sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Análise de riscos de inundações no metropolitano de Lisboa

Duas notícias recentes chamaram a atenção para a disciplina da análise de riscos.

Primeiro, foi a condenação em tribunal de membros da comissão de proteção civil italiana que não souberam prever o sismo de Áquila.

Depois, foi a devastação do furacão Sandy na costa de Nova Iorque.

Relativamente à condenação dos membros da proteção civil italiana, pode dizer-se que ela foi insólita, porque não é possível prever sismos com os instrumentos disponíveis atualmente.
E não é fiável a técnica estatística baseada na quase periodicidade da libertação da energia nos pontos de fricção das placas tectónicas por deslocação destas.
Poderá então dizer-se que o fundamento da condenação terá sido a não aplicação do princípio da precaução pela proteção civil quando lhe foi apresentada a hipótese de que a libertação de gás rádon depois de vários pequenos sismos e antes do grande sismo.
Mas também não há evidencia cientifica da ocorrência de fugas de rádon antes de um sismo forte.
Poderá haver uma correlação estatística.
Donde, a condenação só poderá ter por base uma inobservância do principio da precaução.
Pelo que deveria abranger toda a a estrutura organizacional da comunidade, especialmente as competências de aprovação de um parque habitacional em região sísmica.
Ou talvez melhor, deveria haver outro tipo de condenação, que não a de um tribunal que aparentemente não é competente para avaliar a problemática dos fenómenos sísmicos. Por outras palavras, trata-se de um assunto de proteção civil, de análise de riscos (recorda-se a definição de risco como a combinação da probabilidade de ocorrencia de um acidente com a gravidade das suas consequecias) e adoção de medidas mitigadoras (em função da avaliação do nível de risco), fundamentada em registos estatísticos dos fenómenos sísmicos e no acompanhamento da evolução da vulcanologia, da movimentação das placas tectónicas e das prospeções perfuradoras da crosta terrestre.
A triste realidade é que este tipo de ações é normalmente residual em qualquer país, entregue a um grupo de cientistas ou técnicos que não conseguem fundos e investimento para as suas investigações e aplicações.
E que fazem uns levantamentos ou cartas de risco a que ninguém liga.
Obviamente que depois da catástrofe aparecem sempre políticos que se distinguem pela capacidade de ação.
A propósito dos efeitos do furacão Sandy na costa leste dos USA, faço a seguinte reflexão:
Cerca de 40 mortos e a extensão dos edifícios destruídos depois dos avisos meteorológicos e das restrições de circulação indiciam grande debilidade das infra-estruturas.
Especialmente depois da experiencia com o furacão Katrina ter revelado o grave desmazelo na manutenção dos diques de proteção de Nova Orleãs (claro que num país cujo presidente defendia o Estado mínimo, haveria que cortar na manutenção dos diques, assim como se tinha cortado na manutenção da ponte rodoviária de Milwauke que caiu pura e simplesmente).
De assinalar a inundação de galerias e estações do metropolitano de Nova Iorque.
Admitindo uma população na área afetada de Nova Iorque de 20 milhões, um fenómeno da mesma gravidade na zona de Lisboa, considerando 2,5 milhões de habitantes, provocaria 5 mortos e cerca de 10.000 desalojados.
Estes números são evidentemente discutíveis e a conclusão de que revelam debilidades das infra-estruturas também.

Mas se também é discutível o montante das verbas a inscrever no orçamento para a previsão da mitigação dos riscos e para o funcionamento da estrutura para o seu estudo e implementação, já não existe desculpa para não se fazerem estudos de vulnerabilidade, se proceder à sua disseminação e se adotarem algumas medidas.

Fizemos isso no metropolitano de Lisboa (no domínio da análise de riscos foi realizado a seguir ao incêndio as obras da estação Alameda, em 1997, um notável estudo de avaliação de riscos com o apoio de consultores ingleses), especialmente depois do acidente no túnel do Terreiro do Paço em Junho de 2000.
Estudaram-se os riscos de inundação ao longo da Avenida Almirante Reis, na Praça da Figueira e nas estações junto do rio.
Ao longo da vida do metro por 3 vezes foi forçada a interrupção da circulação por penetração de água na galeria e estações.
Foram por isso propostas algumas soluções, umas concretizadas e outras não.
A estação do Rossio já tinha sido protegida com comportas no topo das escadas de acesso, mas havia vulnerabilidades nas bocas de ventilação, especialmente nas estações próximas do Tejo.
Os projetistas do reforço do túnel do Terreiro do Paço (cujo troço abriu à exploração em Dezembro de 2007), incluindo estacas de contenção à volta do túnel, consideraram os riscos sísmicos e foi instalado um sistema de monitorização da geometria do túnel que exige a verificação periódica das condições de segurança.

Como é natural em processos semelhantes, a avaliação das medidas mitigadoras em função dos custos levou a que pouco se tivesse feito para alem disso.
Não foram:
  • remodelados os acessos das estações da Avenida Almirante Reis com sobre-elevação da cota da soleira e criação de muretes protetores contra cheias perpendicularmente às escadas;
  • substituídas as comportas da estação Rossio por outras mais leves e manobráveis;
  • construídas coberturas dos acessos das estações junto do rio nem subidas as cotas das grelhas dos postos de ventilação;
  • integralmente cumpridos os requisitos da lei da água (DL 58/2005).

