sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Blue Station










Que Cesário Verde e o seu picnic de burguesas me perdoe, mas naquela manhã de um dia de trabalho como os outros, nos últimos anos do milénio, na estação de metro da Baixa, cheia de mulheres jovens concentradas na tarefa de irem para os seus empregos, houve uma coisa simplesmente bela, e que sem ter história nem grandezas, em todo o caso dava uma aguarela.                                 
Foi quando tu, descendo do metro, foste a correr pela escada acima sobraçando a tua pasta de desenhos   de aluna das Belas Artes.                                                                                                     
Pouco depois, ainda nesse tempo se viam as abóbadas de azulejos limpas e brancas, tiveste de subir a escada mecânica avariada, e era a tua visão, saltando os degraus parados e a tua pequena saia a     esvoaçar e a embaraçar-se na pasta dos desenhos, o supremo encanto da estação.              


Noutra estação de metro, por esse tempo,  mais acima na cidade, em Alvalade, o átrio apareceu um dia coberto por grandes cartazes de publicidade da Mc Donalds.
Tinha sido inaugurado um Mc Donalds mesmo ao lado da estação.
Falou-se que a estação ia ser adotada, que mudaria o nome para McDonalds Alvalade e que a contribuição financeira que se esperava iria garantir a manutenção de todos os equipamentos da estação sem custos para o Metropolitano.
Seria a estação dos hamburguers, mas a ameaça não se concretizou, possivelmente porque a administração da Mc Donalds preferiu investir no estudo da minimização dos efeitos nefastos das gorduras saturadas em vez de publicidade agressiva.


A rapariga de que se fala no inicio deste texto acabou o curso de Belas Artes mas não conseguiu      melhor colocação do que vender cafés e bolos num centro comercial.                                           
As discussões com o pai ajudaram-na a consumir drogas.                                                                    
Envergonhava-se de a vender aos antigos colegas e por isso optou por uma atividade lucrativa numa agencia de acompanhantes especializada em turistas em hoteis.                                                       
Conseguiu autonomia financeira, montou uma loja de decoração com o seu companheiro e libertou-se da droga e dos clientes da agencia.                                                                                                     
Mas o companheiro não ajudou, endividou-se  para alem do suportável, o contexto económico           também não foi favorável,  e o fisco penhorante ficou com tudo.                                                           
E aí temos a nossa heroina, dez anos depois da primeira cena,  de volta ao comércio do sexo, para     sustentar os dois filhos pequenos e ter uma vida minimamente confortável.                                           

Quando a estação Baixa Chiado acordou de azul, cor de led (light emission diode), nos seus corredores de acesso e em fita luminosa no bordo dos cais quando o comboio entra na estação (engraçado, o metropolitano chegou a instalar um sistema semelhante na estação Chelas, mas o coletivo desinteressou-se de o manter em funcionamento, para economizar a manutenção; agora que se volta à ideia, talvez fosse bom iluminar o intervalo entre o comboio e o cais, que é o maior, na estação Marquês de Pombal), e com um quadradinho azul  a dizer PT nos letreiros com o nome da estação, chocaram-se as sensibilidades e alguém do movimento de cidadania Lx veio dizer que era a prostituição do espaço público, a subordinação à publicidade de uma empresa.

Ora, se eu contei a história da estudantezinha de Belas Artes não foi para escandalizar ninguém por ela vender sexo.
Até porque a intervenção na iluminação da estação revelou alguma preocupação de economia energética e a empresa externa que faz a manutenção dos elevadores até os tem a funcionar, coisa que já não se via há muito.
Desejaria antes que as pessoas se escandalizassem por ser preciso vender sexo para garantir a educação aos filhos e ter uma vida confortável.
Mas isso talvez implicasse uma tomada de posição política por parte das pessoas e é sempre mais fácil o moralismo condenatório, para isso se fizeram os pelourinhos.

E contudo, ainda lá está, em Pompeia, o bordel com a sala de espera e refrescamento no andar térreo.
No ano do senhor de 1490 havia registo de 7000 prostitutas na cidade do papa, certamente geradoras de imposto, tal como as suas continuadoras holandesas, que passam recibo com IVA de 19% e           descontam 50% para a segurança social.                                                                                                 
E até a Siemens ajudou a resolver o problema das prostitutas de rua de Bona: instalou parquimetros onde as senhoras metem 6€ para poderem exercer durante toda a noite.                                              
Na Alemanha estima-se um rendimento anual da prostituição, contribuinte para o PIB, de 14 mil      milhões de euros e, feita uma sondagem entre universitárias, 33,3% das respostas admitiram a          hipótese de vender sexo para pagar o curso .                                                                        
Será assim tão mau prostituir o espaço público, se prostitutas são pessoas trabalhadoras e                 contribuintes como as outras, embora digam, com um ar triste, que os seus sonhos morreram?          
(Sim, será muito mau, se não se obtiver uma compensação financeira que cubra as despesas de         manutenção da estação e dos seus equipamentos).                                                               
Também eu próprio poderia pensar em contratar com a PT a decoração das portas do meu carro com os seus logotipos, ou com outra empresa de cores  mais vivas, que me pagasse a manutenção do carro e me oferecesse uns bilhetes de ópera, por exemplo.  Ou contratar com o Google a publicação de anuncios automáticos neste blogue.                                                                            
Além de que o patrocínio da PT na estação Baixa Chiado tem uma componente cultural (pena, muita pena, não haver um encorajamento a visitar o Museu de Arte Contemporanea, um dos museus de      mais fácil adesão pelo público).                                                                                              


Talvez que escandalo seja antes o metropolitano não ter receitas para fazer a manutenção das suas estações e equipamentos a um nivel elevado de serviço publico; por exemplo, não ter o elevador da Rua Ivens instalado para pessoas com mobilidade reduzida, não ter sequer as plataformas elevatórias de recurso  nas escadas da rua do Crucifixo, não ter instalações sanitárias abertas ao público incluindo as pessoas com mobilidade reduzida.
Isto na estação Baixa Chiado, PT ou não, e nas outras, com patrocínio ou sem ele, neste país de suspensões permanentes.

Mas como dizia não sei quem, o escandalo é a nossa vida.

Mas não devia ser.


Créditos:                                                                               
- O pic-nic de burguesas, de Cesário Verde                          
- The Girl friend experience, de Steven Soderberg                
- Conversations avec des prostituées, de Louis Aragon       
- DN de 2011-08-31                                                              

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