos currais/e são tão felizes os animais", ou não?
ResponderEliminarEra um refrão que se segue à frase "... é um homem feliz!", acusando um qualquer malvado burguês/capitalista.
Julgo que o cantor era o António Macedo, já falecido.
E agora o que me traz cá:
Ele cantava uma outra canção, quiçá ingénua também, mas belíssima balada acerca da ida dos jovens para a guerra, cujo título desconheço mas que começava:
"Havia um menino traquina
Sentado na esquina
Da tasca do Zé
Com olhos de pardal que riam
Dos homens que iam
Mal se tendo em pé
Que dia sim dia não
Para jogar à bola
Faltava à escola
Que tinha um cão como amigo
O Zé por abrigo
Pão por esmola..."
e continuava por aí fora com o menino a ir à guerra e regressar num caixão.
Isto, penso eu, nunca foi gravado, nem clandestinamente...
Eu gostaria muito de ter a letra completa da canção. É possível?
É apenas um capricho meu, ok, mas recordo-me com alguma doce nostalgia como o António Macedo cantava nas noites de Verão na praia de Angeiras... foi aí que nos cruzámos.
Obrigado pela atenção, peço desculpa do abuso
Paulo Ricca Gonçalves