Este último facto, considerando que esta lei constitui a transposição de uma diretiva comunitária, reveste-se de alguma gravidade, esperando-se naturalmente que isso não venha a ser posto em foco pela ocorrência de um acidente grave na frente ribeirinha.
De acordo com os números 7 e 8 do art 40 deste DL 58/2005, enquanto não for definida pela Administração da Região Hidrográfica, pela Proteção Civil e pelos Bombeiros a zona inundável (coisa que desconheço se já foi feito, estranhando que a câmara municipal não integre o conjunto das entidades definidoras),  considera-se que a área inundável (impondo condicionamentos construtivos) se estende até 100m de distancia das margens, o que abrangerá as estações Santa Apolónia, Terreiro do Paço e Cais do Sodré (infelizmente, pelas notícias que todos os Outonos nos chegam da Europa, também nos países ditos desenvolvidos da Europa central não parece resolvida a proteção contra inundações).
As cotas nas plantas terrestres referem-se  ao nível médio dos mares (Nm) e este refere-se ao zero hidrográfico (ZH).
No porto de Lisboa o Nm foi definido ainda no século XIX a partir das observações no marégrafo de Cascais em 2,08m acima do ZH.
São normais valores máximos de preia-mar de 4,5 m e mínimos de baixa mar de 1,1 m (relativamente ao ZH).
Para o T.Paço o valor do Nm é 2,20 m.
O valor de Nm foi atualizado para 2,32 m, por ter vindo a subir cerca de 12 cm desde o século XIX.
As cotas das plantas deverão ser diminuídas de 15cm se estimarmos o seu valor aproximado para 2050.


tomada de ar fresco para a estação


acesso sul e poente

No caso de T.Paço, onde nas cartas se lê a cota de 3,38, deverá então ler-se 3,23.
A Camara Municipal de Almada propôs os seguintes limites para consideração dos limites de cheias e inundações (ignoro a evolução, uma vez que a tutela das frentes ribeirinhas é um mistério de complexidade de entidades envolvidas):
  • 3,90m relativamente ao Nm (6,25m relativamente ao ZH)  para limite mínimo das soleiras  ou muretes de proteção contra galgamento por cheias;
  • 3,40m para cheias de rio e  preia mar máxima coincidentes com temporal (considerou-se apenas a simultaneidade dos fatores anteriores com vento sudoeste superior a 100 km/h e uma depressão atmosférica com superfície frontal intensas; não se considerou o risco de maremoto, o qual fundamenta a adoção do valor mais elevado de 3,90m) e considerando a subida dos nível médio do mar (probabilidade definida como uma ocorrência de período superior a 100 anos e inferior  1000 anos);
  • 3,10m para cheias de ocorrência de período menor que 100 anos

Concluir-se-á que os muretes de Te rreiro do Paço deveriam ter pelo menos 3,90-3,23=67cm ~70cm, verificando-se que os muretes das grelhas de ventilação têm 50cm.

A consideração do risco sísmico em Lisboa, a recordação do maremoto de 1755 e do sismo de 1969 deveria merecer um pouco mais de atenção pública, para além dos técnicos da Administração da Região Hidrológica de Lisboa, da CML, da Proteção Civil e do RSB no sentido da definição das zonas inundáveis da Baixa de acordo com o DL 58/2005 e na divulgação das medidas mitigadoras.

Esta preocupação é muito bem compreendida pela população japonesa, que respeita os alarmes de maremoto em consequência de abalos sísmicos, sendo que, para magnitudes superiores a  6,5 ,   70% dos abalos não provocam maremoto (a pouca eficácia do alarme do maremoto de Fukushima em Março de 2011 deveu-se à extrema proximidade do epicentro do sismo relativamente à costa japonesa).
Dito de outra forma, os alarmes são frequentes, mas não é por eles não terem consequências que a população os desvaloriza.
Julga-se portanto que a discussão aberta deste tema é vantajosa.
As condições sísmicas da região de Lisboa dependem da falha sísmica de Gorringe, a sudoeste do cabo de S.Vicente, na zona de fricção das placas tectónicas europeia e africana, responsável pelos maremotos do Algarve em  1722 e de Lisboa em 1531 e em 1755 (neste caso também no Algarve, golfo de Cadis e Marrocos) .
Admitindo que a probabilidade de ocorrência de um sismo de grau 9 com maremoto de consequências catastróficas poderá corresponder, de acordo com o histórico da zona de Lisboa, a um acontecimento entre 100 a 10.000 anos  (classificação : “improvável”, mas possível), e considerando as consequências catastróficas, a matriz frequência/gravidade da norma EN 50126 dá um risco classificado como “tolerável”.
De acordo com a norma, um risco tolerável, apesar de o ser, deve exigir estudos  de mitigação à autoridade responsável pela área e, se razoável do ponto de vista económico e social, medidas mitigadoras ou preventivas.
Tem-se conhecimento de que a Autoridade Nacional da Protecção Civil já procedeu ao levantamento da carta de vulnerabilidade de toda a costa algarvia e que eventualmente o faria para a zona ribeirinha de Lisboa.
Seria assim altamente desejável que, apesar do contexto financeiro desfavorável que atualmente se vive, se desenvolvesse uma estratégia de colaboração do metropolitano com a Autoridade Nacional da Protecção Civil para o levantamento da carta de vulnerabilidade a maremotos e riscos sísmicos da zona ribeirinha de Lisboa onde se encontram 3 estações e para o estudo de medidas de mitigação.





Sem comentários:

Enviar um comentário