quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Andaluzia, Andaluzia, ou repensar a Democracia



Andalucia, Andalucia

O dono do restaurante sentou-se à nossa mesa enquanto a cozinha dava andamento ao pedido, tortilhas de gambas e calamares.
Poucos dias antes tinham-se realizado as eleições para o governo regional.
Andalucia está deitada no mapa da peninsula, recostada em Portugal e um pouco maior do que ele.
As praças de Ayamonte ainda estão cheias de panos com a propaganda dos partidos.
A tarde está quente e amodorrada.

¿Qué cantan los poetas andaluces de ahora?
¿Qué miran los poetas andaluces de ahora?
¿Qué sienten los poetas andaluces de ahora?
Cantan con voz de hombre..
¿pero dónde los hombres?
..con ojos de hombre miran,
¿pero dónde los hombres?
..con pecho de hombre sienten,
¿pero dónde los hombres?
Cantan, y cuando cantan
parece que están sólos...
Miran, y cuando miran
parece que están sólos...
Sienten,..y cuando sienten
¡parecen que están solos!..
¿Es que ya Andalucía
..se ha quedado sin nadie?
¿Es que acaso en los montes andaluces
..no hay nadie?
¿Es que en los mares y campos andaluces..
no hay nadie?
¿No habrá ya quien responda a la voz del poeta?
¿Quien mire al corazón sin muros del poeta?
¡Tantas cosas han muerto..
que no hay más que el poeta!
¡Cantad alto!
..Oiréis que oyen otros oidos.
¡Mirad alto!
Veréis que miran otros ojos...
¡Latid alto!
..Sabréis que palpita otra sangre...
No es más hondo el poeta..
en su oscuro subsuelo, encerrado...
Su canto asciende a más profundo
cuando , abierto en el aire..,
ya es de todos los hombres...
                                                     Rafael Alberti





O dono do restaurante diz que não, que a Andaluzia não está deserta nem solitária, apesar da industrialização nunca ter chegado em pleno (e contudo, a industria química de Huelva já é por demais poluente).
E que sim, está aberta a todos.
Depois de tudo o que aconteceu, continua a acreditar na democracia, mesmo que seja preciso repensá-la.

- Sim, repensar a democracia todos concordamos, mas não nos entendemos sobre como repensá-la, ou nem sequer temos tempo ou disponibilidade para repensá-la.

- Talvez seja por eu ter tempo para pensar  - responde o andaluz - enquanto não chegam os clientes, enquanto o sol não acalma

- Que fazia antes de abrir o restaurante?

- Trabalhava num pequeno estaleiro de construção naval. Sou engenheiro naval.

- É o primeiro trabalho da democracia. Saber responder à pergunta "Que sabem fazer as pessoas?" , no pressuposto de que antes as ensinou e lhes deu condições para aprenderem, e pô-las a trabalhar.

- Seguro que sim, mas as leis da economia não se compadecem com isso. O estaleiro fechou porque não cobria os custos de produção.

- E resolveu abrir o restaurante.


- Aproveito quando tenho pouco movimento para escrever. Quero repensar a democracia, escrever sobre isso, como se traçasse o projeto de um navio para o oferecer ao serviço das pessoas, de um modo que as pessoas sigam os passos do projeto.
Quero partir da declaração universal dos direitos humanos.
Ou talvez começar pela última frase do programa do manifesto do partido comunista.

- Mas não tem receio de afastar as pessoas com essas ideias marxistas?

- “Para o lugar da velha sociedade burguesa com as suas classes e oposições de classes, entra uma associação em que o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos.”

- Já não me lembrava do manifesto. A ingenuidade de chamar burgueses aos detentores do poder dos grupos económicos, a abstração redutora da luta de classes, a intuição incipiente do poder das tecnologias nas relações de posse da produção. É outra forma de dizer o que Saint-Simon e Louis Blanc diziam e que até Adam Smith talvez subscrevesse, “de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades”.
Mas os eleitores não ligam muito, as taxas de abstenção são grandes e fracas as votações nos partidos de esquerda.
É paradoxal, não acha? Numa altura em que as taxas de desemprego crescem.

