quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Artigo de opinião: Ricardo Salgado, os banqueiros, os vidros partidos e o surrealismo

Arcanjo S.Miguel, por Guido Reni, século XVII, Bolonha

As religiões cristã e islâmica criticam violentamente o juro agiota.
No livro sagrado da religião cristã é atribuída a Jesus Cristo a afirmação de que são mais inteligentes os filhos das trevas do que os filhos da luz, o que possivelmente, na forma alegórica como ele se expressava, quereria dizer que os financeiros e os banqueiros eram pessoas mais inteligentes do que os comuns dos cidadãos que lhes entregam o dinheiro.
A forma como Ricardo Salgado tem gerido o seu grupo parece confirmar a tese cristã.
Primeiro, fez o que pôde para  não tocar no presente envenenado da troika – o  empréstimo para melhorar a relação entre os depósitos e os empréstimos concedidos.
Uns dirão que o presente era envenenado porque permitiria a entrada do Estado no capital do banco (francamente, com a promiscuidade, ou convívio intenso de benefício mútuo, entre os bancos e os políticos decisores, era assim tão mau o “Estado” entrar no capital?).
Foi sempre o que disse Ricardo Salgado.
Mas outros dirão que o veneno estava simplesmente no empréstimo provir da troika.
Que ela nunca perderá mais do que o devedor ganhará, com os juros e as comissões que aplica.
E então, como banqueiro assisado, Ricardo Salgado fez o que o próprio Estado deveria ter feito: recapitalizou-se através dos próprios acionistas.
Realmente é interessante comparar o montante do empréstimo da troika, 78.000 milhões de euros (menos os 7.500 milhões que ficaram por aproveitar para os resgates de bancos), com o montante de depósitos em toda a banca, 130.000 milhões de euros.
Não quero, evidentemente, sugerir a expropriação pura e simples para nos libertarmos imediatamente do malfadado memorando da troika, porque não faço revoluções, nem sequer no meu bairro.
Estou apenas a exercer o meu direito à expressão de que para mim isto, o Estado não poder aplicar a mesma receita,  é surrealismo (recordo que em Itália a maior parte da dívida pública é interna).
Aproveito também para criticar a política irresponsável dos secretários de Estado do Tesouro que, ao longo de vários anos, quase acabaram com os certificados de aforro, debitando arrogantemente na imprensa conceitos mal apreendidos na faculdade (por acaso até nem estou a criticar o atual governo, que tentou a reabilitação dos certificados de aforro, embora o débito de conceitos mal apreendidos na faculdade de economia se aplique a outras ações do atual governo).
Depois, voltando a Ricardo Salgado, apresenta lucros.
Nos 3 primeiros trimestres de 2012 o BES vendeu 1280 imóveis que lhe advieram por incapacidade dos devedores, por 240 milhões de euros (mas cuidado, foram capitais que vieram da Russia e da China; e se daqui a uns tempos temos o ministério publico a investigar acusações de branqueamento de dinheiros como no caso das compras angolanas de apartamentos do monstro que foi construido no lugar do hotel Estoril Sol?).
Foi uma excelente receita, mas que foi absorvida pelas contas do grupo; que interessam agora os desgraçados que não conseguiram pagar os seus empréstimos ?
Aliás, se alguém se suicidar, como em Espanha, suspendem-se os despejos, não é verdade? Somos um país cristão, embora por isso mesmo sejamos de opinião que os filhos das trevas se orientam financeiramente muito melhor do que os filhos da luz, e sempre contribuiremos para o banco alimentar.
Bem, não devo usar o condicional.
Recentemente suicidou-se o construtor civil de um empreendimento turistico de luxo na serra, perto de Castro Marim, com campo de golfe e hotel, que ainda funcionam; mas as vivendas construidas não encontraram comprador e o homem não resistiu.
Ignoro que banco era credor.
Os jornais não falaram, possivelmente para não induzir a imitação.
Nos 3 primeiros trimestres de 2012 o BES teve 90,4 milhões de euros de lucro.
A CGD e o BCP tiveram 900 milhões de prejuízos no mesmo período (claro, o crédito  mal parado); e  o Santander e o BPI tiveram em conjunto 347,6 milhões de euros de lucro.
Não é muito grande, o lucro, e ainda por cima é menor do que no ano anterior.
Vamos ter pena dos acionistas se não receberem os dividendos e se o banco não puder fazer auto-investimento, mas quem vive dos rendimentos do seu trabalho e das suas pensões viu os seus rendimentos diminuídos gravemente.
Será outro exemplo de surrealismo, as cabeças bem pensantes acharem que a equidade não é chamada para aqui (sim, sim, é preciso não afugentar o capital, embora as grandes empresas tenham as suas sedes fiscais em in-shores europeus, e acima de tudo, não enervar os mercados).
Evidentemente que também aqui não estou a propor a expropriação completa dos lucros, mas parcial era boa ideia.

Até porque, continuando a bater na tecla do surrealismo, será verdade o que li no DN, que a maioria das empresas que têm empréstimos a correr estão a receber cartas dos seus bancos informando que, considerando as condições da conjuntura, patita e patatá, os spreads subiram?
Isto é assim?
Sobem-se os juros (é como se subissem os juros, o que interessa é o serviço da dívida) unilateralmente?
Às pobres das empresas que já tinham contratado juros a uma taxa superior à dos seus homólogos alemães?
Lá está, para mim é surrealismo não existir harmonização fiscal na união europeia; para outros não é, paciência.
E depois os senhores governantes e o senhor governador do Banco de Portugal, que se isto é verdade já devia ter dado uma espadeirada nos filhos das trevas (digo isto na hipótese do senhor ser cristão e poder inspirar-se no arcanjo S.Miguel), vêm rasgar as vestes na comunicação social dizendo que as empresas têm de reduzir os custos de contexto e de produção?
Surrealismo, digo eu.
E não sei se não virão depois dizer que eu estou a instigar ao assalto aos bancos, como aqueles moços no norte, que se entretiveram a partir montras de bancos e visores de multibancos; uma moradora chamou a policia, mas depois veio a televisão e apressou-se a dizer, vá lá, sempre de cara escondida, que até tinha ido manifestar a sua solidariedade aos vandalozinhos quando eles disseram à policia que tinham partido os vidros por serem contra o sistema, que até trocaram gestos de polegar para cima e que se soubesse que não eram vândalos, eram só contra o sistema, que talvez até nem tivesse chamado a policia.
Surrealismo, digo eu.




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