sexta-feira, 28 de maio de 2010

Europa Galante - Metáfora dos profissionais

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Quando escrevo Europa Galante não é o que poderia pensar-se.

Estou a reportar um concerto de musica barroca na Gulbenkian, pelo conjunto Europa Galante, dirigido por Fábio Biondi.

Sete violinos, duas violas, dois violoncelos, um contrabaixo, uma tiorba (espécie de alaúde), um cravo.

O concerto incluiu peças dos grandes compositores barrocos: Vivaldi, Locatelli, Geminiani, Bach.

Os violinistas e os violas tocaram de pé.

Os instrumentos são de corda de tripa.
Precisam de afinação entre peças.
O som é esganiçado enquanto fazem a afinação.
Mas depois, a um gesto discreto de Fábio Biondi, o solista principal, começam todos ao mesmo tempo (é impressionante o sincronismo, até porque as cordas de tripa são mais ingratas), o volume sonoro do conjunto é modulado de forma contínua e por vezes com grande amplitude de variação, os solistas vão mostrando o seu virtuosismo (aliás, todos tocam com virtuosismo); talvez alguns andamentos sejam acelerados relativamente à ideia original, mas o entusiasmo e a entrega são tais que se for assim é a consequência lógica do que o compositor escreveu; acabam todos em simultaneidade, normalmente depois de mais um crescendo e diminuendo.

Não resisto a tentar uma metáfora.

Aqueles músicos e músicas dedicam a maior parte das suas vidas ao estudo das partituras, à exploração das potencialidades dos instrumentos de época, aos exercícios diários para manter a destreza muscular; viverão imersos naquele mundo do barroco.
Os instrumentos não são os de rendimento máximo porque as cordas são de tripa.
Os compositores não dispuseram de computadores para testar as combinações de sons, os timbres e os acordes.

Foram ignorantes das grandes técnicas de gestão de finanças que conduziram a economia mundial a taxas de crescimento de dois dígitos… e à crise especulativa e de conflito generalizado em que vivemos.

Não dispuseram de aceleradores de partículas nem de microscópios eletrónicos de elevada resolução, nem de ressonâncias magnéticas, nem de programas de computador para apresentações vistosas.

Sentaram-se com os seus instrumentos e fizeram a música.

Qualquer aprendiz de especulador na bolsa pode chegar junto da Europa Galante e dizer: mas que música tão ultrapassada, que instrumentos tão arcaicos, e que esforço tão inglório o vosso que a maioria não vos aprecia.
Quando muito poderá encomendar a músicos de trato mais flexível umas adaptações expeditas para passar em anúncios da televisão, vendendo sabonetes, perfumes ou carros de luxo com o concerto para violino de Bach em fundo, ou as quatro estações de Vivaldi, ou o concerto grosso de Geminiani…

E contudo, aquela música, e a forma como é tocada, são a expressão da capacidade do cérebro humano para produzir, mesmo sem instrumentos adequados à descoberta, peças de arte de valor elevado, do melhor que a humanidade é capaz.

A metáfora é :

cada um na sua profissão, mesmo que não seja iluminado pela publicidade de uma ação de “marketing” de sucesso, pode, como se tocasse na Europa Galante, dedicar-se em profundidade às razões, às causas e às circunstâncias das coisas; pode fazê-lo sem que a maioria e os líderes da comunidade o apreciem, ainda que a intenção fosse a de servir essa maioria; mas pode sentir a música daquilo que fez, isso pode.



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