quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Blogue comovido

Este blogue ficou comovido nos últimos dias.
Primeiro, foi a voz de Joan Sutherland que se calou.
A ópera é um fenómeno estranho.
É um espetaculo popular, mas começou por ser o que distinguia a corte e os fidalgos do povo e da média e baixa burguesia.
Veja-se o caso da ópera do Tejo, um edifício novo onde hoje está a praça do Município, que o terramoto de 1755 destruiu.
O prejuizo porém não foi pago só por quem ia à ópera, mas por todo o povo (estimativa dos prejuízos em Lisboa devidos ao terramoto: 75% do PIB desse ano).
Quando digo que é um espetáculo popular, é porque quando há ópera no Coliseu ele enche-se.
E quando Verdi estreava as suas óperas o povo entoava logo a seguir as suas árias.
Mas há outra razão por que as óperas são um espetaculo popular, embora o senso comum ache que é uma musica aborrecida.
No meio das ingenuidades dos libretos e das inconsequencias dos argumentos, quase todas as paixões e sentimentos humanos são tratados. E a música sublinha essas paixões e sentimentos, por vezes de forma tocante.
Ou talvez que o autor do blogue seja demasiado sensivel e por isso escreve estas coisas, mas já António Damásio dizia que só se pode ser racional se nos comovermos.
Joan Sutherland teve uma das vozes mais bonitas de soprano.
Classificada como soprano spinto (isto é, dramático) com coloratura (isto é, com capacidade para dar notas ágeis) , embora pudesse fazer papeis de soprano ligeiro.
Outro exemplo de voz assim era a de Maria Callas, mas o timbre da voz de Joan Sutherland era, nalgumas personagens, mais bonito.
Quer isso dizer que a senhora tinha características fora do normal.
E à sua qualidade de cantora excecional aliava outra característica: era uma senhora muito simples que se sentava nos ensaios, enquanto esperava pela sua vez, a conversar com o pessoal da orquestra e dos adereços, e a fazer "tricot".
Falo nisto só para chamar a atenção para que qualquer pessoa pode ser excecional desde que não se aproveite das suas características para querer estar acima dos outros.
Isto é, para estas pessoas a revolução francesa não foi feita em vão e acreditam no trabalho em equipa, sem individualismos (como diz o outro, é assim que se ganham jogos, sem individualismos, não é?).
Bem podiam aproveitar a lição, os senhores empresários que no congresso do BSCD (Conselho empresarial para o desenvolvimento sustentável) insistiram que o objetivo das empresas é ganhar dinheiro e aumentar os lucros para os seus acionistas.
A desregulação deu no que deu, e continuam com a mesma cartilha adam smithista (que me perdoe Adam Smith que certamente não seria tão adam smithista como os seus adeptos)...
E falo no congresso do BSCD porque tambem lá se falou da filantropia de Bill Gates.
O nosso grande empresário presidente da Portucel, Semapa e Secil (não estou a criticar a política ambiental da Portucel, que aliás já foi gabada neste blogue) fez uma afirmação chocante, que foi a de desconfiar da verdade da doação de Bill Gates, acrescentando de forma infeliz que nem sabe o que é a filantropia, e que cada um dê o que quiser.
Alguém comentou inocentemente que não basta às empresas ter um diretor de responsabilidade social.
Porque esse diretor normalmente acumula com a direção da imagem.
E todos sabemos que a imagem lida com a perceção das pessoas e não com a realidade, mesmo que a realidade possa condicionar as pessoas ou ser-lhes ocultada quando não se faça uma campanha, não de promoção da imagem, mas de esclarecimento da realidade.
E também muitos de nós insistem neste ponto: numa empresa tem de haver separação hierárquica entre funções essenciais de natureza diferente; não é bom que o responsável da manutenção acumule com a responsabilidade do controle de qualidade, não é bom que o responsável de uma parte que depende de outra parte para funcionar seja o mesmo dessa parte, não é bom que o responsável da segurança dependa hierarquicamente dum responsável operacional, não é bom que o responsável social seja o responsável da imagem.
São funções que devem ser exercidas como controle mútuo entre órgãos, fora da dependência dum órgão unico.
Porque o órgão único tem tendência para mascarar as falhas, e os órgãos distintos têm tendência para as evidenciar.
