domingo, 28 de abril de 2013

Crítica musical - a música subversiva

"C'est par la musique qu'a commencé l'indiscipline" - frase atribuida a Heráclito de Efeso, escrita aqui em francês por ser a língua materna de Françoise Schein , a artista que concebeu a renovação da estação Parque do metropolitano de Lisboa, nos anos 90  (ver http://fr.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7oise_Schein  ).

Penso que a ideia de Heraclito seria a de que a disciplina de um musico é de longe superior à dos políticos.
Talvez fosse isso que Prokofieff quis dizer a Estaline quando lhe respondeu à crítica da sua musica ser politicamente fraca, que a politica de Estaline era musicalmente muito fraca.
E temos mais um exemplo do que a musica pode fazer aos politicos, despindo-os das suas vaidades e das suas certezas prepotentes e sobranceiras, nos concertos de 25 e 26 de abril de 2013 na Gulbenkian, com a mini ópera de George Benjamin, "Into de little hill".
Adaptação do conto do Flautista de Hamelin.
O ministro quer ser reeleito, mas a multidão avisa-o que só votará nele se exterminar os ratos. É estranho a multidão achar que são ratos, porque a filha do ministro vê que eles usam roupas. A multidão acha que não, que eles só roubam (será analogia com a crítica que o senhor ministro da Economia faz aos trabalhadores das empresas públicas de transportes, que com as suas regalias estão a roubar as finanças públicas, esquecendo que o que agrava em 2/3 a dívida são os encargos financeiros e as taxas de juro relativamente crescentes?). E aparece um salvador que promete ao ministro livrar a cidade dos ratos. Feito o contrato, o ministro é reeleito mas não quer cumprir a promessa ao exterminador. É apenas mais um exemplo de um politico que não cumpre as promessas feitas na campanha eleitoral e que se justifica dizendo que não tem dinheiro para pagar porque o gastou todo em infraestruturas (será analogia com os cortes das pensões do senhor ministro das Finanças, que só tem dinheiro para pagar juros, mas salários da função pública não?).
O facto é que o exterminador fez o que já se sabe, transformou as crianças em ratos (será analogia com os cortes na Educação? e o consequente estímulo ao aumento da iliteracia, do abandono escolar, do desemprego e da criminalidade?).
Crítica profunda aos políticos e aos seus métodos de dissimulação e de diversão da atenção dos eleitores para o acessório.

De tal maneira que me ocorreu uma sugestão a fazer aos políticos: gerir a coisa pública deveria obedecer a critérios de qualidade equivalentes aos que se usam nas empresas certificadas. Então, para selecionar os políticos, deveriam os candidatos submeter-se à prestação de provas psicotécnicas.
As provas psicotécnicas são muito úteis, e permitem até detetar o perfil psicológico da pessoa, a sua capacidade de trabalhar em equipa, de não impor a sua vontade discricionária, o seu respeito pelo debate alargado com vista a um resultado participado e representativo das sensibilidades das populações, o seu respeito pela verdade.
Munidos dos relatórios dos seus testes psicotécnicos os candidatos apresentar-se-iam então na campanha eleitoral, fornecendo assim aos eleitores informação preciosa para a escolha conscienciosa.




A peça de resistencia dos concertos foi porem Dido e Eneias, de Henry Purcell.
Trata-se de uma das primeiras óperas inglesas, com a curiosidade de ter sido composta pouco tempo antes da Revolução Gloriosa de 1688, que marcou a consolidação dos princípios democráticos e da participação institucional dos cidadãos na vida politica, reduzindo os poderes da monarquia e controlando o Parlamento através de pluripartidarismo ao  mesmo tempo que a revolução industrial arrancava (por acaso em Portugal tambem arrancou por essa altura, graças aos esforços de pessoas como o conde da Ericeira, mas a coisa não vingou) e a sociedade das ciências impunha o método cientifico e a obrigatoriedade da disseminação do conhecimento (coisa que não, não aconteceu em Portugal nessa altura nem nos tempos mais chegados - será que as duas coisas estão relacionadas? não parece haver muitas dúvidas, pois não? já dizia o prof.Carvalho Rodrigues, a ciência tem de fazer parte da equação; ora, por aquilo que se vê e ouve, não é o que os politicos, os comentadores e os interventores estão fazendo, pois não? tratar os problemas com o método científico).


Música, indisciplinada por ser mais dura a sua disciplina do que a dos politicos.




Crítica de cinema - é o amor, de João Canijo e Anabela Moreira

É um filme documentário muito interessante sobre a vida de trabalho com o peixe de mulheres de Caxinas, com destaque para a mestra empresária do Marta Sofia, de que o marido é o mestre, responsável por uma tripulação de 10 pesacadores.
Os críticos do DN atribuiram-lhe a classificação de 4 (bom) em 6.
Não quero desmerecer, até porque o filme beneficiou da retoma do apoio oficial (o "mercado" português não tem dimensão para ser de outro modo) mas eu atribuiria 3 (com interesse), apesar da qualidade técnica e da riqueza das situações de vida real filmadas.
Não surge, durante todo o filme, a pergunta já ouvida numa reportagem da TV: "Como quer que valha a pena ir pescar se o peixe que vem do Vietnam é vendido muito mais barato nos grandes supermercados?". Seria interessante o filme analisar como é possível a estes 11 homens competirem com os grandes supermercados (até porque o mérito poderá ser da mestra).
Só de fugida se fala numa questão importantissima: a filha da mestra diz que quer ir viver para Lisboa quando for crescida, e o filho mais velho não sabe se quer tomar conta do negócio.
O filme escolheu uma família de Caxinas do segmento médio alto, proprietária do barco de pesca. Deixa os espetadores na ignorância sobre os pescadores de menores rendimentos da povoação.
Os pescadores moram em Caxinas e o barco aporta a Aveiro. Durante a viagem por estrada, na carrinha de apoio ao transporte do peixe e do pessoal, assiste-se a conversas pelo telemóvel pela condutora, enquanto o filho mais novo é transportado ao colo no lugar do morto sem cinto de segurança.
O filme é apoiado pela associação pró segurança dos homens do mar, mas veem-se os pescadores sem os fatos térmicos que substituem os coletes de segurança, vestindo calças de oleado com botas que agravam as condições de flutuabilidade em caso de queda ao mar.
Fala-se em GPS, não se fala em balizas de chamada de emergencia nem em rádios de identificação digital e chamada seletiva (pouparia o trabalho ao mestre de, por telemóvel, pedir à mulher para os ir esperar a Aveiro; esta poderia segui-lo pelo programa localizador de barcos).
Poderá parecer pretensioso da minha parte falar nestes pormenores, mas muitas das mortes de pescadores de Caxinas em naufrágios e nas estradas poderiam ser evitadas com melhor apoio à divulgação e aquisição de equipamento de segurança.
Nesse sentido foi pena não ter sido explícitada a utilização de equipamentos de segurança.
Ter-se-á perdido uma boa oportunidade para sensibilizar os pescadores para o seu uso, e as entidades oficiais para a necessidade de apoio.
Receio que as pessoas da cidade acabem por apreciar o filme pela sua curiosidade, pôr uma senhora da cidade, atriz com dramas existenciais de insegurança da sua profissão, a viver durante os meses de verão no meio das mulheres que trabalham duramente com o peixe em Caxinas e em Aveiro.
Esteticamente é muito bonito, mas penso que as normas e os equipamentos de segurança poderiam ter intervindo mais.





quinta-feira, 25 de abril de 2013

Viva o 25 de abril







                                    Viva o 25 de abril de 1974





















Estaleiros de Viana do Castelo, 24 de abril de 2013

Honradamente se indignam os trabalhadores dos estaleiros e o presidente da câmara de Viana do Castelo perante o que tudo indicia ser uma conduta de sabotagem económica por parte do senhor ministro Aguiar Branco.
Ao não querer fundamentar perante a Comissão Europeia os 181 milhões de euros de fundos públicos nos estaleiros.
Ao não querer apresentar um plano de reestruturação que dinamize os estaleiros (a câmara já apresentou as bases para esse plano) e resolva o caso do Atlantida. 
Continua a aguardar-se o dinheiro para os motores e chapa para os asfalteiros, embora o senhor ministro da Economia anuncie uma verba de 3.500 milhões de euros para a reindustrialização.
Se isto não é sabotagem económica, insensibilidade, incompreensão, ignorância profunda das realidades industriais, o que será? 

Por isso, por este ser um caso paradigmático do mal que os nossos governantes estão a fazer ao país, transcrevo as palavras elegantes com que Batista Bastos os define no DN:

"Olho para os rostos destes que nos têm governado e não reconheço neles qualquer semelhança com os nossos rostos comuns ... As sombras que neles poisaram são repintadas de vigílias tétricas em que se arredaram o bater comovido do coração humano e o pulsar da  mais escassa ternura. Como conseguem viver nesta  miséria de fazer mal, de nos fazer mal?"

