Dois comentadores do DN, com a capacidade de análise que me falta, designaram o senhor ministro adjunto Miguel Relvas um, por limpa neves do governo, e o outro, por carregador de pianos do governo. Outro comentador, possivelmente cedendo à mesma tentação a que a seguir também cederei, colocou a hipótese de que a aplicação continuada das medidas de austeridade ao povo português estimula e excita o senhor primeiro ministro Passo Coelho, a ponto de ele não conseguir conter o sorriso quando fala no assunto.
Reafirma este blogue que não gosta de discutir política, mas fascina-se com as disciplinas colaterais.
E como a sua imodéstia (do humilde escriba do blogue) o ilude como se fosse discípulo de Freud ou de Jung, tentemos uma análise das falas do senhor primeiro ministro.
O complexo (entendido como uma imagética que através do inconsciente conduz a uma distorção de comportamento) mais frequente nos governantes é o complexo de Hubris, revelando uma forma de humilhação dos governados.
O governante manifesta a sua superioridade pelo poder e pelo dominio de informação não acessivel aos governados.
Dado que o fenómeno tem origem no inconsciente do paciente, pode não revelar uma vontade consciente de diminuir os governados, embora se possa fazer a crítica de que a génese do complexo (a tal criação de imagens pelo inconsciente) pode ser preventivamente contrariada de forma consciente.
O complexo de Hubris explica também como o paciente passa a acreditar mais na realidade ou abstração com ténues ou virtuais ligações à realidade que ele criou (com as tais imagens do complexo), do que nas evidencias que a realidade lhe mostra.
Este isolamento ou insensibilidade aos problemas reais poderá ter alguma coisa em comum com a doença psicológica do autismo, mas não é propriamente autismo, podendo ser agravada pelo comportamento de grupo dos apoiantes, seguindo o habitual caminho de polarização, cristalização ou conglomeração de um pensamento aglutinante do grupo e de normalização e socialização.
Curiosamente, graças às análises dos comentadores referidos, verifico que o complexo de Hubris caraterizava o anterior senhor primeiro ministro, ou carateriza o senhor ministro adjunto, mais do que o atual senhor primeiro ministro.
Partindo da mesma observação desses comentadores, coloco então a hipótese de que o comportamento do atual primeiro ministro revela antes um complexo messianico, ou profético, de alguem a quem foi revelada a salvação e que foi incumbido de a executar.
No caso em estudo, são conhecidas as propostas, que são as da ideologia neo-liberal, de reduzir as despesas do Estado e de empobrecer a atividade económica com medidas de austeridade.
Às inevitáveis dificuldades diretamente consequentes destas medidas seguir-se-á, nisso se tem fé, o período de salvação ou de franco crescimento e de alivio das dificuldades.
Profeticamente e periodicamente, o senhor primeiro ministro anunciará as datas em que se verificará o inicio desse período, estimulando tambem profetas menores, os outros senhores ministros, a de vez em quando anunciarem a feliz data, tendo sempre o cuidado de sincronizar esse anuncio com o calendário das próximas eleições.
Este complexo messiânico está associado a um fenómeno extraordinário do cérebro humano, que é a capacidade de criar entidades virtuais, externas ao cérebro, com as quais se pode dialogar e debater decisões a tomar, como muitas crianças desde cedo revelam.
Esta carateristica, quando explorada em relação a um eleitorado, permite a esse eleitorado ter fé no conjunto de ideias ou programa eleitoral do paciente.
Mais curioso ainda, o programa eleitoral torna-se tanto mais atraente quanto mais inexequivel for.
Exatamente pela capacidade do cérebro dos eleitores em acreditar, através dum mecanismo de imitação ao nivel dos neurónios-espelho, nas fantasias do programa e na sua superioridade em relação às trivialidades da realidade.
Analogamente, um adolescente conquista a sua adolescente prometendo uma vida de eterno amor, sendo certo que dificilmente a conquistará se não o fizer. A tónica na verdade só será colocada depois de a conquistar.
Nesta perspetiva, prometer numa campanha eleitoral , em caso de necessidade de reduzir defices, penalizar através de impostos o consumo e nunca o rendimento do trabalho, não é uma mentira, mas um teste à capacidade dos eleitores de gerarem fé em torno das construções virtuais do cérebro do paciente.
Por mais que a realidade mostre evidencias, como seja o papel que a falta de regulação, deixando as entidades financeiras especular e manobrar verbas nos off-shores, teve na disseminação da crise, ou a omissão do BCE em emprestar diretamente aos estados ou emitir moeda até determinados limites de inflação, a construção virtual insistirá sempre e normalizará os apoiantes de modo a manter o poder politico, atribuindo as culpas de tudo a quem não pense como o paciente.
Sempre que o governante vítima do complexo messiânico, nas suas prédicas às multidões, cometer erros de análise devidos à grande distancia entre as criações do seu pensamento e a realidade, os seus sacerdotes virão em seu auxílio explicando que o paciente não errou na interpretação da realidade, mas foi antes a multidão que não soube interpretar corretamente as suas palavras.
Será ainda curioso analisar se o complexo messiânico será uma manifestação de juventude inexperiente e impulsiva, ou se a convicção de se ter recebido uma revelação sobrevem apenas na maturidade.
A hipótese é a de que no caso vertente se trata de uma simbiose, de uma mistura das duas condições tornada possível pela projeção, entendida aqui também no seu sentido psicológico, de gestores experientes de empresas (do grupo de empresas em que o senhor primeiro ministro exerceu atividade profissional), associada à revelação-ideologia neo liberal de minimização do orçamento do estado e desregulação das iniciativas empresariais (representada, por exemplo, pelo senhor ministro das finanças).
Quem toma as decisões gestionárias da res publica é assim a projeção da virtualidade de um gestor ideal, ajustando setor a setor as percentagens de população aos meios disponiveis, sem o condicionamento de limites à taxa de pobreza e ao coeficiente de desigualdade de Gini.
Assim se entende a politica de redução de ativos, quer materiais (privatizações, mesmo que o rendimento do capital obtido seja inferior aos dividendos anteriores), quer de recursos humanos (dispensa de funcionários publicos adstritos à saúde, educação, etc) e a sua eventual deslocalização para países estrangeiros (emigração).
Todas estas ideias-força se encontram em entrevistas de qualquer CEO de empresa de relevo.
Ainda neste caso de projeção psicológica não se poderá falar em humilhação ou desprezo pelos governados, dado que a componente do inconsciente se sobrepõe à vontade consciente, inibindo assim a imputação de qualquer intenção nesse sentido.
Como diria Mr Spock, do Startreck, fascinante, a problemática da psicologia, tão fascinante, que poderia sugerir-se a criação de um cargo público, à semelhança do Procurador Geral da Republica, de um Psicólogo Geral da Republica, para monitorização psicológica de quem exerce cargos públicos.
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