Choca-me a
dificuldade que temos em nos organizarmos.
Pessoas
lúcidas que desempenham cargos de visibilidade mediática por vezes tocam na
essência das questões e das suas soluções, mas escapa-nos, num instante nos
esquecemos do que foi dito e subsiste a nossa dificuldade de trabalhar em
equipa.
Uma
hipótese é a deficiente estrutura da língua portuguesa em termos de capacidade
de suporte de informação inequívoca, a dificuldade em fazer-se compreendida
umamensagem (quando se diz que o presidente sancionou quer dizer-se que
castigou ou aprovou? quando se diz que o primeiro ministro relevou quer dizer-se que salientou ou que apagou? porque
“pois sim” significa o mesmo que “pois não”? porque não se pode dizer “mais
grande”?) .
Outra
hipótese é a insegurança crónica de um povo habituado ao longo da sua história
à maior das desigualdades, do fausto dos reis da pimenta no Terreiro do Paço à
morte pela peste negra nas piores condições de miséria e abandono? do cultivo
mais elegante e profundo da palavra de Camões e Fernando Pessoa à permanência
da maioria do povo no analfabetismo até ao século XX? E que assim deixa espaço
aos yupis intelectuais arrogantes e convencidos que definem as regras que devem
ser seguidas.
Pessoas
lúcidas já dizem que a força económica de grandes grupos devia ser compensada
por cooperativas que ganhassem economia de escala para que as pequenas empresas
suas sócias possam competir (cooperativa: 1 voz=1 voto, independentemente do numero de ações).
Pessoas
lúcidas tentam organizar a opinião
pública em estruturas intervenientes (não este escriba, incapaz de mobilizar
seja quem for).
Pessoas
lúcidas pedem a reforma das regras eleitorais, mas as elites que se arrogam a
representação da população sobrepõem a sua vontade de querer tudo para o mais
votado, a pretexto de facilitar a “governabilidade” (e a prepotência de não
ouvir as minorias, também), quando o que se pretendia era dinamizar a
participação de todos.
Pessoas
lúcidas tentam que o debate dos cidadãos comece ao nível das freguesias e que a
opinião dos cidadãos seja canalizada até aos níveis superiores a partir daí.
Mas as elites dirigentes e decisórias não querem.
E contudo,
não foram as populações que trabalham no seu quotidiano que conduziram as
coisas ao estado em que estão.
Foram as
elites dirigentes.
Tampouco
quem trabalha foi responsável pela crise internacional que se reflete na
recessão europeia.
Por isso me
chocam a segurança e as certezas dos académicos das faculdades de economia que
pregam a cartilha neoliberal da redução do Estado Social.
Ouvi um
comentador, ofendido com a reprovação do Tribunal Constitucional, dizer perante
as câmaras da TV que o défice é do Estado e que é ele, cortando nos
funcionários públicos e nos serviços, que tem de pagar.
Isto num
país em que dívida privada ombreia com a dívida pública e em que as elites
dirigentes se opõem à auditoria esclarecedora às dívidas para se saber a quem se deve, avaliar a legitimidade da
dívida e a hierarquização do seu pagamento.
Isto num
pais em que os académicos se contentam com as estatísticas oficiais disponíveis
e ignoram a economia paralela, a de subsistência, a de importação escondida e
as isenções de IMI de grandes grupos imobiliários.
Falam
portanto com base em valores de PIB, de taxa de desemprego e de importações e
exportações que oferecem sérias reservas.
Mas os
dirigentes, quer do governo, quer da troika, tudo resolvem com base nesses
dados pouco fiáveis.
Por isso
falhamos, por não nos organizarmos para esclarecer o valor do que produzimos e
para produzir de forma mais eficiente, por não planearmos, por não fazermos planos de transição e adaptação.
Que fazer? como perguntava Lenine, não o senhor professor.
Claro que
não devemos querer fazer o que ele, Lenine fez, porque a tecnologia evoluiu
decisivamente depois dele (isto sou eu a desabafar, não é o senhor professor; perdoe-se-me o neomarxismo da análise).
É que neste
momento não são precisas correias de transmissão para distribuir a energia
mecanica do veio do teto da oficina aos tornos de bancada.
A ciência política e a de gestão dispõem hoje de mecanismos teleinformáticos de distribuição de
inteligência (daí a alusão à raiz dos debates de cidadania ao nível das
freguesias) que dispensam a existência de centralismo, a existência de messias
num governo que tudo decide.
Nada impede, nem a nossa instintiva tendencia para a desorganização, que os governos sejam multi
partidários de acordo com as regras da proporcionalidade, incluindo técnicos não
dependentes de grupos económicos, de grupos financeiros ou de lóbis de
escritórios de consultores e de advogados.
Não há necessidade hoje de
governos que se voltam para a imprensa e dizem: o governo está a estudar esse
assunto e depois informará quando tiver o assunto estudado (com mais verdade
diria que o governo contratou consultores em quem tem confiança para que eles
estudem da forma que lhe agrada, ao governo, a questão).