PS em 6 de maio - Segundo uma noticia de 29 de abril do Transportes em revista, foi adjudicada a primeira partida de chapa para os navios asfalteiros. É desejavel que estas coisas não se passem em secretismo, mas a cultura dos nossos decisores é assim. Vai ser extremamente dificil cumprir o contrato, aguardemos a evolução da relação com o cliente venezuelano.
Entretanto, soube-se que existe uma exceção na diretiva europeia à proibição de investimento público em empresas públicas: quando se trata de equipamento para a defesa nacional. O que no caso dos estaleiros de Viana era o caso, passe a redundancia. Não haverá portanto razão para a devolução dos 181 milhões de euros.


quarta-feira, 24 de abril de 2013

A fusão fria, a correlação divida publica-crescimento económico e o plano de crescimento

Há uns anos, um par de cientistas pândegos fez uma conferencia para demonstrar a sua descoberta da "fusão fria".
Claro que era uma fraude, uma violação dos princípios do método científico de verificação rigorosa por terceiros da metodologia e dos resultados de uma investigação.
Este episódio contrastou com a demonstração do teorema de Fermat, concluida depois do seu demonstrador ter corrigido uma deficiencia apontada pelos matemáticos.
Pelos vistos o método científico tambem falhou na teoria da correlação entre níveis elevados de dívida pública e baixas taxas de crescimento.
A apresentação dos resultados pela dupla R-R foi feita em 2010 ("Growth in time of debt") e serviu para fundamentar as politicas de austeridade, na medida em que associava as baixas taxas de crescimento de muitos países ao seu elevado grau de endividamento publico.
Os resultados da sua observação estatística davam para uma correspondencia entre dividas publicas superiores a 90% e recessão de média de 0,1% do PIB (crescimento de -0,1%).
Poderia portanto concluir-se que paises com elevada divida publica deveriam suspender o seu crescimento para não aumentar ainda mais a divida.
Ou dizer-se que baixando a dívida através de cores e sacrifício de vendas de património a recessão induzida não seria grave.
Só que os cálculos foram refeitos e concluiu-se que a uma dívida publica superior a 90%  corresponde para os respetivos países uma taxa de crescimento de 2,2% do PIB.
Ou que o multiplicador da austeridade afinal tem um efeito superior "ao esperado", para repetir o que o senhor ministro das finanças português diz muitas vezes, e como há poucos meses a senhora diretora do FMI envergonhadamente reconheceu.
Ficou assim provado que a surpresa da recessão (ou da espiral recessiva, como o referido senhor ministro e os seus secretários de Estado não gostam de ouvir) só era surpresa para quem se tinha enganado nas contas do Excel.
De facto, descobriu-se que os senhores R-R, ao fazerem a soma de uma coluna de dados no Excel, deixaram de fora algumas células, o que naturalmente alterou a correlação.
Depois, verificou-se que os "investigadores" dispunham de dados ao longo de 110 anos de observações, mas que só utilizaram dados de 96 anos (que nome tão feio que isto pode ter).
E finalmente, a ponderação dos dados forçou a conclusão (idem).

A conclusão é simples, e que é a de que andam uns senhores economistas académicos a recolher dados e a trabalhá-los no sentido que lhes convem  e a quem lhes paga, e não com o objetivo científico de estudar soluções concretas para os problemas das comunidades.
Claro que é esta a impressão que nos dão tambem os nossos académicos quando vociferam contra a despesa pública.
Mais valia que se preocupassem tambem com a despesa privada, sem prejuizo, naturalmente, de trabalharmos todos para a melhoria da eficiencia dos sistemas públicos, nomeadamente com a taxa de rentabilidade dos investimentos.
Afinal, no país do "que parte da frase não há dinheiro não percebe?" apareceram 3.500 milhões de euros para a CGD emprestar às pequenas e médias empresas.

Pena, tudo isto, a falta de espírito científico dos académicos do FMI e seus representantes no governo português, e pena a incapacidade da sociedade portuguesa se organizar para pôr de pé um plano consistente de crescimento.
Que o apresentado pelo senhor ministro Álvaro Pereira é uma boa relação de boas intenções (muitas delas repetidas por quem discorda do atual governo desde que ele tomou posse), que faz lembrar a anedota do salão de beleza (a senhora explicou ao marido que tinha chegado tarde porque tinha ido ao salão de beleza, e o marido questionou, então porque não ficaste mais bonita?). A referencia à desburocratização depois do Siplex ter sido torpedeado tambem faz parte do estilo farsa. Com tanto dinheiro para investir, porque é que não se investe bem? Um método de abordagem para bem investir poderia ser, talvez, analisar por que, por esse país fora existem tantos parques industriais ao abandono? (resposta: falta de um plano estratégico integrado e participado a todos os níveis; esperança vã de que as empresas, por si só, dinamizem a economia).
Não esquecer ainda uma condição básica: é que não basta ter uma taxa de crescimento do PIB (o plano fala em 2% até 2020) . É essencial que essa taxa seja superior à taxa de juro (sabe-se que os nossos benfeitores nos emprestam entre 3 e 4%, sem o que o endividamente subirá como o balão que sobia que sobia. Ou, como diria Fernão Lopes, a taxa de juro tem de ser inferior à taxa de crescimento, senão, não.

Sintetizando, mantem-se válida a observação do prof.Carvalho Rodrigues: é indispensável que a ciência faça parte da equação (o que infelizmente não se tem verificado até aqui).

Referencias:
- Análise de Luis Reis Ribeiro sobre o estudo de R-R em
              www.dinheirovivo.pt

- plano de crescimento até 2020 em




Clotilde Rosa, a fraternidade, o abraço






Clotilde Rosa, harpista e compositora de musica contemporanea.
Em entrevista à Antena 2, falou que a musica é o apelo à fraternidade, lamentou que a mensagem não fosse entendida por esse mundo fora e concordou entusiasmada quando o entrevistador disse que a musica é então um abraço.
Clotilde Rosa participou na escola de musica contemporanea de Darmstadt, com Jorge Peixinho.
Apesar de tudo, há Cultura.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Teoria das nomeações em ambiente de crise financeira

Este blogue não gosta de discutir política.
Mas como dizia Aristóteles, a politica entranha-se na nossa condição animal.
Gostaria de manter a perspetiva física e económica das coisas de interesse público, que costumo dizer ser a perspetiva do Dr Spock da nave Entreprise, "fascinante", mesmo quando a ameaça parece exceder a capacidade de recuperação.
Como é o caso.
Depois da obstinação do atual governo em não querer mudar porque "enervaria os mercados" ou seria "incumprimento dos compromissos" (ou não seria obstinação, seria simplesmente incapcidade de compreensão do espírito dos acordos ou memorandos e dos seus fundamentos), assiste-se agora a um desfile de novos secretários de Estado.
E como são nomeados?
A mim me parece que se mantem válida a teoria da minha professora de instrução primária.
Que os lusitanos, quando tinham um problema, se sentavam à porta das suas cabanas, à espera que os conhecidos que passassem os esclarecessem sobre o que fazer.
A teoria é portanto o privilegiar a pessoa conhecida ou recomendada pelo conhecido, em detrimento duma ação anterior, de cariz coletivo e estruturante de uma sistematização de conhecimentos baseados na experiencia e testáveis pela experimentação.
Por outras palavras, a decisão sobre o que fazer dependia mais do prestígio não testado de quem dava a sua opinião, do que dum conhecimento estruturado.
Trata-se de uma teoria, para mais de dificil comprovação, uma vez que os lusitanos já não estão cá e os seus vestígios são esparsos.
Mas os habitantes da região parece seguirem o mesmo critério nos tempos que correm, a avaliar pela maioria dos senhores secretários de estado selecionados.
Os ambientes e as áreas de atividade são pequeninos, há pouca massa crítica, os gabinetes de advogados que tratam dos assuntos públicos têm os seus representantes no Parlamento, os secretários de Estado que tratam da regulação das empresas e dos bancos trabalharam antes de o serem ou vão a correr trabalhar para eles depois de sairem do governo, quem no governo superintende uma auditoria tambem se audita a si próprio, o meio é pequenino e defende-se muito bem de investidas dos cidadãos comuns.
É um sintoma da disfuncionalidade da sociedade portuguesa, as equipas de decisão não se formarem  naturalmente a partir dos meios cientificos e técnicos de quem tem experiencia nos respetivos negócios; não resultam, essas equipas, de um debate aberto e participado, independentemente de cores politicas.
A experiencia recente mostrou que nos casos de exceções a esta regra pode haver demissões mal explicadas, como sucedeu com o secretário de energia anterior. Consta que os problemas do defice tarifário e das rendas de compensação pela intermitencia das eólicas, apesar de precisarmos de poupar nas divisas com que se importa gás natural, terão sido determinantes do conflito.
Consta, porque infelizmente as coisas não são bem explicadas.
Mas será interessante ver o que a senhora nova secretária da defesa vai fazer com a questão dos Estaleiros de Viana do Castelo e do Atlantida.
Será que vai terminar a obra de destruição dos estaleiros e despachar ingloriamente o Atlantida? Ou, demonstrando sensibilidade e conciliação femininas vai procurar soluções em debate participado?
E os senhores secretários ex-administradores do metro do Porto, para serem despachados com presteza, terão prevaricado assim tanto com os CDS - credit default swap, essa invenção derivativa tão criativa e tão destrutiva? Não se terão limitado a cobrir o risco da variação das taxas de juro? Terão especulado? Comprado outros CDS que não os dos contratos de financiamento do metro? Transacionaram COS (collaterized obligations) cujo seguro eram os CDS? Sabiam que os COS e CDS eram transacionáveis mas sujeitos a cotação variável, apesar da ideia ser conseguir uma taxa fixa de juro para o financiamento? Que se as taxas subissem havia um seguro e uma vantagem, mas que se baixassem haveria uma desvantagem superior (ao menos que fosse igual) ? Terão alterado montantes de financiamento na esperança de ganhar algum dinheiro com o aumento das taxas? Ou simplesmente são peças de xadrez comidas para criar uma nova dinamica ao atual governo?
Não se sabe, porque o secretismo é grande, assim como não se sabe, nem nós no metro de Lisboa sabiamos, em 2009, o que o senhor presidente da altura fazia com os contratos de CDS.
Apenas sabiamos que o senhor era muito criativo em questões financeiras e muito restritivo nas despesas. Mandava-nos, nos orçamentos, cortar uma percentagem relativamente ao ano anterior, "chumbava" as propostas de investimento em alterações das estações para adaptação aos passageiros com mobilidade reduzida, tomava decisões sem perceber os pormenores técnicos que ingloriamente tentavamos explicar-lhe, combinava diretamente com empresas de telecomunicações a instalação de equipamentos na galeria das novas extensões sem avisar o colega responsável pelas telecomunicações. Em suma, consubstanciava o que sempre criticámos nas nomeações das administrações das empresas públicas: sem experiencia no negócio, militante do partido no poder com funções de comissário politico, prepotente na tomada de decisões. Mas não sabemos de facto os termos em que negociou os contratos CDS. E contudo, por essa altura, representantes do Tribunal de Contas frequentavam amiúde as instalações do metro de Lisboa... raramente se é solitário nestas coisas.
É verdade que também nessa altura pouca gente sabia o que eram COS e CDS (ver em
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2011/01/inside-job-ii-inside-job-verdade-da.html  ) e portanto os próprios  
negociadores podem ter sido levados por um entusiasmo de ignorante.
Mas também nessa altura tinha ocorrido a falencia do Lehman Bros, do Merryl Lynch e da seguradora AIG (esta a grande "bolha" da questão).
Então os especialistas de finanças não saberiam na altura que os COS e os CDS estiveram na origem da crise?
Pobre democracia, que não tem meios de defesa das suas empresas públicas contra estes aprendizes de feiticeiro.
Ver as referencias deste humilde blogue ao assunto, a propósito das ameaças de privatizações/concessões e dos encargos financeiros exagerados das empresas públicas de transportes:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/02/privatizar-concessionar-ou-nao.html 