-   Artigo 23, nº1 da declaração universal dos direitos humanos:  “Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.”   
Todo o governo que não o defender viola a declaração universal, por mais voltas que dê.
Mas os governos de direita por essa Europa fora conseguiram fazer esquecer isto aos eleitores.
Aos abstencionistas nem sequer, que os parlamentos deveriam ter os lugares vazios que correspondessem aos votos em branco e aos abstencionistas; mas aos eleitores conseguiram fazer esquecer.

- É verdade, vê-se bem pelas regras da união europeia e do banco central que as políticas orientadoras são de direita, inspiradas pelas experiencias ultra liberais de Reagan e de Thatcher.

- Talvez não seja mistério.
Primeiro, desacreditou-se tudo o que fosse entidade pública, foi-se buscar a sagrada ideia da iniciativa privada cheia de mérito e a necessidade da concorrência para baixar os preços.
Assim se retirava às entidades públicas a intervenção na vida económica e financeira.
Depois apelou-se descaradamente aos direitos individuais, ou melhor, individualistas, exacerbaram-se os direitos dos consumidores, ao mesmo tempo que se desprezava quem produzia bens de utilidade concreta.

-  Fecharam-se estaleiros…

- Os políticos papagueavam que só uma pequena parte da população  devia viver dos setores primário e secundário. A desindustrialização da Europa e o predomínio dos serviços ou da informática de gadgets gerou  desemprego.

- Estou de acordo. Os políticos e os financeiros da Europa burocrática conseguiram comprar o apoio dos eleitores também com a compressão dos custos na produção e na comercialização.

- Isso conseguiu-se com a globalização e a deslocalização da produção para o exterior . Os preços baixos conseguem-se diminuindo a procura através do corte do poder de compra e do aumento do desemprego.
As pessoas agradecem os preços baixos mas são elas que com os seus sacrifícios e o seu desemprego os tornam possíveis.
Vieram depois os especuladores acabar a obra, a emprestar dinheiro cuja dívida não podia ser paga apesar dos juros baixos e apareceram aqueles produtos, como os financeiros dizem, de loucura, os derivados seguros de crédito, com cotações virtuais sem correspondência com a riqueza real produzida.

- E depois de tudo o que aconteceu, depois dos governos vagamente de esquerda terem tentado apoiar os investimentos públicos, como dizia o Keynes, e só conseguido aumentar a dívida, as pessoas continuam a preferir governos de direita.
Deu resultado, a campanha contra os funcionários públicos e o endeusamento do individualismo.
O erro dos marxistas primitivos foi o de terem acreditado na força. A violência foi-lhes desfavorável. Devemos aprender com Gandhi, a não violência é mais forte do que a ganancia. Os grandes grupos económicos têm a lógica dos tubarões, equipados com os mais eficientes sensores de obtenção de mais valias, seja à custa do que for. Mas a ecologia descobriu que não devemos extinguir as espécies, antes devemos aproveitá-las.
Por exemplo, a cadeia de supermercados que drena dinheiro para a compra dos alimentos estrangeiros é a mesma entidade que patrocina um fórum de publicações de analise das grandes questões da sociedade, de que uma delas é precisamente a exportação de dinheiro.

- Mais de 60% da costa da Andaluzia ficou coberta de edificiois -  muitos deles não estão vendidos. No tempo de Garcia Lorca 3% de andaluzes eram proprietários de 45% das terras agrícolas; hoje 3% são proprietários de 55%. A tendência devia ser ao contrário. A produção agrícola e industrial é essencial para todo o país, A organização do território também. Há presidentes de junta que sorteiam empregos nas suas pequenas autarquias, empregos temporários, para que depois a lotaria possa sair a outros.

- É como antigamente na praça da jorna, no Alentejo, na praça do Giraldo, por exemplo.

