terça-feira, 4 de maio de 2010

Isabel e eu

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Isabel é extraordinária.
Consegue, em poucos cliques, obter na Internet diagnósticos a partir de sintomas.
Consulta bases de dados de tal grandeza que mesmo os médicos mais experientes têm dificuldade em competir com Isabel.
Isabel não é uma mulher.
É um programa construído sobre uma extensa base de dados atualizável com todos os sintomas que possam conduzir a todos os diagnósticos possíveis (compete ao médico escolher o diagnóstico, claro).
Que tem Isabel a ver comigo?
Isabel é a voz da análise estatística fundada em extensas bases de dados.
Eu sou um mau representante da escola intuitiva e clássica, baseada no conhecimento teórico e na experiencia.
Ao longo dos anos assisti à progressiva perda de confiança nos técnicos, dos chamados especialistas.
Assisti à ascensão dos gestores e decisores, que tomavam as decisões segundo critérios económicos e universais (para acreditar em métodos universais, independente da disciplina de que se está a tratar, é necessário muita fé).
Mas não vi que os métodos utilizados pelos gestores se baseassem em análise estatística de grandes bases de dados.
Ao contrário, também os vi intuitivos, pronunciando-se sobre todo e qualquer assunto.
Não me importo que outra Isabel descubra soluções que as minhas tentativas e as dos meus colegas não conseguiriam descobrir.
Kasparov também não se importou de perder com a base de dados (onde estavam armazenados os melhores jogos de xadrez) do Deep Blue.
Mas importo-me, e muito, que decisores prefiram dar ouvidos a estatísticas não assentes em extensas bases de dados (é, a análise estatística só resulta se o número de dados disponíveis for muito grande; caso contrário a estatística está a ser utilizada para iludir as pessoas).
Qualquer estudo deveria dispor da recolha e tratamento de dados estatísticos em grande quantidade.
Por exemplo: o estudo do sistema de transportes da área metropolitana de Lisboa. Não temos inquéritos desde 1998. Não sabemos a matriz de deslocamentos. Não sabemos a matriz de habitação nem o faseamento de uma hipotética reabilitação da habitação urbana. Não sabemos as linhas da requalificação económica e produtiva da cidade.
Sem essa análise estatística, só com o método intuitivo.
E se o método é mau para os técnicos e para mim, também o será para os gestores e decisores (não é esta sentença que é universal, são as leis das estatísticas que têm um domínio de aplicação muito extenso).
Como sair daqui?
Simples: basta pôr os especialistas de recolha e análise de dados, em grandes quantidades de informação, em colaboração ativa com os técnicos das especialidades.
Não será nisso que a cultura portuguesa mais se distinguirá, mas podemos sempre continuar a tentar.

Terei sido confuso?
Não duvido.
Mas dou a chave : os elementos acima foram tirados do livro Supercrunchers - os super analistas, de Ian Ayres; e Isabel é a estrela do capítulo 4.

Leiam que é interessante, até porque cita a “Sabedoria das multidões” e os seus métodos de tomada de decisões e de organização.


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2 comentários:

  1. Há que distinguir entre economista, ainda que do colégio de gestão, e o gestor.
    O primeiro é um especialista que, em teoria, domina uma determinada disciplina: a economia.
    Economia, de acordo com Samuelsen e Nordhaus, é a ciência que estuda a forma como as sociedades utilizam os recursos escassos para produzir bens com valor e de como os distribuem entre os vários indivíduos. É uma ciência humana, e não exacta como vulgarmente se faz crer, e, portanto, falível. Não há, na economia, qualquer espécie de equação que permita um resultado universal. O determinismo não faz parte da economia, assim como não faz parte da história.
    A economia não tem paixões políticas ou sociais, não é anacrónica nem sincrónica, é, quando muito diacrónica, pois mais não é que um conjunto de factos históricos.
    Por outro lado, economia é também o estudo do processo de decisão. Mas também deste ponto de vista é uma disciplina teórica que estabelece um conjunto de regras mínimas que devem ser observada no processo que conduz à decisão.
    O gestor é o indivíduo que decide, é o chefe, é quem tem o poder de determinar a acção. E este poder é independente da sua formação.
    Portanto qualquer decisor é, por consequência, um gestor.
    Porém o que distingue o bom gestor do mau decisor, não é só a observância das regras de decisão é também a sua intuição. Ou seja, há momentos em que não existe qualquer experimentação do facto sobre o qual se vai decidir. Conduto, deve o decisor observar as regras gerais de decisão. Mas, qual decisão sobre um acontecimento totalmente novo? Por exemplo, deve-se ser iniciada a produção de uma nova tecnologia que ninguém reclamou e cuja utilidade está por comprovar? Na resposta a estas questões há que utilizar uma grande dose de intuição. Não confundir intuição com adivinhação. A intuição é uma dedução, parte de determinados factos conhecidos que determinam a conclusão. Obedece, pois, às regras da lógica.
    Neste mundo economicista em que vivemos, especialmente nas sucessivas crises que afectam o mundo, a sociedade transformou os economistas numa espécie de bruxas, ainda para mais pérfidas, vis e malévolas.
    Mas serão os economistas os responsáveis pelo estado do Estado? Não!!!
    Vejamos os nosso primeiros decisores: Sócrates é engenheiro, Pedro Santana Lopes e Durão Barroso são juristas, Guterres é, também, engenheiro e Cavaco, esse sim, economista. É preciso recuar 13 anos para encontrar um primeiro-ministro português cuja formação é em economia. Mas mais, Sarkozy, Zapatero e Obama são juristas, Brown e Merkel são engenheiros e Berlusconi, tanto quanto se sabe, não tem formação académica superior.
    Agora diga-me: a culpa é dos economistas?