em que já se referem as preocupações em janeiro de 2013 da Direçao Geral do Tesouro e Finanças com as perdas potenciais (vá lá, se se ficarem por potenciais será  menos mau) devidas ao abaixamento da taxa de juro (a tal que é baixa com o objetivo de fazer crescer a taxa de crescimento e assim poder diminuir a divida; mas também não tem resultado) e à "volatilidade dos mercados" (conceito mais ou menos subjetivo para designar o ambiente de casino das bolsas).

Ver também os alertas que um partido politico da oposição já vinha fazendo há uns meses:
http://www.pcp.pt/h%C3%A1-anos-que-o-pcp-denuncia-esc%C3%A2ndalo-financeiro-dos-contratos-%E2%80%9Cswap%E2%80%9D

Mas enfim, da complexidade das questões é fácil aos senhores politicos conseguir o alheamento dos eleitores para as soluções, isto é, é fácil manter as politicas de engano aos eleitores e atribuir as culpas aos trabalhadores das empresas publicas e às politicas de defesa do estado social e de manutenção de atividades económicas de interesse público na esfera pública.

E assim vamos, em vez de nos sentarmos a uma mesa (ou mais mesas)  a debater  decisões a tomar em conjunto, mas respeitando as regras da discussão, para se atingirem objetivos, sem complexos de salvamento da nação.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Make love, not war

Make love, not love


E, de repente, uma multidão
por muitos lugares multiplicada
ornou de flores os caminhos da quimera
cantada na embriaguez feliz dos sonhos bons,
por quem não soube nunca perceber
a outra gente que, para além de Woodstock ou da vontade
de um Lennon a pedir que fosse dada
à paz a chance que ela merecia,
condescendia a cedência
do nome de Ho Chi Minh à demodée Saigão
mudando nomes e mantendo vontades
armada até ao dentes com a certeza
de que Lisístrata
por muito que com isso Aristófanes sofresse
não tardaria a sair de cena.

                          Nuno Gomes dos Santos,  "O musgo dos dias"

Aristófanes contou na sua comédia Lisistrata, que em grego significa "a que dissolve os exércitos", como a guerra do Peloponeso terminou depois da greve de sexo organizada por Lisistrata.
Estas coisas deviam fazer parte do programa oficial da instrução primária em todos os países do mundo.

Reabilitação urbana

A reabilitação urbana é uma área essencial para relançar o crescimento da economia e combater o demprego.
Já há muito que deveria ser objeto de estimulos e de afetação de fundos QREN pelo governo.
Mas a incompreensão dos senhores governantes e o distanciamento da realidade que os cateriza, ou o seu objetivo mal escondido de deixar degradar e corromper a economia e a sociedade, impede o desenvolvimento da reabilitação.
É verdade que não se trata de pintar fachadas, o problema é mais vasto e envolve reurbanização, com reestruturação e emparcelamentos de numeros matriciais, aplicação sistemática de técnicas de isolamento e eficiéncia energética (passivação energética),  reconfiguração de percursos e modos  de transporte.
Tudo coisas dificeis de entender pelos decisores governantes.
Mas é sempre bom ouvir a opinião de pessoas como Rui Rio, presidente da câmara do Porto: "o governo não entende nada de economia... quer fechar o país ... se o governo entende que a reabilitação urbana do Porto está a correr mal (reprovou as contas da Sociedade de Reabilitação Urbana) é dramático ... dificilmente se encontrará um projeto de investimento público com um efeito multiplicador desta natureza".
Choca, pensar que pela Europa fora e no nosso país um grupo de pequenos yupies de baixo valor cultural conseguiu impor uma cartilha neo liberal de estrangulamento da sociedade organizada em nome de um ideal de iniciativas privadas que não se desenvolve.
Mas foram eleitos, é verdade. A Democracia não tem defesas contra estes pequenos nibelungos.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Estaleiros de Viana do Castelo, 18 de abril de 2013

A mim continua a chocar-me a conduta do atual governo com os estaleiros.
É verdade que a decisão de anular o processo de privatização e  substitui-lo por um de concessão e decidir um processo internacional de venda do Atlantida  é um progresso, mas lento, inadmissivelmente lento.
Terá servido de desculpa os 180 milhões de euros que  a Comissão Europeia acha que foram indevidamente injetados.
É possível, mas vi no metropolitano devolver-se dinheiro de fundos.
Embora pessoalmente pense que era defensável justificar os fundos invocando as excecionalmente dificeis condições de construção do tunel e estação do Terreiro do Paço, como o acidente provou, ao ter na origem precisamente a adjudicação da construção da estação (que implicava destruição parcial do tunel )  por concurso público a um empreiteiro diferente do construtor do tunel (motivando a perda da garantia, como qualquer comprador sabe).
Ignoro se os 180 milhões de euros poderiam ter uma fundamentação semelhante, que o governo prefere manter o secretismo. Mas sei que a lei da concorrencia que impede os governos de financiar empresas públicas serve para impedir que esse auxilio prejudicasse, por discriminação, as empresas privadas. A lei não serve para beneficiar empresas privadas estrangulando empresas públicas, porque isso não é concorrencia.
Invocando a necessidade de reindustrialização do país, conceito caro ao senhor ministro Álvaro Santos Pereira, a existencia de recursos para financiamento nos bancos que não são utilizados, seria assim tão dificil inscrever os 180 milhões numa divida a amortizar em 30 anos que cobrisse tambem o investimento em chapa e motores para os asfalteiros venezuelanos?
E não poderá negociar-se um tratamento de exceção? Agora que existe um especialista internacionalmente reconhecido em direito comunitario?
Choca-me muito a incompreensaõ e a incapacidade de decisão no caso dos asfalteiros: dada a complexidade do projeto, foi negociado um acordo com uma certificadora maritima.
Mas neste momento penso que já não é possivel cumprir o contrato com a Venezuela.
O caso do Atlantida mantem -se tambem gravemente chocante.
Um projeto escolhido pela empresa açoriana que os estaleiros tentam emendar (deveriam ter-se recusado a receber o projeto russo, que era desadequado para o Atlantico) e vão acedendo em adicionais não previstos no contrato e pedidos pela empresa açoriana, como os  motores para atracação, e com isso sobrecarregam o navio para alem das carateristicas da sua motorização, conduziu a uma situação que o governo não conseguiu compreender ou acintosamente deixou degradar.
Põe-se de facto a duvida, se é incompetencia, ou bloqueio de incompreensão perante alternativas imprevistas do ponto de vista juridico, ou se é vontade de eliminar os Estaleiros.
Pelo mau comportamento do governo neste caso, há quase dois anos, manteem-se as duvidas sobre se poderá levá-lo a bom porto.
Enfim, se o governo já compreendeu que não é aplicável a receita da privatização, compreenderá que um concurso público para concessão poderá, pela sua complexidade, especificidade , exigencia de conhecimento do meio, ultrapassar as competencias de consultores ou gabinetes de advogados que venham a ser contratados?
Não quererão considerar a hipótese de, por isso mesmo, por não haver na legislação da contratação pública procedimentos que prevejam todos os pormenores e que talvez se possa avançar para parcerias envolvendo, por exemplo, o governo da Noruega, para entregar a gestão dos Estaleiros a uma empresa norueguesa que ia fabricando e contabilizando as rendas e as amortizações da divida ao longo do período da concessão? (era assim que os ministros das finanças depois da bancarrota de 1892 faziam...e os do século XVII, a seguir à restauração, também...). Mas que façam isso sem secretismos, e com debates alargados, para que depois não venham justiceiros querer pelourinhos.