- É preciso lata, como vocês dizem, dar prioridade à recuperação dos bancos; na Irlanda foram 31 mil milhões, na vossa terra são 8 mil milhões. Dizem que o Bankia e  as cajas vão chegar aos 60 mil milhões. Empestimos mal parados em Espanha montam a 180 mil milhões. Não foi quem trabalha para o seu sustento que cometeu estes crimes.
Mas os contribuintes da Irlanda, de Espanha, de Portugal e Grécia estão a pagar os prejuizos dos bancos.

- Na Islândia não foi assim, que importa estarem fora dos mercados, se os mercados forem a  metáfora do agiota que oprime o mercador de Veneza. Falhou o manifesto do partido comunista porque a força está de facto nos bancos e nos governos que os salvam sempre que dão um ai.
O banco central não pode emprestar diretamente aos governos enquanto entidade publica? Que é isso? Estamos a sustentar os intermediários do dinheiro e dos  empréstimos sem contrapartida de dinheiro real?

- É verdade que os regulamentos da união europeia não estão a ajudar – isto foi dizendo o dono do restaurante enquanto se levantava para ir buscar os pratos que a cozinha tinha dado por prontos. E nem a tortilha nem os calamares impediram a continuação da conversa -  não há direito que o BCE não possa emprestar diretamente aos governos, não há direito que o BCE empreste a juros baixos aos amigos dos bancos privados que depois emprestam a juros altos aos governos. As populações não elegeram os dirigentes do BCE, nem eles cumprem as deliberações do parlamento europeu.

- É asfixiante, de facto, e sem aceitar uma pequena inflação é impossível haver crescimento. Mas as pessoas apesar do desemprego, acham sempre que talvez consigam sobreviver sem problemas.
É como acreditar na lotaria. Só 5% tem hipóteses de ganhar algum coisa significativa, e 95% estão na parte central da curva de distribuição, onde nenhum prémio significativo é atribuído. As pessoas não querem aceitar a frieza do raciocínio, terem 95% de probabilidades de nada lhes sair. Que é o que acontece na economia, quando os governos ultraliberais despedem ou ajudam a despedir as pessoas, esperam que elas tenham êxito na concorrência feroz, espera que tenham ideias brilhantes para aproveitar nichos de mercado, mas só 5% podem ter êxito.

-É a fé que mantem as pessoas. Elas têm de acreditar que conseguem, senão a auto-estima delas sufoca-as.

- Mas os números do insucesso são deprimentes, e isso irá refletir-se daqui a uns anos nos jovens, que não resistirão às tentações da marginalidade, do vandalismo, da desqualificação literária e profissional.

- Eis a tarefa da democracia, evitar isso.

- Mas assim como está não consegue evitar. Não é possível aos eleitores avaliar convenientemente as ações dos governos
Havia um pensador politico (Schumpeter) que dizia que as leis da concorrência também se aplicam aos partidos politicos, e que os partidos têm de concorrer e fazer marketing para obter o maior numero de votos dos eleitores.

- Com esse critério é natural que a democracia esteja a falhar . Não são os fundamentos das ações nem as ações que convencem os eleitores, são a sua perceção; e a perceção pode não corresponder à realidade.

- Sim, a variável tempo das ações e das medidas tomadas pode ser superior ao tempo de uma legislatura. O efeito de uma decisão pode só aparecer depois das próximas eleições, e o juízo do eleitorado far-se-á em função desse efeito quando o governo já é outro. Schumpeter é também o homem da destruição criativa, a forma sofisticada e moderna de falar da política de terra queimada. Desde empobrecer as pessoas para não comprarem bens importados, até destruir uma industria para não concorrer com os investidores estrangeiros.

-É ao que estamos assistindo na península. Mas a democracia representativa não é um cheque em branco associado a falsas promessas eleitorais. Deve passar a ser participativa e deliberativa, não pode ficar pela representação porque qualquer representação introduz erro de transmissão entre o eleitor e o eleito.
Não é um partido que detem a solução, não é a alternância, é a partilha de ideias e a mistura de ideias com a contribuição do maior numero de cidadãos e cidadãs.


