O meu amigo arqueólogo já me tinha dito que o país ainda tem algum orgulho nos seus vestígios da pré-história.
Não se conseguiu destruir tudo, não se conseguiu utilizar todas as pedras originais para construir habitações ou monumentos mais do gosto da nova época.
Na encosta norte do monolito da Póvoa de Lanhoso a construção da estrada de acesso à igreja e castelo pôs a descoberto um castro com várias habitações.
Idade do ferro, terceiro milénio antes de Cristo.
Reconstituição |
Gostavam de alturas, estes celtas/celtiberos (?) . Provavelmente defender-se-iam melhor assim. E lá no cimo fariam as suas práticas religiosas, nem que fosse apenas o que King Kong fazia do alto do seu penhasco, contemplava o sol e a paisagem .
Não gostavam nada destas povoações nas alturas os colonizadores romanos.
Talvez por isso os castros foram sendo soterrados, sacrificando apenas as pedras da parte mais alta das paredes.
Provavelmente algumas das pedras do castelo da Póvoa de Lanhoso terão vindo das paredes das habitações circulares ou quadradas dos castros.
Assim como algumas das pedras da igreja vieram do castelo.
A igreja culmina, no cimo do batólito, uma via sacra, muito vulgar nos montes minhotos, possivelmente por herança das religiões anteriores.
Interessante o inicio da construção deste conjunto religioso ter sido por volta do fim do século XVII, numa altura em que a dívida do país era muito grande, esgotadas as finanças com as guerras da restauração e com as reorganizações da sociedade portuguesa.
Mas talvez o dinheiro tivesse aparecido no sentido down-top, isto é, por entusiasmo popular e da burguesia comerciante e produtora agrícola em ascensão por contraste com a nobreza já pouco feudal, e buscando apoio no seio da classe sacerdotal.
Terá sido um bom investimento, porque em poucos anos a cornucópia do ouro do Brasil equilibrou as contas e permitiu alguma industrialização, pelo menos nos vinhos, nos têxteis e, naturalmente, nas pedras graniticas.
Ultima estação da via sacra |
A poucos quilómetros, noutro ponto alto, estende-se, imponente, por mais de 24 hectares , a citania de Briteiros.
Reconstituição |
Deduzo que todas estas pedras foram cortadas a partir do granito da serra e descidas até aos locais de construção.
Com um pouco de boa vontade concordarei com o meu amigo arqueólogo que aqueles traços na pedra são arte rupestre, uma representação antropomórfica com 5.000 anos de resistência à intempérie.
Os vestígios no terreno e os recolhidos no museu, em Guimarães, fazem supor que a comunidade era auto-sustentável.
E eu interrogo-me se esta construção circular de maiores dimensões,com bancos à volta, seria mesmo o conselho dos anciãos.
Porque se fossem sábios, os anciãos teriam conseguido encontrar forma de resistir aos assaltos de romanos, visigodos, suevos, árabes, francos.
Mas não, não encontraram.
Tiveram de fazer como Asterix, ou melhor, Vercingetorix.
Fantasio, claro.
Fantasio, claro.
Misturaram-se, e isso foi bom, mas desceram das montanhas.
Talvez este círculo fosse um circo, para distrair as pessoas, que não tinham muitos anos de vida para se distraírem.
Ou fosse um local de rituais sacrificiais, sabe-se lá se também humanos.
Porque não vejo vestígios da religião dos habitantes?
Será ignorância minha ou preconceito?
Que as religiões novas tentam esconder ou fazer desaparecer as religiões que vêm substituir?
Olho para estas pedras e penso que a origem das religiões está no cérebro do homo sapiens.
Que o cérebro da criança, sem que ninguém lhe insinue isso, imagina um companheiro para trocar impressões.
Não pode fugir a isso porque as sinapses se organizaram em neurónios que se espelham a si próprios, independentemente da realidade e da forma como ela é traduzida pelo cérebro da criança.
Por isso desapareceram os vestígios da religião.
Desvaneceram-se com os cérebros dos habitantes das citânias.
Cinco milénios depois, os rituais das salas de cinema ensinam aos habitantes das cidades, com o filme “Matrix” dos irmãos Wachowsky, que “a realidade é apenas um sinal eletroquimico nas sinapses” , que só existe por existir esse sinal.
Em vão tentou Platão sensibilizar os habitantes para a alegoria das sombras nas paredes das cavernas.
Em vão tentou Descartes convencer os habitantes a distinguir o sonho do acontecimento real.
Em vão tentou a academia das ciências britânica, mais ou menos na mesma altura em que começou a construir-se a via sacra pelo monolito da Póvoa de Lanhoso acima, que todo o conhecimento fosse testado e comprovado antes de ser admitido como verdade cientifica, e mesmo assim contestável, verdade só de nome provisório, porque sempre pode ter escapado alguma coisa à observação e à experimentação.
Prevalecem os neurónios auto-suficientes e indiferentes à realidade.
Como dizia o pedreiro cabo-verdiano, entrevistado durante as obras de construção do tunel do metropolitano entre o Marquês de Pombal e o Rato, quando a repórter lhe perguntou se as obras iam ser concluídas dentro do prazo:
“O que é preciso é ter fé, acreditar”.
Concluíram-se sim, dentro do prazo, a desconexão da Rotunda e o prolongamento do metropolitano até ao Rato foram executados dentro dos prazos, sim, em 1995. Não houve “derrapagens”, como tantos se lamentam que existe sempre.
Mas não foi por se ter tido fé, foi por se ter trabalhado bem.
Por isso oiço o governante pedir aos portugueses que “não deixem de acreditar” e sinto frio, porque acreditar assim é crer na realidade que é só a do cérebro e é descrer na força e na razão da argumentação.
Talvez o mesmo frio dos habitantes das citânias, quando lhes foi demonstrado que não podiam continuar a viver nas suas encostas, no meio das suas pedras.
Mas como Mel Gibson imaginou no seu Apocalipto, com elevada probabilidade houve habitantes das citânias que conseguiram sobreviver à fuga, e deixar o seu ADN por aí.
Não se sabe onde, mas por aí, mesmo sem acreditar, e talvez até por isso mesmo.
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