A manutenção também é uma arte




A manutenção também é uma arte.
Aliás a técnica é uma convergencia da teoria cientifica e da capacidade artistica, como diz o étimo.
O trabalho técnico de manutenção serve fundamentalmente para garantir a continuação e o prolongamento da vida útil das construções e dos equipamentos em condições de segurança e de eficiência operacional e económica.
A intervenção de manutenção no elevador de Santa Justa e no passadiço para o largo do Carmo valeu a pena. 
Era necessária, e contribui para o sucesso do turismo (terão os serviços oficiais do turismo contribuido para o financiamento da obra de manutenção?).
A falta de manutenção poderá ser uma economia a curto prazo, mas as consequencias da degradação dos equipamentos e das construções poderão ser graves e de custos superiores (vamos correr o risco de pagar as consequencias de um desastre para poupar os custos para o evitar - ainda bem que neste caso não foi aplicado este principio economicista).





indícios de que o escoamento das águas e a monitorização estrutural das fundações do convento do Carmo estão a merecer atenção


valeu a pena o trabalho recente de manutenção; ficou bonito e garante a segurança da estrutura


onde era uma livraria, é agora uma padaria -pastelaria de novo estilo


equipamentos bem mantidos são bons para o turismo; pena a conceção artistica dos grafiteiros

A parte dos juros

Com a devida vénia ao DN e ao cartonista José Bandeira


José Bandeira consegue explicar as coisas em menos do que um minuto.
Não é possível reduzir a dívida pública se a taxa de crescimento do PIB  for inferior à taxa de juro dos empréstimos.
Situação agravada quando a dívida é superior a 120%.
Todos os senhores ministros das finanças sabem isso, incluindo o senhor ministro finlandes.
O problema das taxas é um problema típico da matemática e da física, é o problema da velocidade com que uma grandeza varia em relação a outra. 
A análise da relação entre o crescimento do PIB e o crescimento acumulado dos pagamentos ao credor (taxa de juro) é semelhante à avaliação que o condutor da carrinha que vem atrás de mim faz quando eu consigo deixar um espaço maior; ao ver esse espaço maior o condutor acelera e depois trava a fundo para não bater no  meu carro.
Como qualquer problema complexo presta-se à demagogia dos governantes e dos académicos ao serviço dos governantes e dos grupos financeiros.
Uns dizem que o problema da dívida se resolve com cortes na despesa pública, outros que em vez de construir centrais hidro elétricas se deve reduzir o consumo, ignorando a necessidade essencial da taxa de crescimento para corrigir as assimetrias de condição da população. 
Outros só reparam nas variações homólogas (mês dum ano para o mês do outro, por exemplo) das grandezas de impacto económico, esquecendo a importancia dos valores absolutos (o numero de funcionários publicos não é elevado, o que é elevada é a percentagem da despesa relativamente ao PIB; se o PIB crescesse o indicador seria razoável).
Complicado, discutir estas coisas sem os conceitos de taxa, quociente, derivada, estarem bem assimilados por quem discute.


quarta-feira, 17 de abril de 2013

Um minuto de economia - porque cresce a divida publica


Um minuto de economia

Num minuto pode dizer-se muita coisa, embora a síntese não seja o meu forte.
Então analisemos:
Parece lógico que quanto maior a despesa pública maior a dívida pública, não é?
Só que só é parcialmente verdade.
A essência das finanças públicas não está aqui.
O que torna a divida publica insustentável (e já é mais do que 123% do PIB...) é a taxa de crescimento ser inferior à taxa de juro dos empréstimos.
Portanto os senhores que mandam mentem ao povo com todas as suas forças quando o responsabilizam pela dívida pública e propõem os cortes na educação , na saúde e na segurança social.
Cortando nos benefícios sociais temos assim os pobres a financiar os ricos rentistas, pr mais que o senhor ministro das finanças diga que a economia é o ponto de encontro da cooperação entre os que vivem do seu trabalho e os que vivem dos rendimentos do trabalho dos outros (que bonito, um mundo sem conflitos sociais...que conto de fadas tão bonito que o senhor ministro das finanças conta).
Não é que eles não saibam que isto é uma espiral recessiva.
Não são incompetentes, sabem perfeitamente que é uma espiral recessiva, mas é preciso manter viva a chama do pecado original.
Quando nascemos já trazemos a culpa.
È do que os “mercados” precisam, do complexo de culpa dos contribuintes.
Já passou o minuto?
Então eu resumo:
cortar na despesa publica tem um efeito recessivo, logo menos despesa publica significa maior diferença entre o crescimento do PIB e as taxas de juro (nesta perspetiva, 3% que é o juro da troika é demais e a divida pública não parará de crescer), e essa maior diferença significa maior divida publica.
Logo, cortar na despesa publica de forma cega é um atentado contra os cidadãos e cidadãs. O essencial está no crescimento do PIB (investimento publico ou privado, não interessa, mas investimento reprodutivo).
E que se deve fazer a quem comete atentados?

terça-feira, 16 de abril de 2013

A experiencia de Worgl, a rede bitcoin, a ecomoeda e a rede CES (community exchange system)


Os arrumadores encontraram este nicho de mercado. São ilegais, mas a EMEL não é, e ocupou o nicho. É uma empresa da esfera pública que parece dar lucro (ainda não se lembraram de a privatizar?).
O pequeno prego no prato da balança era ilegal, assim como não é economia tributável a pequena moeda pedida pelo mendigo. Mas os bancos cobram uma pequena comissão sobre as contas à ordem.
E se fizéssemos ao contrário, isto é, se a comunidade não organizada em estruturas públicas fizesse o mesmo que o Estado?
Não digo emitir moeda, como na experiencia de Worgl. O presidente da câmara depositou no banco uma dada quantia e emitiu certificados de conta de igual valor para pagar ordenados. Com estes certificados, de validade temporária para que o dinheiro circulasse depressa (a velocidade de circulação da moeda é proporcional às mais valias geradas), os cidadãos e cidadãs pagaram as suas contribuições, as suas despesas de alimentação e roupas, e a câmara pagou a construção de infraestruturas. Não consta que tivesse havido qualquer “bolha” financeira ou esquema de Ponzi. Apenas que o banco nacional da Áustria interditou a experiencia. Estava-se em 1933, quando a Áustria vivia um regime politico muito semelhante ao que vigorava em Portugal. Ver em:

Mas podia tentar-se a generalização das experiencias em curso pelo mundo fora (não nos querem convencer de que a globalização é a felicidade dos povos?) com a criação virtual de moeda através da Internet (acho que os especialistas de “marketing” poderão chamar a isto a “desmaterialização” da moeda.
As informações seguintes foram retiradas do Dinheiro vivo e depois, de referencia em referencia, da internet.
Curiosamente, a série de sucesso nos USA, Good Wife, em emissão no canal Fox, dedicou um episódio a este fenómeno (Mr.Bitcoin).
Ver sobre a bitcoin, moeda virtual baseada em encriptação e  redes peer to peer,  no Dinheiro vivo em

Sobre redes peer to peer, caraterizadas pela descentralização, tão difamadas por causa da partilha de arquivos violando os direitos autorais, ver em:

Ver tambem as explicações sobre a bitcoin, namecoin e litecoin na Wikipedia:

Não sendo tão complicado como as redes encriptadas de geração automática bitcoin, temos ainda a experiencia catalã da ecomoeda, semelhante ao conceito de banco do tempo, em que cada participante se inscreve na lista de serviços que pode prestar à rede, pagando à rede em horas os serviços que utilizar de outros participantes.
Num país com grande tendência para a economia paralela e de subsistência em domínios restritos, poderia ser interessante tentar estas experiecias.
Ver em:

