sábado, 9 de junho de 2012

Entrevista na RTP em 6 de junho de 2012 a Abeb Selassie, da troica

http://www.rtp.pt/noticias/?article=560472&layout=122&visual=61&tm=6&

A entrevistadora é bonita, bem educada na forma como coloca as perguntas, e está informada.

Tem um acento engraçado no seu inglês. Fecha as vogais abertas, mas isso até deve ser um toque atrativo para o entrevistado.

Primeira pergunta:
- Como explica a elevada taxa de desemprego, foi uma surpresa para si?

- Penso que está mais alta do que previmos no programa, penso que há vários fatores por trás disso (a pergunta era: como explica a taxa de desemprego? E o entrevistado está a fugir). Quando elaborámos o programa usámos a relação histórica entre exportação e emprego em Portugal (ah! Usaram essa relação, que para um ignorante como eu talvez seja a relação entre o peso do setor de bens transacionáveis na economia portuguesa e a taxa de emprego; na minha ignorância, os senhores da troica estavam à espera que o peso do setor transacionável se iria manter, pelo que o emprego só baixaria no setor não transacionável; seria isso? Ficaram então surpreendidos porque o emprego caiu mais do que o esperado? Surpreendido fico eu por terem ficado surpreendidos; no setor transacionável também houve arrefecimento da economia e da procura externa; o que cresce nas exportações deve-se ao aumento da exportação de produtos refinados graças à entrada em serviço de refinarias que já estavam programadas há muito, antes deste governo, e como tal é surpreendente que não tenham previsto isso, e também às exportações para a China da Auto Europa, embora duvide que já tenham contabilizado a exportação dos lucros). Um dos objetivos desta missão foi tentar perceber esta taxa de desemprego elevada e trabalhar muito para perceber isso (ah! afinal não fui só eu que não percebi a tal explicação da relação histórica entre exportação e emprego, os senhores da troica também estão a trabalhar hard work para tentar perceber)


Nova pergunta, vagamente venenosa embora envolta num bonito sorriso:
- É consequência das medidas de austeridade?

- Penso que há vários fatores em jogo (devia estar distraído, o entrevistado, porque deixou sair outra vez o bordão de que se necessita para ganhar tempo enquanto se tenta arranjar uma desculpa). A fraca atividade económica (por Mercúrio, cortes não é no que dá, enfraquecimento da atividade económica? Onde está a surpresa? A entrevistadora não consegue disfarçar um sorrido condescendente, muito condescendente, perante a resposta ingénua) mas estamos a trabalhar para que seja temporária (o trabalho dos senhores da troica para isso deve ser árduo, muito árduo) e vamos tentar garantir que o alivio económico aumente para que haja uma recuperação mais rápida e mais emprego (por Mercúrio, o senhor terá pensado na quantidade de informação que esta frase oca contem? Julgo detetar um traço de sadismo no sorriso da entrevistadora, cujo subconsciente a leva a pôr a mão à frente da boca). Claro que o desemprego elevado tem algum efeito nos objetivos de consolidação orçamental (ah!, finalmente o economista bem comportado da London School define uma correlação) , mas neste momento não vejo uma ameaça para atingir o défice definido, pelo que não propomos novas medidas (isto é, não vai ser preciso aumentar mais o desemprego? É que o senhor economista bem comportado não disse o que aprendeu na London School, que um dos objetivos principais é diminuir a procura interna, e isso consegue-se mais facilmente reduzindo os salários, o que se consegue facilmente aumentando o desemprego).

A entrevistadora é bem educada, não insiste porque já viu que não vêm respostas concretas e pergunta:
- Mais austeridade ou pedimos adiamento do objetivo de 4,5 % do defice?

- Se não se atingir o objetivo por causa da atividade económica e não por causa de derrapagens políticas (emerge para mim mais uma evidencia da minha ignorância, que não sei o que são derrapagens políticas, será o senhor deputado Jerónimo de Sousa a pedir a senhores assim para terem vergonha na cara, que não sabem o que é a vida de quem trabalha e de que quem quer trabalhar e não encontra trabalho?), então deixam-se os estabilizadores automáticos operarem para ajustarem os objetivos se fo necessário (ai a escola de Londres e os estabilizadores automáticos; diminui a atividade económica diminuem automaticamente as receitas fiscais, mas o governo aumentou os impostos; o outro estabilizador é o subsidio de desemprego e ele vai aumentar o défice; ai que confusão quando não se quer assumir que os sacrifícios não estão a ser proporcionais aos rendimentos). Mas o objetivo está ao vosso alcance de acordo com as informações de que dispomos (e são fiáveis, as informações?).