    PJP

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  2. Carissimo Anónimo PJP

    Se me põe a pergnta tenho de responder. Não, a culpa não é dos economistas. Mas tenho de completar. Não é de ninguém. Porque de dedução em dedução, de intuição em intuição, fui eliminando o conceito mazdeísta de culpa e de inferno que a tradição judaico-cristã nos transmitiu desde os tempos babilónicos. Fiz isso porque me quis libertar dessa opressão, do pensamento babilónico. Não há culpa. Mas há grave prejuízo do bem estar do povo.
    Alguma prosperidade se conseguiu retirar da reação Keinesiana à depressão. O front populaire conseguiu as 8 horas de trabalho e as férias pagas. A existencia a leste de um regime não sujeito à lógica dos acionistas das grandes empresas e de inicio, no tempo de Lenine, quase a fazer jus ao nome do cruzador Aurora, deu a isso uma ajuda. Enquanto do outro lado dos oceanos Roosevelt tentava o seu Bill of Rights que ainda provoca tantas resistencias.
    E depois veio a guerra e depois a explosão da produção e, consequentemente, mais bem estar.
    E aconteceu como na parábola: tudo isto será teu se prostrado me adorares.
    Milton Friedman brincou: devemos diminuir a taxa de impostos dos mais ricos para os premiar e estimular os mais pobres a trabalhar mais.
    Pensou-se que brincava, mas não. Estava a falar a sério. Como ficou provado quando Pinochet aplicou as ideias de Friedman no Chile.
    Depois veio Reagan e Tatcher. A Goldman Sachs soprou ao ouvido de Reagan o que devia dizer e ele disse (é uma das cenas do filme de Michael Moore, Capitalismo, uma história de amor). Fizeram o que não tinha de ser feito e só o fizeram prque o petróleo estava barato e a abundancia podia ser canalizada para alguns, que eram como aqueles a quem podia sair o prémio da lotaria. Tatcher fechou as minas de carvão e os estaleiros navais em Inglaterra (porque será que na Alemanha não o fizeram?). E condenou a maioria das gerações futuras à incultura quando asfixiou o serviço nacional de educação. O virus economicista de estrangulamento dos serviços nacionais propagou-se rapidamente a França e chegou a Portugal. Existe uma correlação grande entre esse estrangulamento, o insucesso escolar (também nesses países) e a criminalidade e a viabilidade da guerra contra outras culturas. Mas a fé no Homem é grande.
    Por isso não se buscam culpados. Apenas se pede que se vejam as linhas por onde se cosem as histórias dos povos. E não é preciso inventar a roda nem descobrir a pólvora. Há tão sómente (como dizem os advogados) de cumprir a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Não chega a riqueza produzida? Simples, faz-se rateio. Talvez se convertam as fábricas dos BMW e Audis em fábricas de tratores e de comboios, mas adaptar-nos-emos a isso. À desigualdade é que não é possível adaptar-nos. Perfeitamente impossível.
    Até porque, em relação ao que escreveu sobre a economia e sobre as tomadas de decisão, e que me parece uma excelente síntese, estou inteiramente de acordo. Lá está, as pessoas nascem unidas. Só se separam quando crescem e se integram em grupos tribais.
    Abaixo o tribalismo, viva a Declaração Universla dos Direitos do Homem.

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