De salientar ainda a experiencia australiana das redes CES (community exchange system)
Ver uma explicação curiosíssima sobre os graves inconvenientes do conceito da moeda convencional (“a moeda que conhecemos não é um serviço neutro proporcinado pelo governo; o fornecimento do nosso dinheiro vem de instituições privadas numa base de lucro. Este sistema monetário foi concebido para beneficiar os que o fornecem e não os que o utilizam”) em:

A rede bitcoin já foi objeto de regulação nos USA.
Na UE parece que o BCE ainda anda a pensar o que há-de pensar sobre o assunto, mas certamente que achará mal e desconfiará da possibilidade de fraudes, embora a rede bitcoin se auto proteja contra investimentos milionários.
No entanto, tal como na experiencia de Worgl, seria interessante pensar na possível aplicação.
Que tal começar por experimentar na Madeira?



segunda-feira, 15 de abril de 2013

O mercador de Veneza, consultor da troika

Vamos ver se percebi bem.
A divida à troika é de 78 mil milhões de euros.
Deste valor, 26 mil milhões, emprestados pelo FMI, têm de ser amortizados em 13 anos, até 2024, penso que pagando um total de 31 mil milhões (2,4 mil milhões de juros por ano, capital e juros).
Os nossos governantes e os nossos benfeitores, considerando que afinal a recessão tambem se deve aos erros de apreciação cometidos na elaboração do memorando e ao efeito recessivo das medidas aplicadas e da "conjuntura" internacional (estranho, há regiões do globo que nem por isso, mas tambem é verdade que não aplicam as medidas da UE) concederam o seguinte benefício: alargaram o prazo de amortização dos restantes 52 mil milhões de euros de 13 para 20 anos.
Então, aos 52 mil milhões de euros que teriam de ser pagos em em 13 anos, até 2024, corresponderia um valor total pago de 62,5 mil milhões de euros.
Mas como só é preciso pagar em 20 anos, até 2031, então o valor total será de 68,8 mil milhões de euros.
Acho que percebi bem, a oferta que recebemos é ter de pagar mais (não teriamos de pagar mais em valores reais se existir inflação e se a taxa de juro não for mexida, o que é uma hipótese destemida, além de que, se houver inflação, terá de se produzir mais para se obterem os mesmo euros e não haverá aumento de produtividade que consiga ganhar os tais euros).
Com a desculpa de que se paga menos por ano, e de que a taxa de juro nos "mercados" seria o dobro, acham os nossos governantes e os nossos benfeitores que foi uma grande ajuda e ficamos a ganhar.
Como comentou Jeronimo de Sousa, os credores ficam sempre a ganhar.
Shylock, credor de António, o Mercador de Veneza, não faria melhor.

Eu diria que o que ajudaria seria baixar a taxa de juro de 3 para 2 ou 1%, e ajudar este pais a produzir alimentos e energia (assegurando a compra dos excedentes, por exemplo) que lhe permitissem equilibrar a balança de pagamentos.
Mas os nossos governantes dirão que é uma utopia (além dos grupos financeiros e bancos perderem "mercado") e os grandes sábios do direito internacional explicarão que as diretivas comunitárias não o permitiriam (como disse? estas não permitiriam, mas outras, decididas para ajudar a resolver a crise, permitiriam).
A economia tem destas coisas, permite, como diria Dinis Machado,escolher um disparate ou o seu oposto, por maior que seja o disparate, e haver muita gente bem formada e instruida a dizer que sim, que é muito boa solução.





Excerto de "O mercador de Veneza" de Shakespeare, metáfora da ideologia das taxas de lucro e dos cortes. Ver em: 
http://www.elivros-gratis.net/livros-gratis-william-shakespeare.asp


SHYLOCK - Ora essa! Vede como vos exaltais! É meu desejo prestar-vos um obséquio, conquistar-vos a amizade, esquecer-me das injúrias com que me maculastes, suprir vossa necessidade, sem tirar proveito nenhum do meu dinheiro. No entretanto, não me quereis ouvir. É amiga a oferta.
ANTÓNIO - Realmente, muito amiga.
SHYLOCK - Quero dar-vos prova dessa amizade. Acompanhai-me ao notário e assinai-me o documento da dívida, no qual, por brincadeira, declarado será que se no dia tal ou tal, em lugar também sabido. a quantia ou quantias não pagardes, concordais em ceder, por eqüidade, uma libra de vossa bela carne, que do corpo vos há de ser cortada onde bem me aprouver.


Securitarium - Ivalandia, país seguro em 2012




A Ivalandia é um país seguro.
As suas estatísticas nunca foram de confiança, não por causa de quem faz as estatísticas, mas porque a recolha de dados, ou a falta dela, debate-se num mar de dificuldades.
Tal como a exposição e a interpretação dos dados.
Parece que é genético, o ser difícil registar e interpretar dados de forma fidedigna.
Eis porque o relatório de 2012 da segurança interna (RASI)  diz claramente que o crime violento diminuiu (melhor diria que o numero de registos de crime diminuíu) , mas que o numero de homicídios subiu. 
Isto é, morre-se mais, mas morre-se com menos violência.
Não, não é bem assim, não se pode retirar esta conclusão. Houve menos crimes violentos porque o roubo por esticão é considerado um crime violento, e o seu número baixou.
Mas o número de homicídios subiu.
Subiu 27,4%, para 149, quase um homicidio dia sim dia não. Tal como o assalto a ourivesarias.
Evidentemente que os analistas sociais já há muito estabeleceram a correlação entre desemprego e abandono escolar por um lado, e criminalidade pelo outro. Essa correlação considera o tempo de reação entre a circunstancia ativadora da correlação e a manifestação das ocorrências (o tempo de reação entre o abandono escolar e a criminalidade é maior do que entre o desemprego e a criminalidade).
Mas claro que estas correlações são mantidas longe dos discursos dos senhores ministros, enquanto no Parlamento os senhores deputados defensores da politica do governo acusam de irresponsáveis os deputados da oposição que insistem que não é o aumento dos recursos das policias que, por si só, garante a segurança.
Entretanto, para tranquilizar os estrangeiros que habitam em Portugal, especialmente os reformados, são anunciados reforços de meios policiais no Algarve (recordo como há estrangeiros reformados que ainda gostam de viver em Portugal; os azulejos do mercado de Setúbal que forma destruídos pelo desmoronamento da parede sul estão a ser recuperados e substituídos graças ao mecenato do casal Muller, alemães aposentados que se fixaram em Portugal).
Penso que, no contexto recessivo e de aumento de desemprego que se vive, seria essencial uma politica ativa de emprego, tal como está inscrito na Constituição da Republica, por mais que isso contrarie os principios económicos do governo e da troika (o desemprego contem a inflação – lei de Philips).
Divulgar portanto os casos de homicídio, longe de ser um convite ao pânico das populações, será encarado como proposta de mudança de politica securitária do governo, atuando a montante, como prevenção, e não como remédio depois da casa assaltada (aliás, o número de assaltos a casas subiu).
Registo o assassínio em ambiente de grande violência de um cidadão de 78 anos em Moreira de Cónegos em 10 de abril de 2013, com agressões à esposa e à funcionária.
E em 14 de abril, o assassínio do segurança do hotel D.Afonso III em Faro.
Não chega a desculpa da imigração, porque muitos destes crimes são cometidos por portugueses. É natural que, havendo desempregados imigrantes, a sua participação nos assaltos seja proporcional à sua presença no país e à sua taxa de desemprego.
Registo ainda a contenção de custos da FERTAGUS, reduzindo os encargos com empresas de segurança e transferindo as funções de segurança para pessoal interno, numa altura em que as agressões a seguranças aumentam. É claramente um caso de regressão do nível de qualidade do serviço prestado e um exemplo de que as empresas de transporte sofrem as consequências da politica governamental de recessão (por outras palavras, os encargos das empresas de transporte com a segurança contra assaltos deveriam ser imputados à divida púbica e não das empresas).
Contrariamente ao afirmado pela FERTAGUS ao comunicar o fim da contratação de empresas de segurança, o “outsourcing” neste campo pode ser vantajoso para as empresas de transporte, libertando os seus agentes para as funções especificas como transportadoras.
Pensemos como o que deixo escrito deve ser pouco compreendido pelos enviados da troika, em cujos países o indice de desemprego e, especialmente, o indice de violencia nas empresas de transportes, é consideravelmente mais baixo.
E se não compreendem, como podem alterar as suas propostas?