A entrevistadora endurece um pouco o rosto e pergunta:
- É possível neste momento cortar-se salários?

- Não falámos disso (!?!?!?) sempre dissemos que este programa não pode ser apenas sobre cortes (por Mercúrio, afinal é mais o que nos une do que o que nos divide; o senhor afinal compreende-nos, parece saber o que significam os cortes). Também deve haver aumento da produtividade e reformas estruturais (pronto, lá vem a conversa de economista a que só se pode responder com a pergunta da adolescente à senhora doutora Ferreira Leite: que produtividade pode ter a minha mãe se foi despedida? E que reformas estruturais se podem fazer em empresas desorganizadas? Vai dar-se prioridade aos setores primário e secundário relativamente ao terciário, isto é, reorganizar o primário e o secundário depois da desindustrialização e dos subsídios de arranque da vinha e reduzir os rendimentos do terciário e subi-los nos outros? Ou também não se falou disto?).


Depois de umas banalidades sobre os lobies da energia o entrevistado chama a atenção para que a energia é um fator importante no custo de um produto, mas não sei se os senhores da troica dominam todos os dados do problema, nomeadamente a importância das renováveis na diminuição da importação de petróleo e gás e a importância da libertação do setor dos transportes relativamente ao petróleo.

É simpático este senhor, especialmente quando diz, em reposta à pergunta da entrevistadora se o governo tem feito o suficiente, que “a chave é que todos os setores da economia têm de ser capazes de contribuir para os sacrifícios que estão a ser feitos". E digo simpático porque isso era o que dizia Álvaro Cunhal às entrevistadoras da televisão nos longínquos anos de 1974 e 1975, quando era preciso repartir o esforço por todos.

Diz Abeb Selassie: vemos os salários baixos e que os trabalhadores estão a contribuir de forma importante; é importante que os mercados de produtos também contribuam com melhorias de competitividade e redução de custos (de lucros e de isenções, e melhorias de organização e métodos, penso eu).


A entrevista termina com a esperança no bom comportamento da zona Euro (podiam ter falado na obstrução da Alemanha da senhora Merkel…).

A entrevistadora agradece com um sorriso rasgado e o entrevistador, educadamente, também.

PS - O senhor Selassie é de longe mais aberto do que o senhorPoul Thomson, que o precedeu. Este aproveitou uma entrevista para dizer claramente que os salários em Portugal eram mais altos do que o que produziam. Indicou claramente o caminho para igualizar os salários aos da Polónia, Hungria, Eslováquia, paises bálticos, Bulgária, Roménia. Ao menos foi franco, propôs uma Europa bem dividida do ponto de vista de nivel de vida, nivelando Portugal por baixo. Receio que o senhor Selassie, mostrando compreensão perante a baixa de salários que se vem verificando em Portugal, apenas esteja a consolar-nos. Continua-se porém a falar de modo confuso, porque noutras entrevistas a troica diz que os salários em Portugal são altos e rigidos (!?). E não se faz uma análise crítica a cada tipo de salário (por exemplo  a grande amplitude do leque salarial) e a cada tipo de empresa, se contribui ou não para o setor transacionável ou para a dimunição das importações, ou para a eficiencia das atividades correntes (por exemplo, a eficiencia energética nos transportes). Com o aplauso do senhor ministro das finanças, o que vemos são medidas de compendio teóricas que podem dar mau resultado na prática. Lamento não ter visto nesta entrevista uma análise mais concreta. Consta que o senhor Selassie terá estado mais próximo disso na entrevista ao Diario Económico, ameaçando com o fim das portarias de extensão da aplicação de acordos coletivos (o argumento é ser um mecanismo quase automático de aumento de salários relativamente ao valor produzido). Segundo Silva Peneda, que não é um perigoso esquerdista, o fim das portarias visa precisamente acabar com a contratação coletiva e com a regulação do mercado de trabalho (sabe-se no que dá a desregulação, especialmente a oriunda dos meios académicos). E se os salários estão mais altos do que deviam em Portugal,porque não os sobem nos países de grande produtividade? Talvez porque  não quererão reconhecer que os salários são apenas um fator no custo de produção (embora o senhor Selassie o tenha referido na entrevista à RTP).
E salários baixos, será que os senhores da troica ignoram que são um convite à baixa qualificação? Ou quererão que algumas, poucas empresas pageum bons salários a trabalhadores qualificados e a maioria das empresas pageu baixos salários a mão de obra pouco qualificada? Uma espécie de beta mais nas primeiras e gamas nas segundas, como já vinha explicado no admirável mundo novo.
Mas são contraditórias, as entrevistas e, na opinião do humide escriba, não contêm medidas concretas contra o desemprego (claro, o objetivo é conter a procura). 

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