- Acusou-se o Estado assistencial, ou social, ou providencia, de dissipar ineficientemente os recursos financeiros.
No fundo apenas se pretendia obter apoio social para a oligarquia dos grandes grupos económicos e financeiros.
Aniquilaram assim o sonho de Marx, de colocar as conquistas das tecnologias ao serviço do bem estar das populações trabalhadoras (“de cada um segundo as suas capacidades”) e conseguir a eliminação das estruturas de dominação do Estado e das oposições de classe de modo que “o livre desenvolvimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos” .
E no lugar do sonho surgiu o mito do super-homem, no sentido pré-fascismos do conceito, da plenitude da liberdade para o consumidor de escolher, e para o empresário de investir.

- As populações não têm medo de trabalhar, precisam de trabalhar, é a essência da vida em sociedade, o produzir bens e serviçoes úteis, não é a riqueza e o património que interessa, é produzir.

- E no meio da crise surgiu a declaração paternalista dos governos subordinados aos dogmas dos grandes dirigentes financeiros (Goldman Sachs, government Sachs) e dos grandes bancos centrais, de compressão dos custos a todo o custo, de apoio incondicional aos banqueiros e de globalização destrutiva das economias locais (agricultura, pescas, industria, atacadas pelos produtos de baixo custo baseados em transportes de longa distancia baratos graças à contenção politica e militar dos preços do petróleo): “o Estado intervem quando e onde os privados não possam ou não queiram desenvolver a sua atividade”.
Como? Quem são esses privados que decidem o que podem ou querem fazer na economia? São os cidadãos comuns? ou as condições financeiras exigidas, de restrição ao clube dos grandes oligopólios, só permitem que sejam estes a decidir? E foram eleitos para isso? As suas assembleias gerais de acionistas permitem aos comuns cidadãos eleger quem decide o rumo da economia? E os dirigentes dos bancos centrais, foram eleitos? Ou sequer tiveram de se candidatar em concursos públicos? Então não me digam que a democracia não está gravemente doente, sem armas para se defender destes oportunistas (no sentido biológico do parasita de uma árvore ou do agente de infeção dos tecidos de células) .
O Estado só tem obrigações quando esses privados autorizam?
Sinceramente, era o que mais faltava, por mais promíscua que seja a relação entre partidos políticos, grupos financeiros, especialistas de legislação e grupos económicos.

- Também eu não tenho vocação para investidor, para empresário, e estou aqui a gerir um restaurante. Sou um técnico. Não devia ter de me preocupar com questões comerciais, de marketing, de busca de financiamentos e preocupação permanente com equilibrios orçamentais. De acordo que devo entender os números, mas sou técnico de produção, e é nisso que me devia concentrar. Mas enfim, às vezes tenho o prazer de conversar com turistas simpáticos.

- Gracias pela minha parte. O Estado é a organização da população para os fins consignados na declaração universal dos direitos humanos (que presupõem evidentemente obrigações, como seja o respeito da igualdade de direitos), e os especialistas de finanças, os bancos centrais e os governos têm como obrigação respeitar esses fins.
Dirão paternalisticamente os senhores governantes que não há dinheiro para tanto.
Qualquer cidadão sabe gerir situações semelhantes e sabe como qualquer especialista de finanças que quando não há dinheiro, para alem de evitar gastos supérfluos, a solução é arranjar um negócio cujo investimento seja remunerado com o tempo.
O mal amado ministro da economia do meu país bem tenta fazer-se ouvir, no meio da algazarra mediática das vozes mais fortes no governo e no parlamento, que só falam em cortes da despesa pública ou em manobras de diversão de pormenor (esquecendo por exemplo a auditoria à dívida eterna privada), que a solução é “o financiamento da economia pelos fundos comunitários e operacionalização do banco de fomento. Paralelamente as pessoas contribuirão com as poupanças para a reindustrialização do país”. Trata-se de medidas clássicas em economia. 
Cortes cegos é que não.


- Aqui na Andaluzia tentamos combater isso.
Alguns municípios têm a felicidade de ter dirigentes que compreendem que as populações têm de combater isso.
Mas cansa e desmoraliza ver as sucessivas tentativas de grupos de cidadãos organizarem-se para diversificar as soluções dos partidos políticos e fracassarem perante a soberana indiferença ou contravapor destes.