domingo, 14 de abril de 2013

Critica de cinema

1 - Guia para um final feliz - Zut e zut, como dizia o Tintin. Que filme bem feito e bem representado. Como retrata fielmente o problema do relacionamento, especialmente o amoroso,  dos jovens adultos com problemas mentais. Carateriza muito bem e com profundidade as esquizofrenias e as maniaco-depressivas. A industria cinematográfica norte americana funciona muito bem. Devem ter tido consultores de psicologia de elevado nível. Porém, o filme foi feito para dar lucro, e por isso, como o próprio nome indica, tinha de ter um final feliz. Não é o que diz a observação, um final feliz para pessoas com problemas psicológicos. Que filme bem feito, com uma boa história, e como o final feliz estraga tudo (embora a atriz tivesse ganho um Oscar, ou talvez por isso mesmo), para não estragar as audiencias.
2 - Terra prometida - Possivelmente este filme ficará como documento da expansão das prospeções de gás natural pelo método da injeção de água e químicos e fratura subterrânea das camadas de gás de xisto. Os USA conseguiram a autonomia em gás natural (essencial para o aquecimento doméstico) desde 2005 com a utilização desta técnica de perfuração e fratura por pressão hidráulica. A oposição dos ambientalistas tem sido vencida perante as vantagens económicas, como o filme explica, chamando a atenção para os riscos potenciais (há casos em que a fratura das camadas provoca contaminação dos lençois freáticos; chega-se ao extremo de o gás em suspensão na água captada num lençol contaminado permitir a chama na água à saida da torneira. Porem, tambem aqui o final feliz, o happy end apresentado como cativador da simpatia das audiencias estraga o final do filme. O heroi arrosta destemidamente a grande empresa prospetora de gás para quem trabalhava como angariador de concessões pelos proprietários de terrenos, demite-se e fica com a menina professora da povoação rural. Mais um exemplo de final feliz a estragar tudo.
3 - Wellington, filme de Valeria Sarmiento sobre a derrota dos invasores franceses e sobre os sacrificios impostos ao povo português pela mania imperialista de Napoleão. Wellington optou pela construção das linhas de defesa. Era uma conceção que perdurou até à segunda guerra mundial. O responsável português da altura não concordava com esta estratégia. Achava que, se o povo tinha tomado a iniciativa de resistir aos invasores nas suas próprias povoações, o exército defensor não deveria esperar a arremetida do exército francês. Valeu a Wellington a incompetencia dos generais franceses, para alem da politica de terra queimada que lhes dificultava a subsistencia.  Wellington pôde prosseguir a sua luta triunfante contra o tirano Napoleão, mas a soberania portuguesa ficou seriamente afetada e dependente da Inglaterra, para mais prejudicada pela secessão do Brasil.Fica para a história a dúvida sem solução: como teria sido se tivesse prevalecido a estratégia do general português e não a de Wellington? O exército francês teria sido igualmente derrotado? a rapina de obras de arte que conseguiram fazer teria sido a mesma? a evolução politica e o relacionamento com o Brasil teria sido a mesma?

Castrados



Como dizem os franceses, "chapeau" para o cartonista André Carrilho, e a sua metáfora "castrados" no DN Opinião Déjà vu.

A Republica, ou a Democracia, ou a Constituição, violada, e o castigo dos violadores pela Justiça, cega (há quem defenda antes uma castração química, também como metáfora, claro...).
Dirão os violadores que não foi uma violação, que foi a República, ou a Democracia ou a Constituição que, sem burka, e vivendo e exagerando no gozo da  liberdade, mereceu a intervenção e o corretivo.
Faltam de facto mecanismos de defesa, de participação das pessoas de bem de modo a evitar estas coisas.
Mas os tempos são de insegurança, sem dúvida, e de riscos para quem vive em liberdade.

PS - antes que as dificuldades de expressão e de identificação da mensagem do emissor pelo recetor induzam alguém a  pensar que neste blogue se apela à violencia contra a opressão do governo, repete-se que se trata de uma metáfora, de uma transposição para o sentido figurado, como diz o dicionário. Efetivamente, as regras do debate devem ser cumpridas para que haja reconhecimento pelo recetor do que quis dizer o emissor, sendo certo que a lingua portuguesa permite más interpretações. Vejam-se as discussões tormentosas sobre o acordo ortográfico e o "esquecimento", quando se critica o acordão do Tribunal Constitucional com a reprovação das 4 medidas; um pequeno trecho desse acordão recorda que o governo tem toda a legitimidade para legislar sobre os direitos ou sua cassação dos funcionários públicos, mas que não pode violar uma lei que existe, por mais que uma eventual lei, no futuro, revogue essa lei. Nem é uma questão jurídica, é uma questão de lógica comunicacional. Salvo melhor interpretação, evidentemente.

sábado, 13 de abril de 2013

Diálogos de Siracusa - a diferença entre as regiões


Publius Coletius continuou com o seu jeito tranquilo de contemplar o mar enquanto lhe transmitiam as maiores desgraças da sua ilha.
Caio Indivisiu, com quem gostava de comentar as noticias que as trirremes traziam de Roma, lamentava, destroçado, as palavras do imperador, que vituperara a ilha do sul ao saber-se dos resultados do exercício do ultimo ano. 
Ele, grande proprietário da ilha, pagador de impostos e fértil em negócios nas províncias extremas do império, só conseguia retirar rendimento dessas provincias, que na ilha a plebe estava sem poder de  compra.
A ilha gastava demais com os seus centuriões, os seus questores, os seus pretores. Os impostos que mandava para Roma não chegavam para pagar o que Roma gastava na construção de teatros como o de Taormina, no transporte dos cereais, na formação dos construtores de aquedutos e de estradas  e na manutenção do exército.

Publius Coletius - Os prefeitos sucedem-se atarantados como mordidos por tarantulas, passe a redundancia.
Eu já te disse, Caio, o que deveriamos fazer, taxas sobre os agiotas, construção de vias de comunicação de elevada eficiencia energética, mas isso vai contra a vontade do nosso prefeito e do nosso pretor maximus, e quem liga a um pobre funcionário da Àgora, para mais reformado? 
Aproveitemos então para fazer o que o grande Anaximandro e o grande Socrates, de Atenas, faziam, contemplar o ceu e o mar enquanto discorremos sobre as hipoteses das causas de tanta desgraça, de tanta diferença entre as regiões do Império, e de como poderiamos corrigir isso.
Lembras-te quando o grande Spartakus conseguiu unir os produtores diretos do trabalho, os escravos, e fez uma redistribuição de rendimentos?
Os patrícios que não fugiram para Itália viram os seus rendimentos reduzidos e os artesãos, soldados e escravos viram os seus proventos aumentados. 
Agora tudo volta ao mesmo, os rendimentos a voltarem aos grandes patrícios, como tu.
Caio Indivisiu - Muito sofri eu, na altura, mas as coisas compuseram-se
Publius Coletius - Não para o pobre Spartakus, pendurado na cruz como um Cristo
Caio Indivisiu - Ele e os ladrões que o seguiam
Publius Coletius - Não lhes chames ladrões, amico meo, é pouco solidário, e nós homens devemos distinguir-nos de outras espécies pela solidariedade.
Sabes que o nosso código genético é assim, temos uma grande tendencia para a imitação.
Deve ser um  qualquer mecanismo dos nossos neurónios.
Se vemos um grupo de cidadãos com grandes rendimentos interrogamo-nos porque não os podemos ter tambem.
Caio Indivisiu - Ora, trabalhando, como eu.
Publius Coletius - Meu pobre amigo, se fosse assim tão simples... Mas não , só podemos pôr hipóteses. 
Em lugar de crucificar Spartakus, César devia ter dado ouvidos aos sábios da Grécia e substituido a força do escravo pela força do vapor.
Mas repara, não é só a nossa ilha que vive cada vez pior. O próprio imperador se queixa que cada vez falta mais dinheiro para trazer os cereais do Egito e para pagar aos centuriões da Capadócia, e o questor maximus não quer emitir moeda para que os preços não subam descontroladamente. 
Caio Indivisiu -  Mas eles em Roma reequilibram-se, eles conseguem crescer, e aqui, na ilha de Siracusa, as coisas estão cada vez pior, rerum sunt pejus,a situação degrada-se, corrompe-se, situ deteriorativus.
Publius Coletius - Pois é, mas repara que sempre que eles precisam de dinheiro arranjam agiotas que lhes fazem um juro baixo. E a ti que nunca falhaste com os teus pagamentos, que juro te exigem? Ainda tu, que tens propriedades até às faldas do Etna, uma multidão de escravos que trabalham para ti, ainda consegues equilibrar-te, mas os pobres pescadores, os pequenos artesãos, os padeiros, os soldados, os curandeiros, sem sestércios para investir nem para recolher do seu trabalho. 
César devia considerar Siracusa como parte integrante do seu império, e não como provincia subsidária e compradora das carroças e das trirremes que lá são fabricadas. 
Um artesão em Siracusa devia ganhar o mesmo que em Roma quando produz o mesmo. Mas não, o preço final do produto reproduz os custos de produção de todos os fatores. Depois dizem que é a produtividade que é diferente.
Caio IndivisiuQuid faciam? que fazer?
Publius Coletius – Aqui em Siracusa devemos unir-nos, patrícios, plebe, soldados, escravos, pretores, questores, enviados de César e cidadãos. 
Devemos repartir melhor os sacrifícios e os rendimentos. 
Tu podes continuar a ser um grande proprietário, mas os pequenos artesãos, os pequenos agricultores, os pequenos pescadores devem agrupar-se em cooperativas. 
Tempos virão a que se chamará a isso ganhar vantagem de escala. 
E temos de vencer a nossa aversão mediterrânica pela organização do trabalho em equipa,  temos de deixar de lado as nossas inseguranças desconfiadas, temos de nos aplicar a fazer planeamento, planos de transição da inoperância, ou da decadência, ou da hibernação, para o crescimento. 
Mas cuidado com a dimensão da atividade, para que os rendimentos decrescentes não surjam a obrigar a despovoar as cidades, a inviabilizar a gestão das coisas.
Caio Indivisiu -  Sempre utopista, amico meo.
Publius Coletius – Serei, mas acredito firmemente que se Roma e as tribos germânicas pagam melhor aos seus artesãos do que nós aqui em Siracusa é principalmente porque os agiotas lá têm mais dinheiro nos bancos e emprestam a taxas de juro mais favoráveis. 
Não é a diferença no rendimento do trabalho que justifica a diferença entre a nossa sociedade e a sociedade deles. 
Não somos mais preguiçosos do que eles, embora gostemos de apanhar sol nas nossas praias. 
Infelizmente temos de nos render ao maior poder do imperador de Roma, esperando que ele ou os seus pretores nos visitem e vejam como podem remunerar  melhor o nosso trabalho. 
Digo isto porque não quero fazer como Spartakus, embora seja um seu admirador.
Mas deixemos isto, amico meo, e visitemos o templo para com as vestais ofertarmos qualquer coisa à deusa Flora, a deusa do crescimento depois da latência do inverno. 