Não brinco,
esta é a tática usada pelo senhor secretário dos transportes quando fala sobre
as concessões do metro e da Carris, ou pelo senhor ministro da defesa quando
fala dos ofendidos estaleiros de Viana do Castelo, ou pelo senhor ministro da
Economia quando fala dos hotéis que são contrapartida dos submarinos ou não
são, sabe-se lá se são ou não, ou quando o governo fala da privatização dos CTT
ou da RTP.
Ou nem
sequer é a tática, quando não fala sobre a taxa sobre as transações financeiras
ou sobre o jogo pela internet.
Que fazer,
então?
É essencial
que se discutam as coisas com conhecimento de causa e não com base no critério
carismático da perceção pela população.
As coisas
são o que são e as soluções devem ser determinadas pela análise técnica e não
pela capacidade de exposição dos comunicadores.
As coisas
funcionarão melhor se deixarmos os técnicos em cada área de atividade responder
às perguntas do questionário simples: que soluções têm para melhorar a
eficiência do seu trabalho? Não foi isso que fez o senhor ministro da saúde,
apesar de obrigado a cortes cegos e desumanos? Porque não fazem os outros
senhores ministros o mesmo? (na área dos transportes posso garantir que os
governantes só querem ouvir áreas restritas de atividade, gostam muito de se
socorrer de consultores para os quais não têm conhecimentos técnicos para
avaliarem a sua competência, e que não gostam nada de ouvir a opinião dos
simples técnicos).
Continuo a
pensar que o chefe da esquadra de policia do filme “O ovo da serpente” de
Ingmar Bergman, cuja ação decorre enquanto germina o fascismo alemão na cultura
de inflação (ou 8 ou 80, para fugir à inflação afundamo-nos agora na deflação) tinha
razão: “só quero que cada um faça o seu trabalho, o senhor é trapezista,
faça o seu trabalho; a economia precisa
disso” (o que não impede obviamente o debate politico e social, mas exercer a
profissão é essencial isto é, não pode haver tanto desemprego; devia ser este o
centro do debate, e não é).
O senhor
professor universitário de economia, muito apreciado pelos livros que escreve,
defende na entrevista de grandes audiências a austeridade.
Que tem a
grande vantagem de reduzir o consumo e assim aumentar a poupança, e quanto mais
austeridade mais deviam cair os preços da energia, das telecomunicações, das
matérias primas e das PPP.
Que os
preços não estão a cair o suficiente (Hayeck e Friedmann não diriam melhor).
Perigoso
pensar assim, faz lembrar o critério de realimentação: retiramos da saída do
quadripolo uma amostra que aplicamos à entrada para aumentar a saída e por aí
vamos.
Mas o
senhor professor faz um ar zangado quando nega a espiral recessiva de que a
entrevistadora lhe lembra os sintomas evidentes, chama a isso um jogo de
palavras, e cita estudos de outros académicos que insistem que a austeridade
não provoca recessão a prazo de 2 anos.
E explica a
origem de todos os males: a baixa produtividade em Portugal, que cada trabalhador
tem uma produtividade média de 17€/hora, quando na Irlanda é 50€/hora, em
Espanha 30€/hora, na Alemanha 42€/hora e na Noruega 70€/hora.
A
entrevistadora faz uma cara surpreendida e triste e pergunta como pode ser e o
que é isso de produtividade “para que as pessoas lá em casa possam perceber”
(esta ideia que as pessoas não percebem…) .
O senhor
professor alegre e professoralmente explica que é por isso que os salários em
Portugal são menos de metade dos paises ricos (na verdade, foi a primeira
declaração da troika: os salários vão ter de baixar para adaptar o consumo à
produção).
Transcrevo,
sic:
“O nosso consumo é muito
exagerado em relação à nossa produtividade…
É muito fácil explicar o que é a produtividade.
Há um produto que é produzido e é
vendido; retiramos dessa venda os “inputs”, isto é, as matérias que foram
compradas, a energia, etc. (o rosto da entrevistadora denotava surpresa e
dúvida) e fica o resto, ou seja o dinheiro para salários, lucros e impostos,
aquilo que se chama no jargão da economia, o valor acrescentado.
Resumindo, é o
preço de venda do produto menos as matérias-primas mais os gastos com os
produtos incorporados. No fundo é aquilo que resta para poder distribuir
em salário lucros e impostos. “
E pronto, assim se
explica à população, na qual estão incluídos os improdutivos, o quão grave é a
improdutividade deles, especialmente quando comparada com a elevada
produtividade dos professores universitários de economia.
Permito-me comentar:
O cálculo de 17€/hora
consiste, parece-me, na divisão do PIB pela população ativa e da divisão do resultado deste quociente
pelo número de horas de trabalho por ano.
Ora, como se disse
acima, as estatísticas em Portugal são pouco fiáveis, e a culpa nem é do INE.
