Como se fosse um episódio da Liga de Delos, vejo o senhor primeiro ministro partir para Bruxelas para discutir o orçamento da UE para 2014-2020.
Porque a Liga de Delos foi a confederação marítima dominada por Atenas que através do comércio por mar e basendo-se no principal fator de produção, a escravatura, permitiu, no século V AC o desenvolvimento do pensamento grego.
Delos é uma pequena ilha perto de Mykonos, que ainda mostra os vestígios de centro da confederação.
A confederação resistiu aos ataques do império persa, mas sucumbiu ao predomínio de Atenas, que resolveu transferir o tesouro e a sede da tomada de decisões de Delos para Atenas. Seguiu-se a guerra do Peloponeso.
Mas eram outros tempos.
Nos tempos que correm, discutem-se cortes.
A mesma ideologia que permitiu a desregulação absoluta da especulação financeira é a mesma que decide agora os cortes, a fúria privatizadora e a minimização das funções sociais do Estado.
Eu diria que, já que não podemos abandonar a zona euro por estarmos amarrados pelos juros da divida, poderíamos ao menos levantar algumas das diretivas europeias que nos desequilibram a economia. Para tornar possível as proteções alfandegárias, a injeção de dinheiro em empresas púbicas, o condicionamento do fluxo de pagamentos da divida aos resultados das exportações e, especialmente, a subsidiação por fundos comunitários da produção de energia elétrica por fontes renováveis. Acresce a comparticipação a 85% nos investimentos das grandes infraestruturas ferroviárias, marítimas e aeroportuárias, no quadro de financiamento seguinte ao QREN.
A cigarra entoou a cantiga dos cortes e da minimização do estado, cortou contratos já assinados e parou as obras publicas. O multiplicador de Keynes não demorou a reagir e a procura baixou, o desemprego aumentou e as firmas de construção civil pararam (com tanto trabalho que há para fazer na reabilitação urbana…). Mas a cigarra cantou alegremente, o que não puder fazer-se agora com o QREN porque mandámos parar tudo, fica para depois, para o programa de 2014 a 2020.
As formiguinhas que já tinham os projetos prontos e a andar nas obras paralisadas ficaram muito tristes e agora estão a ver que as verbas do novo quadro de financiamento vão ficar curtinhas. Será que a história real não vai acabar como a fábula? Será que a cigarra vai continuar a entoar os seus cantos modulados de enfeitiçamento da solução única de empobrecimento das formigas?
Ouviu este blogue dizer que o concurso para a via férrea mercadorias/passageiros em travessa bi-bitola de Évora para o Caia está quase pronto. Será verdade? Qual é o planeamento para esse troço e para a ligação completa Sines-Caia? E do lado de Espanha, qual é o planeamento?
Se vozes de burro chegassem ao céu, eu diria que em dois temas em que os senhores políticos não têm muitos conhecimentos, a exigência de fundos estruturais em troca dos sacrifícios do país será essencial: na energia e nos transportes.
O problema é que são precisos os projetos completos e isso é coisa que não se sabe fazer nos ministérios, com a agravante de também não estarem habilitados a avaliar as propostas que possam ir surgindo. Daí a vantagem de debates abertos, mas o secretismo impera e a reserva da tomada de decisões pelos senhores governantes também.
Assim é difícil.
Mantenho a sugestão anterior de centrais solares de concentradores e sais térmicos (claro que o kWh fica mais caro do que nas centrais de gás e de carvão, mas temos de conter o CO2) e de fazer avançar o corredor transeuropeu da rede ferroviária de alta velocidade para passageiros e mercadorias (ligação Lisboa-França, 3ª prioridade da rede europeia).
Duvido que estejam no reportório da cigarra bem cantante.
Mas como sou teimoso, sobre as privatizações e concessões de sistemas de transporte, gostaria de recordar que a diretiva 1370/2007/EC que define a regulação e a abertura à concorrência por contratualização do serviço público de transportes até 2019 prevê exceções em que o operador pode ser publico (ver as diretivas 2004/17 e 18).
Trata-se de um assunto técnico, não politico, para ser avaliado por técnicos com conhecimento do negócio, não políticos.
Como, por exemplo, aconteceu em França, com a refusão da SNCF (a correspondente à CP) com a RFF (a correspondente à REFER) depois de anos de forma de organização “kafkiana”, como disse o ministro dos transportes francês, ao gosto dos burocratas da UE (naturalmente para facilitar a privatização posterior, apesar dos 32 mil milhões de euros de divida; nenhuma empresa de transportes do mundo tem capacidade para recuperar a totalidade dos investimentos nas infraestruturas pesadas).
Seria bom que os adeptos incondicionais da ideologia das privatizações recordassem a frase de Thatcher, que não queria que os transportes fossem o seu Waterloo.
E que não é por a gestão publica ser melhor do que a privada, é porque há questões técnicas e de segurança que são independentes dessa dualidade, e porque as regras da concorrência podem ser perversas e distorcer o fundamento dessas questões (acidentes podem acontecer quando não se poupa na manutenção ou na formação, mas a probabilidade é maior quando se poupa; a experiencia ensina que dificilmente uma maior eficiência na gestão privada compensa essa poupança mais o diferencial entre as indemnizações compensatórias, previstas na diretiva 1370, da gestão publica e privada).
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