quinta-feira, 11 de abril de 2013

O coração e as algemas

Ouvido na Antena 2.
Poesia de Camilo Pessanha, musicada por Fernando Lopes Graça em 1971.
Interpretação de Ana Maria Pinto, que falou na transposição da última quadra para o contexto social e financeiro atual.



Na cadeia os bandidos presos!
O seu ar de contemplativos!
Que é das feras de olhos acesos?!
Pobres dos seus olhos captivos.

Passeiam mudos entre as grades,
Parecem peixes n'um aquario.
Campo florido das Saudades
Porque rebentas tumultuario?

Serenos... Serenos... Serenos...
Trouxe-os algemados a escolta.
Estranha taça de venenos
Meu coração sempre em revolta.

Coração, quietinho... quietinho...
Porque te insurges e blasfemas?
Pschiu... Não batas... De vagarinho...
Olha os soldados, as algemas!


                                         em Clepsidra

quarta-feira, 10 de abril de 2013

A ponte D.Maria Pia

Com a devida vénia aos autores de "Os comboios em Portugal", reproduzo duas das ilustrações do volume IV, dedicadas à ponte D.Maria Pia, sobre o rio Douro, inaugurada em 1877.
Ponte de treliças de ferro e arco único
Custo: 2880 milhões de reis  a amortizar em 36 anos
Projeto de Eiffel ou Seyrig
Comprimento: 354 m com arco de 160 m de corda e 42 m de flecha
Altura livre sobre a água: 61 m

Ilustração clara dos sacrifícios sofridos pela população portuguesa. Notar a referencia ao analfabetismo na ultima carruagem, o pilar da miséria e o fumo das ilusões

a ponte serviu até 1991, substituida pela ponte de S.João; é agora um monumento nacional, de manutenção prejudicada pelas dificuldades financeiras


Referencia:  "Os comboios em Portugal", de José Ribeiro da Silva e Manuel Ribeiro, ed. Terramar, 2008

PS em 14 de abril - curiosamente, num dos programas de atualidade politica na televisão, o prof .Viriato Soromenho Marques afirmou que uma das constantes mais marcantes da história de Portugal é o sacrifício do seu povo. A caricatura da ponte de D.Maria Pia ilustra esse facto. Ao longo dos séculos, estoicamente, a classe povo tem recebido das classes dirigentes algumas oportunidades, mas normalmente para manter os privilégios e as fontes de rendimento dessas classes dirigentes, por mais que o senhor ministro das finanças venha dizer que as entidades económicas são espaços de cooperação.





Doutores em economia e comentadores




Choca-me a dificuldade que temos em nos organizarmos.
Pessoas lúcidas que desempenham cargos de visibilidade mediática por vezes tocam na essência das questões e das suas soluções, mas escapa-nos, num instante nos esquecemos do que foi dito e subsiste a nossa dificuldade de trabalhar em equipa.

Uma hipótese é a deficiente estrutura da língua portuguesa em termos de capacidade de suporte de informação inequívoca, a dificuldade em fazer-se compreendida umamensagem (quando se diz que o presidente sancionou quer dizer-se que castigou ou aprovou? quando se diz que o primeiro ministro relevou quer  dizer-se que salientou ou que apagou? porque “pois sim” significa o mesmo que “pois não”? porque não se pode dizer “mais grande”?) .

Outra hipótese é a insegurança crónica de um povo habituado ao longo da sua história à maior das desigualdades, do fausto dos reis da pimenta no Terreiro do Paço à morte pela peste negra nas piores condições de miséria e abandono? do cultivo mais elegante e profundo da palavra de Camões e Fernando Pessoa à permanência da maioria do povo no analfabetismo até ao século XX? E que assim deixa espaço aos yupis intelectuais arrogantes e convencidos que definem as regras que devem ser seguidas.

Pessoas lúcidas já dizem que a força económica de grandes grupos devia ser compensada por cooperativas que ganhassem economia de escala para que as pequenas empresas suas sócias possam competir (cooperativa: 1 voz=1 voto, independentemente do numero de ações).

Pessoas lúcidas  tentam organizar a opinião pública em estruturas intervenientes (não este escriba, incapaz de mobilizar seja quem for).

Pessoas lúcidas pedem a reforma das regras eleitorais, mas as elites que se arrogam a representação da população sobrepõem a sua vontade de querer tudo para o mais votado, a pretexto de facilitar a “governabilidade” (e a prepotência de não ouvir as minorias, também), quando o que se pretendia era dinamizar a participação de todos.

Pessoas lúcidas tentam que o debate dos cidadãos comece ao nível das freguesias e que a opinião dos cidadãos seja canalizada até aos níveis superiores a partir daí. Mas as elites dirigentes e decisórias não querem.

E contudo, não foram as populações que trabalham no seu quotidiano que conduziram as coisas ao estado em que estão.
Foram as elites dirigentes.
Tampouco quem trabalha foi responsável pela crise internacional que se reflete na recessão europeia.

Por isso me chocam a segurança e as certezas dos académicos das faculdades de economia que pregam a cartilha neoliberal da redução do Estado Social.
Ouvi um comentador, ofendido com a reprovação do Tribunal Constitucional, dizer perante as câmaras da TV que o défice é do Estado e que é ele, cortando nos funcionários públicos e nos serviços, que tem de pagar.

Isto num país em que dívida privada ombreia com a dívida pública e em que as elites dirigentes se opõem à auditoria esclarecedora às dívidas para se saber  a quem se deve, avaliar a legitimidade da dívida e a hierarquização do seu pagamento.

Isto num pais em que os académicos se contentam com as estatísticas oficiais disponíveis e ignoram a economia paralela, a de subsistência, a de importação escondida e as isenções de IMI de grandes grupos imobiliários.

Falam portanto com base em valores de PIB, de taxa de desemprego e de importações e exportações que oferecem sérias reservas.
Mas os dirigentes, quer do governo, quer da troika, tudo resolvem com base nesses dados pouco fiáveis.

Por isso falhamos, por não nos organizarmos para esclarecer o valor do que produzimos e para produzir de forma mais eficiente, por não planearmos, por não fazermos planos de transição e adaptação.

Que fazer? como perguntava Lenine, não o senhor professor.
Claro que não devemos querer fazer o que ele, Lenine fez, porque a tecnologia evoluiu decisivamente depois dele (isto sou eu a desabafar, não é o senhor professor; perdoe-se-me o neomarxismo da análise). 
É que neste momento não são precisas correias de transmissão para distribuir a energia mecanica do veio do teto da oficina aos tornos de bancada. 
A ciência política e a de gestão dispõem hoje de mecanismos teleinformáticos de distribuição de inteligência (daí a alusão à raiz dos debates de cidadania ao nível das freguesias) que dispensam a existência de centralismo, a existência de messias num governo que tudo decide. 
Nada impede, nem a nossa instintiva tendencia para  a desorganização, que os governos sejam multi partidários de acordo com as regras da proporcionalidade, incluindo técnicos não dependentes de grupos económicos, de grupos financeiros ou de lóbis de escritórios de consultores e de advogados. 
Não há necessidade hoje de governos que se voltam para a imprensa e dizem: o governo está a estudar esse assunto e depois informará quando tiver o assunto estudado (com mais verdade diria que o governo contratou consultores em quem tem confiança para que eles estudem da forma que lhe agrada, ao governo, a questão).
Não brinco, esta é a tática usada pelo senhor secretário dos transportes quando fala sobre as concessões do metro e da Carris, ou pelo senhor ministro da defesa quando fala dos ofendidos estaleiros de Viana do Castelo, ou pelo senhor ministro da Economia quando fala dos hotéis que são contrapartida dos submarinos ou não são, sabe-se lá se são ou não, ou quando o governo fala da privatização dos CTT ou da RTP.
Ou nem sequer é a tática, quando não fala sobre a taxa sobre as transações financeiras ou sobre o jogo pela internet.

