terça-feira, 5 de junho de 2012

Falas de governantes – o povo que se agiganta e a avaliação do primeiro ano de mandato





Segundo o DN, o senhor presidente da República Portuguesa, Cavaco Silva, afirmou em audiência à seleção de futebol que o povo português se agiganta em momentos particularmente difíceis e que os portugueses têm confiança e esperança na seleção.

Salvo melhor opinião, nenhuns resultados eleitorais dão o direito ao senhor presidente para falar por mim em assuntos dos 3 FFF (fado, Fátima e futebol) que dificultam a ascenção deste país a outros níveis.

Este humilde escriba não tem confiança nem esperança, independentemente dos resultados que possam ser alcançados no campeonato, que o futebol tal como é entendido maioritariamente (precisamente como consequencia do predomínio dos 3 FFF, e que obviamente, por razões democráticas, tenho de respeitar, mas não acriticamente) possa ser fator de progresso neste país.

Por isso, assumindo o risco de ser um protestante “blasé”, recorda a utilização que é feita pelos grupos económicos que lucram com o futebol (o negócio das transferências e o das transmissões televisivas) do fenómeno de normalização e socialização em tribalismo e rituais coletivos, e de desvio e afastamento das atenções da população relativamente à organização de saídas para a crise (panem et circencis) . Sem esquecer a crueldade que é pagar ordenados elevadíssimos aos jogadores, para depois os deixar cair na falência e no esquecimento.

E ainda um reparo à frase do povo que se agiganta.

O povo português não tem pretensão nenhuma de ser gigante, apenas tem a pretensão de viver feliz e com bem-estar. Tal como dizem as constituições, por exemplo a dos USA.

Só que ao longo da história portuguesa tem sido utilizado para ajudar a resolver os problemas das classes dominantes, desde o caso do partido do senhor D.Afonso Henriques, que cindiu a unidade galaico-portuguesa sem vantagens para os dois povos, do partido do senhor D.João de Avis e dos seus aliados ingleses pretendentes ao trono de Castela, do partido dos senhores conjurados de 1640 e seus apoiantes grandes importadores de bens da Flandres que desesperavam com a concorrência de Sevilha, até à carne para canhão da I Guerra Mundial e ao sacrifício nas guerras coloniais.

Por isso não fica bem, salvo melhor opinião, numa altura em que se perde o acréscimo dos últimos 20 anos da participação dos trabalhadores por conta de outrem no rendimento nacional, falar em povo que se agiganta.



Mais sensato terá sido o DN que no mesmo dia noticiou os resultados de um inquérito a 1366 cidadãos, de acordo com a distribuição por regiões, escalões etários e a base de dados eleitoral e as regras das sondagens, com um erro máximo de 2,7% e um nível de confiança de 95%: avaliação dos senhores ministros numa escala de 0 a 20 no primeiro ano do mandato: ministro pior classificado: 5,6 ; ministro melhor classificado: 9,2 . Como diz Vítor Soromenho Marques, “o medo de ser livre dá orgulho aos escravos”, e será por isso, por sonhar ir sempre “além da troica”, que existe uma dissonância cognitiva entre a realidade e o que o senhor primeiro ministro diz (“no ano passado o País estava à beira do abismo” e hoje, como diria Garrastazu Medici, “deu um passo em frente” – com tanto desemprego, como não há um profissional de linguagem que reveja as frases gongóricas…). Ou como diz Pedro Marques Lopes, comentador assumidamente de direita (civilizada, diria eu), em que bolha viverá o senhor primeiro ministro?

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