- No meu país a constituição da Republica quase que dá o monopólio da ação politica aos partidos políticos.
Mas têm sido os partidos que têm sido responsáveis pelos governos que têm alternadamente desperdiçado as oportunidades de crescimento económico.
Os sucessos que se verificaram nos indicadores, por exemplo de mortalidade infantil , de longevidade, de bem estar, deveram-se à capacidade técnica de quem trabalha nessas áreas.
Ficaram por corrigir os maus indicadores de desigualdade social de Gini e os maus resultados dos inquéritos aos alunos PESI.
Soçobrámos na utilização dos fundos comunitários para equipar o país com infraestruturas produtivas, desindustrializámos, aumentámos a dependência das importações alimentares e de combustiveos fósseis.
E foram os partidos que alternaram no poder que inconscientemente, por ignorância das problemáticas técnicas,  ou por corrupção entre amigos, deixaram que acontecesse.

- Temos esperança. Aqui na Andaluzia o partido popular , habitual no poder, ganhou as eleições, mas perdeu o governo para o outro partido habitual, o socialista obreiro, que se coligou com a esquerda unida.
Enquanto não conseguimos montar uma democracia popular, de participação efetiva nas tomadas de decisão, é melhor assim, que nenhum partido se considere dono das decisões.

- Infelizmente isso não se pode garantir em todas as eleições, dada a aleatoriedade das votações.
Seria bom que o espaço para as iniciativas da sociedade civil fosse alargado.
Poderíamos começar por validar o voto em branco e juntar-lhe os votos nulos e as abstenções para os representar no parlamento. Os lugares correspondentes ficariam vagos.
Ou, em alternativa, tornar o voto obrigatório.
Porque os partidos que ganham as eleições com menos de 30% de votos relativamente aos eleitores inscritos sentem-se mandatados para o que não foram na realidade. Os lugares vazios no parlamento ajudariam a humildade dos senhores governantes. Que deveriam recorrer mais vezes ao referendo.
Felizmente vão aparecendo umas iniciativas fora do âmbito dos partidos políticos. Mas estes só as toleram, não as desejam. Grupos de cidadãos têm-se organizado para discutir alternativas às politicas e medidas de austeridade, outros tentam auditar as dividas, publicas e privadas, externas e internas, para tentarem compreender onde atuar preferencialmente. Existem programas notabilíssimos de análise de dados reais na televisão e rádio publicas. Algumas associações profissionais promovem seminários onde são analisadas questões sectoriais concretas e propostas de investimento.
Porem, a tirania das necessidades quotidianas rouba capacidade de ação organizada.
À estrutura hierárquica e de comunicação dos órgãos públicos falta fluidez e flexibilidade.
Faltam claramente mecanismos de recolha e tratamento de dados, de análise de propostas e falta sobretudo debate público eficiente.
Não deveria ser difícil melhorar isto.
Nas instituições,por exemplo nos institutos de estatística, existem técnicos competentes, de quem não se tem retirado o que eles podem dar.
Das universidades saem técnicos altamente preparados que poderiam ajudar no arranque de empresas produtivas ou no relançamento da construção civil, na reabilitação urbana, nas novas redes ferroviárias, através da elaboração dos projetos absolutamente necessários para a obtenção dos fundos comunitários de que fala o ministro.

- É revoltante assistir-se a este marasmo, ao aumento do desemprego, à frustração das expetativas.
É doentia a preocupação dos governantes em reduzir os quadros de pessoal.
Que farão as pessoas no desemprego?
São hipócritas, porque o aumento do desemprego é propositado. É um mecanismo para a contenção dos preços através da diminuição da procura.
Os governantes estão patologicamente dependentes do objetivo de contenção de custos, mesmo que para isso aumentem o desemprego e contenham a produção industrial e agro-alimentar.
É contra isso que a sociedade civil se deve organizar.
Participar nas tomadas de decisão, não as delegar por eleições.

