Ocorreu-me, talvez não devesse ter-me ocorrido, mas ocorreu-me, que gerir num governo a coisa pública deveria ser como gerir uma empresa.
Vá que as dimensões do âmbito de atuação são diferentes, que as leis que controlam as variáveis não são exatamente as mesmas, mas mesmo assim, se dou crédito àquela senhora que criticava o governo dizendo que estaria perdida se gerisse a sua própria casa como o senhor primeiro ministro governa o país, então também me parece que estar no executivo do país deveria ser como estar no executivo de uma empresa.
Escrevi executivo de propósito, para combater a ideia de que o governo manda no país.
Não manda, quem manda na empresa são os acionistas.
Mas infelizmente os acionistas podem ser enganados pelos executivos.
E os executivos podem-se enganar a eles próprios, ou ser enganados por outros executivos de outros países.
Ocorreu-me isto, ainda sob a impressão daquela noticia de que em 2013 e 2014 o governo cortará 4.000 milhões de euros na despesa pública, ao passar os olhos por um pequeno livrinho, “Como destruir uma empresa em 12 meses … ou antes”, de Luís Castañeda, ed. Actual Editora.
Por um lado, é inevitável associar este título ao balanço de um ano de governo sob teorias neo-liberais, por mais elevado e puro de intenções que seja o olhar de Milton Friedman na capa do seu livro, a liberdade de escolher (como se costuma dizer, onde está a liberdade de escolher se não se tiver recursos para pagar o que se quereria escolher?).
Por outro lado, é quase um passe mágico por-nos à frente esta meta, de evaporar 4.000 milhões de euros. Parece que este numero resultou da comparação dos custos, em percentagem, da segurança social em Portugal com a média dos custos na União Europeia.
Parece que a diferença é de 2% do PIB.
Logo, cerca de 3.300 milhões de euros.
Arredondados, pela diligencia do governo perante a troika.
Parece que a diferença é de 2% do PIB.
Logo, cerca de 3.300 milhões de euros.
Arredondados, pela diligencia do governo perante a troika.
Quando se faz um orçamento numa empresa, determinado por estratégias definidas, analisam-se os casos e quantificam-se.
Põe-se no orçamento aquilo que parece possível, em análise transversal e integrada.
Dizer que vão ter de se cortar 4.000 milhões de euros sem analisar caso a caso, só porque o diferencial para a média dos 27 estados levou a esse resultado, parece um corte cego.
O antigo ministro Bagão Félix disse “estou envergonhado”, por o senhor ministro das finanças Vítor Gaspar vir dizer que técnicos da troika “já estão” a ver em que casos vão cortar na despesa.
E a senhora doutora Teodora veio dizer que primeiro se vê onde se pode cortar e depois se define o montante a cortar.
Põe-se no orçamento aquilo que parece possível, em análise transversal e integrada.
Dizer que vão ter de se cortar 4.000 milhões de euros sem analisar caso a caso, só porque o diferencial para a média dos 27 estados levou a esse resultado, parece um corte cego.
O antigo ministro Bagão Félix disse “estou envergonhado”, por o senhor ministro das finanças Vítor Gaspar vir dizer que técnicos da troika “já estão” a ver em que casos vão cortar na despesa.
E a senhora doutora Teodora veio dizer que primeiro se vê onde se pode cortar e depois se define o montante a cortar.
Também me impressionou a escrita de Vasco Graça Moura, que, pondo de lado a compulsão para escrever artigos sobre artigos zurzindo no anterior primeiro ministro Sócrates, conseguiu descrever com elegância literária a origem da crise:
“As estratégias localizadas nada podem contra uma dimensão globalizada dessa crise, a desdobrar-se em estrangulamentos sucessivos, como os anéis implacáveis de uma boa constrictor, e a bloquear soluções.” (em DN, 7 de Novembro de 2012: se está a desculpar o governo atual, está por extensão a fazer o mesmo em relação ao anterior … e a reconhecer que a solução terá de vir principalmente de fora … com renegociação da dívida, prazos e juros? Talvez afinal seja pela poesia que a crise se resolva …)
Por tudo isto quis ver o que dizia o livrinho, tão recomendado aos gestores.
Por exemplo, na página 18:
- Uma forma de destruir uma empresa é não ter um modelo de gestão
Eu sei que o plano estratégico do senhor primeiro ministro é simples, é a minimização do Estado, a elementarização das suas funções e dos seus processos, a redução ou cessação da prestação de serviços de saúde, educação e segurança social, deixando os maiores graus de liberdade possíveis para os grupos económicos e esperando que eles assegurem as funções necessárias à comunidade, diretamente ou através de impostos.
Mas para se atingir esse objetivo de Estado mínimo, vai mesmo ter de se mudar de modelo de gestão (na verdade, isso só deveria ser possível com o apoio expresso de dois terços dos eleitores).
Ora vejamos o que diz o livrinho, imaginando que um diretor geral é uma espécie de primeiro ministro:
“ Quando uma empresa despede o diretor geral e contrata um novo, nem sempre é conveniente que este altere o modelo de gestão, porque o fracasso do anterior pode não ter sido por o modelo ser mau (nota do comentador: esta é uma grande debilidade da democracia, deixar que se instale no eleitorado a ideia de que é um sistema que está errado, em vez de mudar a forma como ele é executado), mas resultar do facto de o director não ter sabido ou não ter podido aplicá-lo de uma forma eficaz. Este ponto é importante porque muitas vezes um novo director, ao procurar alterar o modelo, acaba por criar problemas mais graves do que os que motivaram o despedimento do seu antecessor.”
Pena perder-se o “know-how” quando na ânsia de reduzir o Estado social se desfazem as equipas que durante anos prestaram o seu serviço público (nem sempre os privados têm condições para aproveitar esse "know-how").
Mas vejamos outras recomendações do livrinho para evitar a destruição da empresa:
- Na página 44 alerta-se para outro risco para as empresas, a “doença do diretor executivo” cujos sintomas são o considerar-se infalível, que os opositores estão desligados da realidade, que nenhuma decisão sobre um assunto importante pode ser tomada sem ele, que só aceita dos colaboradores próximos bajulação;
- Na página 48 o risco é o de ignorar a história da empresa e o “know-how” dos empregados mais antigos;
- Na página 62 o risco é o de não considerar os processos da empresa como um todo, envolvendo clientes e empregados sem compartimentos estanques e sem desprezar as minorias (nota do comentador: partidos mais pequenos e organizações de cidadãos);
- Na página 63 alerta-se para o risco de considerar o orçamento anual auto-suficiente, quando a empresa necessita de um plano estratégico, mais uma vez elaborado com o envolvimento de todos na empresa e centrado nos clientes, respeitando os objetivos e missão fundamentais da empresa (nota do comentador: constituição); o plano estratégico deverá ter um âmbito temporal superior ao período de serviço do diretor geral (nota do comentador: o plano de expansão das infra-estruturas deverá ter uma duração superior a uma legislatura, de modo a não haver soluções de continuidade na execução dos empreendimentos)
Pena o senhor primeiro ministro não ter tempo para ler este pequeno livro.
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