sexta-feira, 21 de maio de 2010

Nostalgia de 40 anos

'




São 4 mesas de 8 lugares, no restaurante da Ordem dos Engenheiros no último andar, com vista para o parque Eduardo VII. Mais uma mesa com algumas das cônjuges.

Faz 40 anos que acabámos o curso, quase 90 , que em 1970, apesar da guerra colonial, ainda se sentia a industrialização do país desde o pós-guerra e era fácil aos novos engenheiros encontrar emprego.

Digo para o colega da minha esquerda:

-eis-nos aqui. Não era bem isto que tínhamos pensado.

Diz o colega da minha direita:

- pensávamos que íamos conseguir uma sociedade mais justa, mais produtiva e mais rica.

Digo eu:

- também éramos muito jovens e fomos atrás da ideia dos Beatles e do Hair. Primeiro acabar com a guerra colonial, depois produzir.

Diz o colega da frente:

- e estávamos à espera de ir para uma reforma tranquila quando chegássemos a esta idade. Na reforma estamos, quase todos e ainda a faltar 2 anos para os 65. Mas de 90 já morreram 9. Anos de desconto foram 40. Vêm agora os economistasinhos chamar-nos preguiçosos. Era de esperar que com tantas novas tecnologias tudo estivesse melhor, e que não fosse necessário agora apertar o cinto. Que não fosse preciso o meu filho estar agora e estará no meio do Atlântico num navio de prospeção de petróleo, nem a tua filha em Macau, nem o filho daquele no Brasil.

E eu:

- onde falhámos? onde falhei ou que fiz eu de mal que não consigo lembrar-me? se não fiz nada de errado porque tenho de pagar? estamos num episódio bíblico? Sempre pedi aos meus colegas mais jovens que se interessassem mais, que se dedicassem mais aos assuntos da empresa que eu lhes entregava, que não desaparecessem para tratar dos assuntos deles e que entendessem que não há compartimentos estanques e que é mais importante pensar no bem comum no que no individual; fiz mal em não ter conseguido corrigir alguns deles?

O nosso professor de Economia (Daniel Barbosa, ex-ministro de economia) tinha-nos explicado que a II Grande Guerra tinha induzido um afluxo de capitais ao país (entrada de ouro e divisas dos exilados; exportação de volfrâmio e alimentos), e que os técnicos do regime e os chefes dos clãs Espirito Santo e Melo tinham convencido o professor-ditador a consentir nalguma industrialização, nomeadamente através do programa das grandes barragens hidro-elétricas. Apesar de limitada pelo condicionamento industrial (nenhuma empresa podia lançar um empreendimento onde as empresas colaboradoras com o regime já laborassem).

Mais nos explicou o professor de Organização e administração de empresas (Pereira Ataíde), cadeira normalizadora de perspetivas de gestão e que rejeitámos trocando-a no conselho pedagógico por uma cadeira mais perto do nosso idealismo de técnicos atualizados a querer aplicar as ultimas conquistas da nossa especialidade , que os técnicos do regime que vieram depois, de mentalidade já mais aberta e embalados pela “primavera marcelista”, quiseram acabar com o condicionamento e com a guerra colonial. E, com o esperado apoio financeiro subsequente à democratização do regime e à descolonização, subir de patamar e desenvolver uma nova fase de industrialização. Porém, Marcelo Caetano atemorizou-se e, pior do que isso, acreditou no que os generais do regime lhe diziam. Coitados dos generais, tão limitados nas suas capacidades de análise e de entendimento do que se passava...

Fazemos uma viagem de regresso ao passado no meio das entradas de espargos com picles e ervas aromáticas e recordamos o primeiro jantar de curso. Quase na sua totalidade, o curso recém-formado reuniu-se no Outono de 1970 no restaurante Pão de Trigo, na Azóia, perto do cabo da Roca, que ainda hoje lá está, por sinal um pouco mais caro agora do que então.

Havia que dar brilho ao jantar dos novos engenheiros e convidámos o grupo Intróito para cantar depois do café. Era a época do canto de intervenção, da canção de protesto. O grupo tinha aparecido no zip-zip, tinha participado no festival da canção da RTP e costumava cantar em espetáculos nas associações de estudantes canções originais e canções de José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e Francisco Fanhais. Algumas com poemas de muita qualidade e revelando o que a polícia política e a censura ocultavam ao público: a opressão e as condições desgraçadas de vida de muita gente em Portugal, e da insanidade da guerra.

Foi muito bonito e emocionante, mas os nossos colegas da Academia Militar, aliás uns excelentes colegas , levantaram-se discretamente e alegaram que tinham de recolher à Academia, que estavam a preparar a sua participação no curso de comandantes de companhia. Quatro anos mais tarde, depois de passarem por África, alguns deles integraram destacadamente o movimento das forças armadas, e então todos nos sentimos mais solidários.

Eis como um jantar de curso serve de pretexto para deixar emergir a nostalgia.

E também aproveito para juntar uma pequena notícia histórica sobre o Intróito.

Nostalgias de 40 anos.

Ver em     http://cid-95ca2795d8cd20fd.skydrive.live.com/browse.aspx/Intr%c3%b3ito


_________________________

Sem comentários:

Enviar um comentário