- Existe um episódio registado num dos comícios de Lenine, após a revolução de Outubro. O interlocutor de Lenine, discordando do seu discurso, disse que, a ser assim, até uma mulher a dias podia dar uma opinião e dar origem a uma decisão contrária à orientação  dos dirigentes políticos. Ao que Lenine respondeu que isso sim, seria a democracia se a decisão fosse partilhada pela maioria da população e fosse compatível com os direitos das minorias.
Claro que estamos discutindo a utopia, além de que a sociologia cientifica ainda não tinha descoberto, no tempo de Lenine, que o segredo da democracia e da correção das decisões populares é as multidões exprimirem, com independência de modas bruscas (cuidado quando as multidões vão de repente atrás de uma unanimidade), opiniões com suficiente diversidade e que sejam também diversas as fontes de informação, de modo que os desvios se compensem em vez de se reforçarem mutuamente e polarizarem em torno do erro de políticos oportunistas e demagógicos; garantindo assim que a decisão coletiva é melhor do que a de qualquer individuo, por mais inteligente e esclarecido que seja.
Como diz um livrinho  de Paulo Trigo Pereira editado por uma cadeia de supermercados do meu país, quem diria, a sociedade civil deve organizar-se em "think tanks" para dinamizar o debate e as reformas das políticas.

- Não devemos delegar nos partidos políticos a nossa capacidade de decisão, através de cheques em branco durante as eleições, e esperarmos depois toda uma legislatura  para voltar a passar outro cheque em branco. 
Até porque há questões técnicas que têm soluções técnicas independentes dos programas eleitorais dos partidos políticos.
Questões como o fornecimento energético, as rede de transportes, a organização e os equipamentos do do território, rural e urbano, são questões sobre as quais todos os partidos devem acordar uma estratégia comum, apesar da dificuldade que deriva da apetência dos neo-liberais para “entregar” o máximo de atividade económica a grupos privados que têm grande dificuldade em seguir politicas integradas e acima dos interesses dos acionistas em obter lucros independentemente do interesse das populações.

- Eu costumo citar os exemplos que vêm da América do Norte, onde coexiste o que de melhor a humanidade é capaz de produzir e o que mais a pode envergonhar.
Naquele livrinho sobre métodos de decisões coletivas de que eu gosto muito, “A sabedoria das multidões”, de James Surowiecky, o autor, no capitulo 12, descreve as experiencias de sondagens deliberativas (“deliberative polls”)  de James Fishkin, professor da universidade do Texas.
Toma-se uma amostra representativa da população a quem são fornecidos dossiers sobre as questões a analisar e, num fim de semana, reúnem-se em grupos que ouvem especialistas sobre as questões sobre as quais deliberam. Segue-se a recolha e análise dos resultados dos grupos.
No fundo, é o método seguido pelos consultores das empresas ou de grupos de empresas de um setor, quando querem tirar o máximo  partido do conhecimento dos profissionais. É a forma de ativar os "think tanks".
A minha proposta é generalizar este método através de todas as freguesias do país e fazer circular a informação recolhida com a participação dos cidadãos na rede institucional das freguesias no seu relacionamento com o poder central, obrigando este a considerar essa informação na sua ação executiva (governo) e legislativa (parlamento).
Passava a ser mais uma competência das freguesias, ou grupos de freguesias, a organização destas sondagens deliberativas.

- Seria a democracia direta, o que democracia verdadeiramente quer dizer, a utopia que desejamos. Se a pudéssemos realizar, em Portugal e na Andaluzia …

E assim, depois do café, nos despedimos, com reflexos do sol no Guadiana.




Referencias: 
  •  Andalucia y Garcia Lorca, edição Incafo SA, Madrid, 1984
  •  A sabedoria das multidões, James Surowiecky, edição Lua de papel
  •  Portugal: dívida pública e défice democrático, Paulo Trigo Pereira, edição Fundação Francisco  Manuel dos Santos
  • "think tanks" :  
Auditoria cidadã à divida

congresso das alternativas

transparência internacional

perdão da dívida

taxação financeira

Budget Watch – Exame orçamental

OBI – open budget initiative

Open knowledge foundation

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