Que fazer, então?
É essencial que se discutam as coisas com conhecimento de causa e não com base no critério carismático da perceção pela população.
As coisas são o que são e as soluções devem ser determinadas pela análise técnica e não pela capacidade de exposição dos comunicadores.
As coisas funcionarão melhor se deixarmos os técnicos em cada área de atividade responder às perguntas do questionário simples: que soluções têm para melhorar a eficiência do seu trabalho? Não foi isso que fez o senhor ministro da saúde, apesar de obrigado a cortes cegos e desumanos? Porque não fazem os outros senhores ministros o mesmo? (na área dos transportes posso garantir que os governantes só querem ouvir áreas restritas de atividade, gostam muito de se socorrer de consultores para os quais não têm conhecimentos técnicos para avaliarem a sua competência, e que não gostam nada de ouvir a opinião dos simples técnicos).

Continuo a pensar que o chefe da esquadra de policia do filme “O ovo da serpente” de Ingmar Bergman, cuja ação decorre enquanto germina o fascismo alemão na cultura de inflação (ou 8 ou 80, para fugir à inflação afundamo-nos agora na deflação) tinha razão: “só quero que cada um faça o seu trabalho, o senhor é trapezista, faça  o seu trabalho; a economia precisa disso” (o que não impede obviamente o debate politico e social, mas exercer a profissão é essencial isto é, não pode haver tanto desemprego; devia ser este o centro do debate, e não é).

O senhor professor universitário de economia, muito apreciado pelos livros que escreve, defende na entrevista de grandes audiências a austeridade.
Que tem a grande vantagem de reduzir o consumo e assim aumentar a poupança, e quanto mais austeridade mais deviam cair os preços da energia, das telecomunicações, das matérias primas e das PPP.
Que os preços não estão a cair o suficiente (Hayeck e Friedmann não diriam melhor).

Perigoso pensar assim, faz lembrar o critério de realimentação: retiramos da saída do quadripolo uma amostra que aplicamos à entrada para aumentar a saída e por aí vamos.
Mas o senhor professor faz um ar zangado quando nega a espiral recessiva de que a entrevistadora lhe lembra os sintomas evidentes, chama a isso um jogo de palavras, e cita estudos de outros académicos que insistem que a austeridade não provoca recessão a prazo de 2 anos.

E explica a origem de todos os males: a baixa produtividade em Portugal, que cada trabalhador tem uma produtividade média de 17€/hora, quando na Irlanda é 50€/hora, em Espanha 30€/hora, na Alemanha 42€/hora e na Noruega 70€/hora.
A entrevistadora faz uma cara surpreendida e triste e pergunta como pode ser e o que é isso de produtividade “para que as pessoas lá em casa possam perceber” (esta ideia que as pessoas não percebem…) .
O senhor professor alegre e professoralmente explica que é por isso que os salários em Portugal são menos de metade dos paises ricos (na verdade, foi a primeira declaração da troika: os salários vão ter de baixar para adaptar o consumo à produção).

Transcrevo, sic:
“O nosso consumo é muito exagerado em relação à nossa produtividade…
É muito fácil explicar o que é a produtividade.
Há um produto que é produzido e é vendido; retiramos dessa venda os “inputs”, isto é, as matérias que foram compradas, a energia, etc. (o rosto da entrevistadora denotava surpresa e dúvida) e fica o resto, ou seja o dinheiro para salários, lucros e impostos, aquilo que se chama no jargão da economia, o valor acrescentado.
 Resumindo, é o preço de venda do produto menos as matérias-primas mais os gastos com os produtos incorporados. No fundo é aquilo que resta  para poder distribuir em salário lucros e impostos. “

E pronto, assim se explica à população, na qual estão incluídos os improdutivos, o quão grave é a improdutividade deles, especialmente quando comparada com a elevada produtividade dos professores universitários de economia.

Permito-me comentar:
O cálculo de 17€/hora consiste, parece-me, na divisão do PIB pela população ativa e da divisão do resultado deste quociente pelo número de horas de trabalho por ano.
Ora, como se disse acima, as estatísticas em Portugal são pouco fiáveis, e a culpa nem é do INE.
Há dúvidas sobre a dimensão da população ativa, há dúvidas sobre o volume da economia paralela que escapa aos registos, há dúvidas sobre o verdadeiro valor daquilo que se produz, se traduz um preço de mercado internacional ou se é um preço imposto artificialmente por prática escondida de damping (basta o governo chinês subsidiar ou facilitar instalações aos seus empresários, ou estimular a sobreprodução para chegar a preços marginais mais baixos, ou fechar os olhos à exportação clandestina de contentores, para que os preços sejam impossíveis de sustentar).
Isto é, o valor acrescentado por hora é mesmo 17€?
Não valerá mais?
Não?
Então porque valem mais os acrescentados de Espanha? por trabalharem mais depressa e melhor?
(Na verdade, parece-me que o senhor professor teria respondido melhor à senhora entrevistadora se tivesse dito que a produtividade é um quociente, e que no numerador está a quantidade produzida, ou o valor acrescentado, e no denominador está o meio ou fator de produção.
Aquele valor de 17€/hora é o produto anual por hora e per capita).
A produtividade pode medir-se em produto por numero de trabalhadores, por unidade de energia, por quantidade de matéria prima, por exemplo no caso de uma empresa de transportes, a produtividade pode medir-se pela quantidade de produto, isto é, de passageiros.km transportados, a dividir pelo número de trabalhadores, ou a dividir pela energia consumida por toda a empresa.

O conceito de produtividade é indissociável do conceito de quociente, é uma taxa, uma relação e não vejo os senhores economistas preocupados em que as pessoas discutam nessa base.
E se discutirem nessa base, conviria que atendessem a quem tem experiencia real, não apenas de gabinete.

Segundo um fabricante português de componentes para máquinas de café, que montou uma fábrica  na Alemanha com 90 trabalhadores, teve necessidade, quando transferiu a sua empresa para Portugal, de dimensionar a sua fábrica para  a mesma produção mas para 120 trabalhadores.
Efetivamente a produção manteve-se, mas a produtividade pessoal baixou (o mesmo não aconteceu com outros fatores de produção como o fabrico de moldes para os componentes, de que felizmente Portugal dispõe de boas condições).
Esse empresário explicava que não tinha preocupações com a menor produtividade pessoal, porque atingia os objetivos físicos, e que qualquer empresário devia contar sempre com isso, pelo menos enquanto se mantivessem as condições desfavoráveis que contribuíam para a baixa produtividade, desde carências de formação a todos os níveis, dificuldades sociais (creches, transporte escolar), pequena dimensão do mercado, dificuldades de transporte, de financiamento, impostos…

Infelizmente, só se vêem governantes e teóricos de organização que o que é preciso é despedir para melhorar os rácios (na verdade, o rendimento energético de um avião aumenta quando o número de reatores diminui, mas o A380 precisa de 4 reatores, não pode despedir nenhum; isto é, o rendimento do conjunto destes 4 reatores é superior ao do conjunto de 8 reatores de metade da potencia unitária; mais uma vez, cada caso é um caso que deve ser estudado).

Ainda bem que o senhor professor entrevistado soube apontar a principal causa da baixa produtividade em Portugal: a baixa intensidade capitalistica, isto é, o baixo nível do capital, dos ativos, dos meios de produção, equipamentos, software, instalações, tudo o que é necessário para que o trabalhador produza.
Mais uma relação, neste caso de 93.000€/trabalhador em Portugal, para uma média de 195.000€/trabalhador na Europa, e que ilustra o mau destino dado ao financiamento em Portugal: virado para bens e serviços não transacionáveis.

E sugere o reforço da dimensão das empresas (não disse, porque o senhor professor defende a lógica da selva de Darwin, que as pequenas empresas devem morrer para que as fortes triunfem, que é bom a austeridade e a crise selecionarem as empresas, mas eu diria que este é um plano estratégico ideal para desenvolver novamente as cooperativas, para ganhar dimensão, agrupando pequenas empresas).

Finalmente, o senhor professor apresentou a sua visão para os cortes na despesa do Estado, que tem de passar dos atuais 46% do PIB para 40% (que era o nível relativo há 15 anos) em 3 anos, o que dá aproximadamente um corte de 10.000 milhões de euros em 3 anos.
Ora, havia uma maneira de não fazer corte nenhum.
Bastava aumentar o PIB de 15% = ((0,46/0,40) – 1) x 100%
Eu sei que é utópico, mas citando José Torres no México, deixem-me sonhar, com um governo inclusivo, sem este primeiro ministro e sem este ministro das finanças, mesmo com este quadro eleitoral, desde que representando todas as sensibilidades.

Referencia: programa Olhos nos Olhos na TVI24 de 1 de abril de 2013 com Judite de Sousa, Medina Carreira e o convidado Avelino de Jesus