Subindo pela travessa mesmo ao lado do elevador (ascensor) da Bica vou dar ao largo de Santo António.
Na tarde amodorrada vão-se preparando as mesas e os cartazes com os preços.
Um jovem morador passeia o seu cão de água, entediado por não ter nada que fazer.
Parece já estar reformado, com uma doença talvez do foro psicológico.
É a mãe que vai arrumando as mesas para os forasteiros de logo à noite.
Os prédios estão em estado de pré-ruina.
Mesmo aqueles cuja fachada foi picada e repintada.
Digo isto porque as cantarias das janelas já não estão alinhadas na horizntal, porquea meio da fachada nota-se claramente uma barriga.
Quase todos estão desabitados.
Lá em baixo na rua da Boavista ainda sobrevivem restaurantes e lojas de ferramentas e acessórios para canalização e rega.
Os restaurantes sobrevivem com a juventude das escolas de arte, cinema, comunicação, gestão que rodeiam a zona do antigo instituto industrial.
Que susto, penso eu, ao ver as ruinas e os prédios desabitados, cruzando-me com os turistas curiosos, de calções e sandálias.
Num rés do chão cortam-se tábuas.
Apesar de tudo ainda há quem more aqui, e se lamente no balcão dos restaurantes, que agora já não vão almoçar fora ao domingo, e não sabem como háo-se arranjar o dinheiro ara a iscrição do filho na univeridae. O filho tem 39 anos. Foi o que eu ouvi enquanto bebia uma água, que estava calor.
Sente-se por todo o lado o abandono, o desemprego, o desprezo pela força de trabalho de uma população.
Ao longo dos anos os senhores gestores e decisores foram patrocinando a construção na periferia de Lisboa, foram estimulando, ou representando os interesses, de outras formas de organização comercial. De forma alienada transferiram também serviços públicos para longe do centro da cidade. As casas estão em ruina e a população exemplifica o que é a desigualdade.
A desigualdade vem expressa nas contas do PIB.
Quando uma fatia da cidade se desagregou assim; quando a população de Lisboa era em 1980 superior a 800.000 habitante e agora mal ultrapassa 500.000; quando desapareceram as crianças do bairro da Bica; quando as lojas de acessórios para rega estão vazias; quando as ruinas dominam; mas mesmo assim o PIB no 1º trimestre de 2012 foi de 42,5 mil milhões de euros quando no 1º trimestre de 2009 foi de 41,9 mil milhões de euros, então é porque a maioria da população não é precisa, e os senhores decisores politico financeiros não precisam de se preocupar com eles.
Sofrem, mas o PIB aumenta, para quê preocuparem-se, os gestores politico-financeiros, se as exportações da GALP de refinados para Espanha, de descapotáveis da Auto Europa para a China, de eletrónica automóvel da Grundig de Braga e dos sistemas de travagem da Continental de Palmela para a Alemanha já ombreiam com as importações que no 1º trimestre de 2012 foram, as importações:
- 16,5 mil milhões de euros (quando no 1º trimestre de 2009 tinham sio de 14,4 mil milhões, vejam lá como apesar da diminuição da procura as importações continuam a subir; bem, tambem está aqui o dinheiro dos empréstimos da benemérita, a troica); e as exportações:
- 15,9 mil milhões de euros, quando no 1º trimestre de 2009 tinham sido de 11,2 mil milhões.
Mas cuidado, senhores gestores, que não quereis saber que a procura, isto é, o consumo das famílias, diminua, que todos os bairros da Bica do País estejam em ruinas, desde que tenhais o PIB em ordem.
É que a inflação está nos 3 %. Com a recessão de 2% dá uma recessão efetiva de 5%.
Isto é, o PIB no 1º trimestre de 2012 está, a preços de 2006, ao nível do 1º trimestre de 2005.
Recuou-se 7 anos.
Além de que a economia paralela cresce (quereis que as sardinhas do largo de Santo António na Bica paguem IVA? E a costureira dos fatos dos marchantes, quereis que pague todo o IVA, porque uma parte coitada tem de escrever num papel, senão a junta de freguesia não lhe paga; ainda haverá freguesia da Bica no pós tão perclara reforma das freguesias? que em vez de repovoar a cidade oficializa a desertificação?).
Realmente, que importa a procura, isto é, o consumo das famílias, no 1º trimestre de 2009 ter sido de 27,3 mil milhões de euros e no 1º trimestre de 2012 ter sido 27,6 mil milhões (não se esqueçam que há que descontar 3% da inflação para comparar, isto é, a preços de 2006 no 1º trimestre de 2009 o PIB foi de 26,3 e no 1º trimestre de 2012 foi de 24,9).
Que importa?
Deixem morrer em paz a cidade, com as suas festas, os seus bairrismos, as suas ineficiências, os seus velhos frágeis e os seus jovens paralisados, o abandono das suas populações, enquanto as desigualdades funcionam mesmo e o sucesso de outras faixas da população e de outras zonas do País mantêm o PIB.
Vai ser uma noite animada, na Bica.
Os jornais vão trazer reportagens e fotografias da animação.
O senhor gestor político da cidade vai aparecer com cara sorridente.
Muito satisfeito consigo próprio.
Fonte dos dados sobre o PIB:
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