Há dúvidas sobre a
dimensão da população ativa, há dúvidas sobre o volume da economia paralela que
escapa aos registos, há dúvidas sobre o verdadeiro valor daquilo que se produz,
se traduz um preço de mercado internacional ou se é um preço imposto
artificialmente por prática escondida de damping (basta o governo chinês
subsidiar ou facilitar instalações aos seus empresários, ou estimular a
sobreprodução para chegar a preços marginais mais baixos, ou fechar os olhos à
exportação clandestina de contentores, para que os preços sejam impossíveis de
sustentar).
Isto é, o valor
acrescentado por hora é mesmo 17€?
Não valerá mais?
Não?
Então porque valem mais
os acrescentados de Espanha? por trabalharem mais depressa e melhor?
(Na verdade, parece-me
que o senhor professor teria respondido melhor à senhora entrevistadora se
tivesse dito que a produtividade é um quociente, e que no numerador está a
quantidade produzida, ou o valor acrescentado, e no denominador está o meio ou
fator de produção.
Aquele valor de 17€/hora
é o produto anual por hora e per capita).
A produtividade pode
medir-se em produto por numero de trabalhadores, por unidade de energia, por
quantidade de matéria prima, por exemplo no caso de uma empresa de transportes,
a produtividade pode medir-se pela quantidade de produto, isto é, de
passageiros.km transportados, a dividir pelo número de trabalhadores, ou a
dividir pela energia consumida por toda a empresa.
O conceito de
produtividade é indissociável do conceito de quociente, é uma taxa, uma relação
e não vejo os senhores economistas preocupados em que as pessoas discutam nessa
base.
E se
discutirem nessa base, conviria que atendessem a quem tem experiencia real, não
apenas de gabinete.
Segundo um
fabricante português de componentes para máquinas de café, que montou uma
fábrica na Alemanha com 90
trabalhadores, teve necessidade, quando transferiu a sua empresa para Portugal,
de dimensionar a sua fábrica para a
mesma produção mas para 120 trabalhadores.
Efetivamente
a produção manteve-se, mas a produtividade pessoal baixou (o mesmo não
aconteceu com outros fatores de produção como o fabrico de moldes para os
componentes, de que felizmente Portugal dispõe de boas condições).
Esse
empresário explicava que não tinha preocupações com a menor produtividade
pessoal, porque atingia os objetivos físicos, e que qualquer empresário devia
contar sempre com isso, pelo menos enquanto se mantivessem as condições
desfavoráveis que contribuíam para a baixa produtividade, desde carências de
formação a todos os níveis, dificuldades sociais (creches, transporte escolar),
pequena dimensão do mercado, dificuldades de transporte, de financiamento,
impostos…
Infelizmente,
só se vêem governantes e teóricos de organização que o que é preciso é despedir
para melhorar os rácios (na verdade, o rendimento energético de um avião
aumenta quando o número de reatores diminui, mas o A380 precisa de 4 reatores, não pode despedir nenhum;
isto é, o rendimento do conjunto destes 4 reatores é superior ao do conjunto de
8 reatores de metade da potencia unitária; mais uma vez, cada caso é um caso
que deve ser estudado).
Ainda bem
que o senhor professor entrevistado soube apontar a principal causa da baixa
produtividade em Portugal: a baixa intensidade capitalistica, isto é, o baixo nível
do capital, dos ativos, dos meios de produção, equipamentos, software,
instalações, tudo o que é necessário para que o trabalhador produza.
Mais uma
relação, neste caso de 93.000€/trabalhador em Portugal, para uma média de
195.000€/trabalhador na Europa, e que ilustra o mau destino dado ao
financiamento em Portugal: virado para bens e serviços não transacionáveis.
E sugere o
reforço da dimensão das empresas (não disse, porque o senhor professor defende
a lógica da selva de Darwin, que as pequenas empresas devem morrer para que as
fortes triunfem, que é bom a austeridade e a crise selecionarem as empresas, mas
eu diria que este é um plano estratégico ideal para desenvolver novamente as
cooperativas, para ganhar dimensão, agrupando pequenas empresas).
Finalmente,
o senhor professor apresentou a sua visão para os cortes na despesa do Estado,
que tem de passar dos atuais 46% do PIB para 40% (que era o nível relativo há
15 anos) em 3 anos, o que dá aproximadamente um corte de 10.000 milhões de
euros em 3 anos.
Ora, havia
uma maneira de não fazer corte nenhum.
Bastava
aumentar o PIB de 15% = ((0,46/0,40) – 1) x 100%
Eu sei que
é utópico, mas citando José Torres no México, deixem-me sonhar, com um governo
inclusivo, sem este primeiro ministro e sem este ministro das finanças, mesmo com este quadro eleitoral, desde que representando todas as sensibilidades.
Referencia: programa Olhos nos Olhos na TVI24 de 1 de abril de 2013 com Judite de
Sousa, Medina Carreira e o convidado Avelino de Jesus