São princípios básicos da divisão do trabalho, do controle da qualidade e da fiabilidade e confiabilidade das empresas.
Será que o autor do blogue tem vindo a iludir-se ao longo dos anos com a sua experiencia profissional e tão ilustres empresários são os detentores das verdades? ( e se é assim, se tão ilustres empresários de empresas de tanto sucesso estão tão seguros de que seguiram o caminho certo, porque está a economia portuguesa tão mal e tão sem desculpas apesar da crise internacional?).
Ou terão razão os gurus que defendem a filantropia, a sabedoria das multidões e as 22 + 25 medidas que este blogue anda a comentar? Ou os empresários com sensibilidade, como os dos cafés de Campo Maior, ou os da restauração do lugre Santa Maria Manuela, ou os que tentam salvar a Vista Alegre, ou os têxteis, ou os sapatos.
Por isso gostaria que os ilustres empresários e gestores de sucesso ouvissem Joan Sutherland.
Talvez lhes amaciasse os corações.
Ficassem mais filantrópicos, já que a maioria dos portugueses é como eu, incapaz de montar um negócio ou uma empresa por ações e ganhar muito dinheiro com ela.
Se tiverem paciência, procurem em “you tube joan sutherland”.
Experimentem a “casta diva”, da ópera Norma (a sacerdotisa druida tem um caso com o consul romano e as sociedades da altura eram muito limitativas dos direitos humanos…).
Segundo (segunda razão para este blogue se ter comovido nestes dias, como disse logo no princípio), o caso do resgate dos 33 mineiros é exemplar.
O problema era efetivamente difícil de resolver em tempo curto.
E o método seguido foi o correto: não se escondeu nada, procurou-se informação e ajuda entre técnicos de todo o mundo; não foi só a NASA, veio equipamento do Japão, sa Austria, Alemanha, Austrália, etc, sem esquecer o papel importante da Codelco (empresa pública de minas do Chile – e depois disto ainda haverá adam smithistas que disseminem a mensagem de que “o estado”, palavra feia que serve para afastar a simpatia da pessoas, não tem vocação? O problema não é a empresa ser estatal ou privada, o problema é as pessoas trabalharem bem ou não).
Isto é, não se fez um concurso público para escolher um gabinete de consultoria para fazer o projeto do resgate, seguindo-se um concurso público para selecionar os equipamentos a utilizar.
Simplesmente, dinamizou-se um processo de debate interativo e aberto, e um dos métodos propostos deu resultado.
A estimativa inicial para todas as operações de resgate era de 120 dias e conseguiu-se em 69.
A estimativa para a retirada dos mineiros com a cápsula era de 48 horas e conseguiu-se em 23.
Independentemente de razões psicológicas como foi o caso, um planeamento deve ser feito com prazos realizáveis e, na dúvida, não alimentar esperanças que possam não ser realizadas.
Por isso deveriam os gestores e os decisores deixarem-se de impor prazos, mais ou menos políticos, e perguntar primeiro aos técnicos que prazos podem ser definidos.
Deixem-me acentuar ainda o papel importantíssimo da psicologia. Em qualquer acidente ou em deficientes condições de saúde há regras psicológicas para seguir. Quebrá-las, por exemplo com excesso de exposição mediática, só pode prejudicar.
Por isso está corretissimo o período de 2 dias de quarentena previstos e se teme o impacto das campanhas publicitárias.
Já não é o mesmo caso do filme de Billy Wilder com Kirk Douglas (Ace in the hole - o jornalista conseguiu que se escolhesse o pior método de resgate dos mineiros para fazer render a campanha mediática, com resultados trágicos), além de que poderá recuperar-se algum do dinheiro gasto com a operação (300.000 euro por mineiro salvo), mas conviria haver contenção na exposição.
Enfim, um viva aos mineiros e aos seus salvadores.
Como disse o último mineiro a sair,Luis Urzua, último como se fosse o comandante do navio naufragado, “fizemos o que todos esperavam que fizéssemos, tivemos força para isso e pelas nossas famílias, e isso foi o mais importante”.
E assim fica este blogue comovido, num mundo em que a humanidade também é capaz de fazer as melhores coisas com a capacidade técnica de que dispõe.

PS - Em tempo: corrigi uma informação errada: os prejuízos do terramoto de 1755 foram da ordem de 75% do PIB desse ano, e não 10% como escrevi primeiro (fonte: História de Portugal, ed. a esfera dos livros, coordenação Rui Ramos)

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