O título pode parecer estranho. Que tem a segurança rodoviária
que ver com o metropolitano? A cultura em Portugal assenta no conceito de
compartimentação que, em ultima análise, radica na especialização de áreas do
cérebro.
Porém, o que distingue o cérebro da espécie humana das
outras espécies, e até mesmo dos seus antecessores Cromagnons, é a facilidade
de comunicação entre os hemisférios cerebrais e a capacidade de desempenho da
função vicariante quando alguns centros especializados do cérebro são
danificados.
Quer isto dizer que uma maior comunicação entre áreas
aparentemente distintas representa sempre um estádio superior de organização
(sem de qualquer maneira pretender insinuar que quem não concordar comigo seja
vítima de qualquer limitação).
Donde, poderemos colocar a hipótese de que o desenvolvimento
dos transportes colectivos corresponderá a um aumento da segurança rodoviária
(quanto mais não seja pela redução dos fluxos de tráfego rodoviário), além de
que a exportação para a rodovia dos critérios de segurança usados na ferrovia
só poderá ser útil à comunidade, pese embora a consequente redução dos tempos
de percurso e dos caudais de tráfego.
Tudo isto a propósito de recente viagem de regresso a
Lisboa, pela A1, num domingo à tarde.
As 3 vias de transito da auto estrada (antigamente o Código
da Estrada chamava-lhes faixas de rodagem) eram percorridas a velocidades
médias da ordem de 140 km/h
(i.é, cerca de 20m/s) por grupos ou trens de automóveis de grande densidade,
que o mesmo é dizer que as 3 vias se encontravam cheias e o intervalo entre
automóveis era claramente inferior a 2 segundos . Este é o intervalo de tempo necessário para que,
considerando o tempo de reacção expectável dos condutores menos rápidos a
reagir, a travagem de qualquer automóvel, por motivo da desaceleração do carro
que o precede, seja feita sem ter de
recorrer a uma taxa de desaceleração maior pelo facto de se ter aproximado
demais durante o tempo de reacção e consequente efeito em cadeia perturbador.
Como se sabe, o critério de segurança na ferrovia é um pouco mais apertado
(considera a distancia de travagem até à posição do veículo da frente ou seu
cantão, e não até ao ponto ocupado pela sua traseira após a sua desaceleração
). Como sempre acontece nestas
circunstancias, eram frequentes as mudanças de via por condutores insatisfeitos
com a velocidade de 20m/s, o que vinha agravar as condições de segurança,
comprometendo até o critério do intervalo de segurança de 2 segundos
(correspondente para esta média a 40 metros percorridos sem que um condutor
padrão se aperceba que o carro da frente abrandou).
Porque nos deslocamos assim em grupo violando racionalmente
as leis da segurança?
Não é porque sejamos irracionais, sôfregos na condução ou
mal formados.
Simplesmente porque algures nos nossos cérebros estão os
mecanismos que foram deixados nos
neurónios pelos mesmíssimos genes que comandam o comportamento em grupo
(cardume, rebanho, manada, bando de pássaros) dos animais que utilizam as
técnicas de deslocação em grupo para resistir aos predadores.
Os periféricos visuais dos peixes e dos pássaros, quando se
deslocam em grupo, estão constantemente a monitorizar a posição do indivíduo à
frente, ao lado e atrás. E é a reacção do indivíduo mais próximo do predador
que comanda a reacção dos outros indivíduos. É uma gestão colectiva dos riscos
e da mobilidade. Não há condutores iluminados de multidões que assumam as
decisões sobre os movimentos, nem grupos organizados de enquadramento do
colectivo. O lugar de qualquer vítima dos predadores é imediatamente
reconstituído pelo critério de monitorização mútua.
Dir-se-á que esta gestão é uma forma superior, encontrada
pela evolução das espécies para reagir aos ataques (é curioso verificar no software da lógica de
segurança que controla os itinerários dos comboios a existência desta função de monitorização
mútua entre componentes dos sistemas, com alguma função vicariante em caso de
avaria).
Ficará por avaliar a hipótese de resposta à questão: até que
ponto será uma forma superior a
organização dos carnívoros que tiveram
de desenvolver a sua eficiência muscular, de modo que a energia que têm de
dispender seja sempre inferior à obtida com predação? Dito de outra forma:
estão os carnívoros condenados a caçar para não morrer, e por isso não só têm
de competir em velocidade com os herbívoros , como têm de ter maior força
muscular e são normalmente obrigados a caçar em grupo (os documentários do
National Geographic ou do Odisseia raramente
mostram, mas já o fizeram, cenas em que o coice dum búfalo mata uma
leoa, e digo leoa porque a evolução das espécies determinou que fossem as leoas
a caçar em grupo, coordenadas à distancia por um leão).
É verdade que há predadores solitários. O tubarão , por
exemplo, uma verdadeira obra de arte de engenharia de detecção à distancia e
também de força muscular e de mobilidade ao nível da boca e dentes (rotáveis).
Mas o habitat em que os tubarões se desenvolvem não é o
mesmo dos carnívoros como as hienas, que têm mesmo de se organizar em grupo,
por falta de outros atributos, força muscular, por exemplo. Por isso, um grupo
de hienas tem de se subdividir em sub-grupos, abordar em pontos e alturas
distintas toda a estrutura da manada e, persistentemente, flagelar os flancos,
infiltrar-se , manter a ligação, como se houvesse correias de transmissão,
entre os sub-grupos já no meio da manada, e os que estão fora. A manada
continua a correr e vai sacrificando os mais velhos e os mais fracos. Porém a força do número, pelo menos enquanto
a evolução das espécies não inventar bactérias e vírus que massacrem de forma
mais eficaz os herbívoros, permitirá que as manadas continuem o seu curso.
Não quero com isto dizer que os condutores das auto-estradas
são uma manada, sujeita aos ataques dos predadores tipo hiena que fazem condução perigosa e provocam
acidentes com prejuízo para toda a comunidade.
Quero apenas chamar a atenção para a necessidade de manter o
objectivo de chegar em segurança e garantir o respeito pelas normas de
segurança de qualquer meio ou sistema de transporte.
E isso não tem mesmo que ver com o Metro?