Tenho em comum com o senhor ministro das finanças o gosto dos números. No meu caso, não por acreditar que a realidade deles, números, seja mais real do que a realidade simplesmente ou complexamente realidade.
No caso do senhor ministro não sei, mas temo por vezes, perante algumas afirmações dele, que dê aos números uma importancia exagerada.
Foi o caso de ter dito que 80% dos portugueses tinham votado nos partidos que subscreveram o memorando com a troica.
Consultados os resultados eleitorais, eu diria que a soma das votações nos 3 partidos corresponderia a 78,4% dos eleitores que votaram.
E a 46,2% dos eleitores inscritos.
Não estou a dizer que o senhor ministro não tem legitimidade para tomar as decisões que toma, nem a valorizar a votação nos outros partidos, estou apenas a corrigir a percentagem de votantes nos 3 partidos.
46,2% dos portugueses habilitados para votar, e não 80%, apoiaram os partidos do memorando.
41,1% abstiveram-se.
Imaginemos, não pitagoricamente, isto é, retirando importância aos números dos votos “expressos” e tentando aproximar-nos da realidade, que no parlamento estavam vazios os lugares correspondentes a 41,1% de eleitores.
Os 3 partidos do memorando estariam em minoria.
Verdade que abstenção significa alheamento, mas quem se abstem também sofre as consequências da desgovernação da coisa publica.
Qualquer sociólogo se preocuparia com um sistema em que os cidadãos alheados quase superam os votantes.
E quando o partido abstenção tiver mais lugares vazios no parlamento que os deputados eleitos por voto “expresso”?
Vão os senhores políticos continuar de consciência tranquila a achar-se legitimados.
Gostaria de recordar o parecer de Boaventura Sousa Santos, de que mais importante do que discutir o papel das esquerdas ou direitas na crise, será o discutir como resolver a crise da democracia representativa, ferida pela indiferença dos abstencionistas e pela agressão da corrupção e da especulação financeira.
Embora pessoalmente preferisse medidas concretas imediatas do tipo das 22 medidas dos economistas aterrados, concordo que se deva debater em público a crise da democracia representativa.
Gostaria também de recordar o parecer de António Coutinho, presidente do instituto Gulbenkian de ciência, pela sua subversiva e lapidar definição do caminho a seguir (ver em
“a democracia deve evoluir adaptando os seus formalismos às descobertas cientificas.
Assim, deveria ser reformulado o papel dos partidos, centrando-os na ação formativa, sem prejuizo da sua liberdade ideológica, evidentemente, mas reservando a representação dos cidadãos no Parlamento a técnicas de amostragem (amplamente conhecidas da estatística, da sociologia, das metodologias das sondagens).
Isso permitiria uma mais perfeita representação da vontade e do sentir da população, e seria um desenvolvimento do que se faz já hoje com os jurados.”
Assim, deveria ser reformulado o papel dos partidos, centrando-os na ação formativa, sem prejuizo da sua liberdade ideológica, evidentemente, mas reservando a representação dos cidadãos no Parlamento a técnicas de amostragem (amplamente conhecidas da estatística, da sociologia, das metodologias das sondagens).
Isso permitiria uma mais perfeita representação da vontade e do sentir da população, e seria um desenvolvimento do que se faz já hoje com os jurados.”
Não tenho confiança nenhuma em que os principais atores da coisa publica se preocupem com estes conceitos, invocando certametne os superiores interesses da nação para os desprezar, mas é interessante pensar que há pessoas que têm outra opinião.
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