O senhor deputado levanta-se com ar determinado e inclina-se sobre o microfone.
Diz-se entre os apoiantes do atual governo que ser determinado é muito bom nestes tempos de crise.
Contudo, pode ser sintoma de doença psicótica de alguma gravidade.
De incapacidade de introspeção ("insight") e de apreensão da realidade externa.
Mas o senhor deputado não hesita e grita, pelo menos pareceu-me ao ver a reportagem que gritava, que há restaurantes a mais e que muitos vão ter de fechar.
Compreendi; está de acordo com a teoria económica dominante, de que os mais fracos não podem e portanto não devem sobreviver.
Sou capaz de concordar que chegou a haver restaurantes demais; mas antes de fechar os excedentários deveria fazer-se um plano de transição (ao menos estudem a lei de Laffer, a relação não linear entre o valor dos impostos e a receita cobrável).
Só que para fazer planos é preciso competência e capacidade de integrar as questões.
É mais fácil seguir a cartilha ideológica da lei da selva.
Fechem-se os restaurantes que não conseguem sobreviver com o IVA a 23% (engraçado o senhor ministro da economia andar a defender o IRC a 10%, como se os restaurantes através do turismo não fossem produtores de bens e serviços transacionáveis; mas isso é outra discussão).
E como impera a lei da selva, fico a pensar que o cérebro do senhor deputado ativou as mesmas zonas do cérebro dos predadores quando sentem o prazer de ver as presas incapazes de fugir.
Se fosse possível aplicar uma tomografia ao cérebro do senhor deputado, parece-me que se veriam as zonas da predação iluminadas.
Não admira, o cérebro é o mesmo, o dele e o meu, dos répteis; só que nos apareceu um córtex pré-frontal, que no caso do senhor deputado justifica o fecho dos restaurantes com a lógica do mais forte
e lhe permite deitar-se com a consciência tranquila do dever cumprido com desenvoltura, e no meu caso, justifica a vergonha desta decisão com a solidariedade.
O cérebro humano é complicado, difícil de chegar a acordo.
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