Não sou engenheiro civil, mas tinha no meu gabinete uma caricatura de um cartonista português de cujo nome não me recordo, representando um discipulo de Vitruvius aplicando numa ponte romana da Lusitania uma pedra com a inscrição: ano 50 da era de Cesar, próxima inspeção no ano 2050.
As pontes romanas mantém-se, com a sua proa virada a montante e as juntas entre pedras com cal vulcânica.
Infelizmente as novas tecnologias cegam os utilizadores, e as grandes obras de betão armado começam a revelar as suas fragilidades quando comparadas com as velhas tecnologias romanas.
O caso das pontes do IP3 indicia uma vida util inferior a 40 anos
Salvo melhor opinião, não é admissivel.
É no entanto necessário:
- a monitorização dos parâmetros da obra ao longo do ano
- inspeções após 5 anos de vida
- intervenções de manutenção de 10 em 10 anos.
Tem-se assim que uma obra não é só o custo do investimento, mas tambem o da sua manutenção , entre 2 e 5% do investimento por ano ao longo da sua vida util (pelo menos 100 anos, tomando-se em atenção que a ponte Hintze Ribeiro caiu aos 112 anos).
O parágrafo anterior traduz a necessidade de considerar o LCC (life cycle cost) na análise das propostas de fornecimento, para além da qualidade da prestação. Mesmo sem contar com as amortizações, a manutenção de uma obra pode custar mais do dobro do seu investimento.
O cancro do betão de que se fala a propósito dos pilares e das fundações das pontes do IP3 condenadas tem outro nome: carbonatação. Ocorre quando o CO2 penetra nos poros do betão, originando a transformação em carbonato de cálcio, desagregando e fissurando o betão, enquanto a humidade estimula a reação eletroquimica entre pontos diferentes da armadura de aço corroendo-a (isto é, formam-se pilhas no interior do betão, funcionando a humidade como eletrólito) e a exposição ao oxigénio aumenta a produção de ferrugem com aumento de volume, fissurando ainda mais o betão. O risco de colapso consiste então na corrosão da armadura, responsável pela resistencia à tração. Recordo que aos 7 anos de vida da ponte Vasco da Gama os seus pilares tiveram de ser recobertos com betão porque as armaduras já estavam em contacto com o ar.
Embora existam fatores favoráveis à carbonatação como a elevada concentração de CO2, a eventual presença de cloretos na água e a eventual predisposição da composição quimica das britas e inertes usados no betão (falha nas análises na construção? fez-se investigação de algumas causas especiais para a concentração de CO2 e de cloretos ser tão elevada?), julgo de esclarecer a opinião publica sobre uma eventual utilização na construção, por razões de economia do construtor, de uma relação entre água e cimento superior ao recomendado pelas normas (o que explicaria a porosidade do betão).
Igualmente seria curial que o senhor secretário de estado, para alem de culpar o governo anterior, requisitasse e divulgasse a argumentação técnica que fundamenta a estimativa do LNEC de que a reparação dos pilares e fundações seria mais cara do que a construção de novas pontes (seria interessante que as firmas especializadas na reparação de betões divulgassem os seus argumentos, até porque, se se limitarem as obras de reparação de betão, dificulta-se o abaixamento dos respetivos preços por efeito de escala)
O edificio juridico que condiciona toda a atividade de construção de infra-estruturas de serviço público tem dificuldade em compreender isto e tudo o que não seja a adjudicação ao preço mais baixo.
Aliás foi dispensado o estudo de impacto ambiental para acelerar o começo da obra de uma das novas pontes ( e no entanto, desde as inspeções de 2009 que se decidiu lançar concursos públicos para novas pontes; ou continuam a existir obstáculos retardadores a corretas tomadas de decisão, ou contrariamente ao que se diz, não há gorduras nas empresas públicas, há falta de gente para decidir e executar as coisas que são necessárias; fácil prever o que acontecerá se continuarem os cortes).
Não sou engenheiro civil, mas tive a honra de trabalhar com colegas que asseguraram no metropolitano de Lisboa a execução das funções de inspeção e de reparação do betão dos túneis e dos viadutos através de contratação de firmas especializadas.
Assisti às dificuldades burocráticas, organizacionais e juridicas que tiveram de vencer, à inércia e aos obstáculos que a mentalidade então e agora dominante foi mantendo e levantando.
Assisti à cultura da imagem de quem de repente se punha em bicos dos pés e à frente da fotografia gritando que era preciso garantir a segurança, ignorando o trabalho anterior de técnicos honrados.
Assisti à intromissão de militantes de partidos politicos em lugares de decisão sem que para isso tivessem capacidade de gestão ou conhecimentos técnicos (duvido que seja aqui a mudança corretiva de modelo de gestão das empresas públicas referida pelo senhor ministro da economia em 24 de setembro de 2011 o programa prós e contras).
Assisti à relutancia efetiva e eficaz com que projetistas de estações rejeitaram propostas de simplificação de projetos para redução de custos de manutenção, e à dificuldade com que empreiteiros efetuaram correções "pós-venda" e entregaram a documentação necessária à manutenção.
Assisto agora com desgosto ao castigo de um colega cujo crime foi violar um principio juridico, num contexto de indefinição organizacional e disfunção hierárquica, ao prolongar o ambito de um contrato de reparação da fissuração do betão do tunel entre o km 0 e o km 0,9 até ao km 1,7 .
Entre a decisão de reparar aquele troço de tunel e a execução da reparação decorreram 9 anos (admiraram-se quando escrevi dificuldades burocráticas, organizacionais e juridicas?). Em 9 anos apenas se conseguiram reparar dois viadutos e o troço de tunel junto das obras do tunel rodoviário do Marquês de Pombal, apesar de todo o túnel mais antigo ter sido objeto de inspeção pormenorizada.
Lamento estar a propor aumento da despesa pública, mas os troços mais antigos do tunel do metropolitano de Lisboa têm 52 anos de vida e deverão durar mais do que 100.
Por tudo isto, não me surpreende que a vida util das pontes do IP3 seja inferior a 40 anos.
Estas coisas deviam ser debatidas mais abertamente, com corpos técnicos mais autonomizados e com mais argumentos técnicos do que é costume fazer-se no nosso país (não me refiro ao prós e contras, até porque as primeiras noticias sobre a degradação das pontes são de 2009, refiro-me à falta de mecanismos coletivos de tomada de decisões, como costumo fazer quando cito a Sabedoria das Multidões, de James Surowiecki)).
Salvo melhor opinião, claro.
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