quarta-feira, 12 de maio de 2010

Maria Helena, professora de História e de Filosofia

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Maria Helena era casada com um ministro do senhor Salazar.

Talvez por isso não fosse simpática para tantos de nós. Porque vivíamos o renascer do movimento associativo nas escolas perseguido pela polícia política e pelo senhor reitor.

Maria Helena era professora de História e de Filosofia no Liceu Camões, no tempo em que as famílias influentes mandavam os seus filhos para a escola pública.

Passados todos estes anos, tenho outra ideia sobre ela. De uma formação científica sólida e exemplar. Com uma grande capacidade de interpretar os factos e de suscitar nos alunos a vontade de o fazer. Dizia-nos constantemente que não interessava fixar os nomes dos imperadores romanos ou as datas de nascimento e morte dos reis de Portugal ou das batalhas da guerra dos 30 anos.

Interessava sim saber o que movia as pessoas, que interesses económicos e sociais estavam por trás dos grandes movimentos, como as cruzadas ou os descobrimentos. Assim nos instilava a análise marxista e o materialismo histórico, sem pronunciar a palavra proibida, marxismo.

E também nos alertava para a fidedignidade dos testemunhos. Que Fernão Lopes era um cronista de renome mundial e devíamos lê-lo, mas sempre considerando que o que escrevia era para servir o partido do seu patrono, o senhor João I. E que a revolução de 1383, com o apoio de uma burguesia urbana comerciante e pré-industrial a esse partido não podia ser utilizada para nacionalismos e patriotismos provincianos.

Isto dizia muitos anos antes de Dan Brown ter “descoberto”, no Código da Vinci, que a história é sempre escrita pelos vencedores, ou, como também ouvi nas aulas de Maria Helena, “vae victis”, ai dos vencidos.

Compreendo agora por que o professor de Fisico-Quimica, um jovem alto e apessoado, arranjava sempre maneira de, nos intervalos das aulas e no caminho para as turmas, percorrer os corredores do liceu ao lado da figurinha de Maria Helena, debruçado sobre ela, certamente deslumbrado com ela e com o que ela dizia.

Recordo o entusiasmo com que descreveu a visita do presidente da republica francesa Loubet a Portugal, em 1904, e da forma certeira como a integrou do desenvolvimento da causa republicana em Portugal. De como as visitas de chefes de estado eram um fator importante na vida diplomática da Europa do princípio do século XX. De como os vivas ao presidente Loubet em 1904 eram sentidos e significavam a adesão do povo português ao ideal republicano e à república emergente em 1910, em contraste com os vivas ao rei Eduardo VII, em 1903, que a história demonstrou que eram apenas vivas de circunstancia do povo de Lisboa e de óbvio apoio à bênção protetora de Inglaterra às colónias de Portugal em África, ameaçadas pelas potências europeias do costume.

Foi a Maria Helena que primeiro ouvi a caracterização do mito de Sísifo aplicado à economia. A economia tem de crescer sempre (a maldição de Adam Smith, que nunca previu um cotovelo de saturação e o que fazer uma vez lá), mesmo que caia de depressão em depressão.

A produção tem de aumentar sempre e a procura de crescer para absorvê-la, senão as fábricas fecham e o desemprego aumenta. E ela dizia que a produção não pode aumentar indefinidamente, que às tantas está-se a produzir o que não é necessário e gente a viver da publicidade só a convencer os outros a comprar coisas de que não precisam (ou as respetivas necessidades poderiam ser satisfeitas de modo mais racional numa perspetiva de bem comum e de soluções coletivas).

Isto em 1960. Já se punha a questão do mercado saturado de fabricantes de automóvel… e ainda não se pensava na questão um carro poluidor para cada chinês e cada indiano.

Mas Maria Helena não tinha as soluções.

Tinha apenas a abertura de espírito para analisar os problemas e estudar as hipóteses de solução.

E talvez um carro poluidor para cada habitante do planeta, seja ele finlandês, português, indiano ou chinês, não seja a melhor estratégia para a situação atual e futura do dito planeta. Há soluções mais coletivas , pacíficas e, como se diz agora e ainda não se dizia no tempo da minha professora de história e de filosofia, sustentáveis.

Saravá, professora Maria Helena.

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