Venho de outro tempo.
No tempo em que a licenciatura de engenharia eletrotécnica no IST tinha seis anos, era costume, nas férias da Páscoa do 5º ano, o curso percorrer os principais aproveitamentos hidro-elétricos do país.
Tratava-se de um tema que interessava tanto os colegas da especialidade de correntes fortes, por mostrar como se podia atacar o problema da produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis, num país sem petróleo nem gás natural e com pouco carvão, mas também os colegas de correntes fracas, numa altura em que a eletrónica de comando e as telecomunicações começavam a tomar conta dos processos de produção das centrais.
Era a chamada viagem de estudo que precedia, no 6º ano, a viagem por várias empresas europeias que, aliás, a subsidiavam.
Eram atividades complementares do curso, que culminavam com um estágio de 3 meses, ou 3 meses distribuídos por uma, duas ou três empresas, durante as férias de verão, em Portugal ou no estrangeiro.
A esta distancia, muito antes da moda do Erasmus, era como os jovens privilegiados com acesso ao ensino superior, tentavam entender o mundo exterior ao seu mundo protegido.
Digo que era outro tempo, e que os jovens eram privilegiados, sendo raros os colegas de famílias de baixos rendimentos, porque nessa altura existiam no país pouco mais de 30.000 licenciados com cursos superiores.
Fiquei de olhos na cental de Picote e na estalagem de apoio, de que já falei a propósito do filme “Ruínas”, e por isso foi na central do Picote que passei o mês de Setembro de 1968, ano dos jogos olímpicos do México e do “Zip-zip”.
Lembrei-me disto porque a EDP anunciou, ufana, a entrada em serviço do reforço de potencia da central do Picote e porque, já não recordo onde, vi que um grupo de artistas se dedicou à exploração dos espaços das centrais, uma delas a do Picote, para realizar exposições e livros de fotografia.
Na verdade, o espaço dos alternadores e das turbinas é uma catedral impressionante e cheia de interesse estético.
Saber que ali está o trabalho de muitos e a capacidade intelectual de produzir energia útil dá vontade de confiar na espécie humana.
Mas era outro tempo, o meu.
As centrais do Douro internacional estavam guarnecidas, tinham o seu chefe (engenheiros técnicos), estavam agrupadas de modo a terem o chefe do escalão acima (engenheiro licenciado), as suas equipas de manutenção afetas ao grupo, com os seus técnicos de eletricidade e de telecomunicações.
Os díodos eram de selénio (cuidado que os vapores do óxido eram tóxicos), os reguladores dos alternadores eram construídos na base de amplificadores magnéticos, não havia computadores, cada central tinha uma sala de comando com muitos, muitos mostradores, mas sem monitores nem ratos.
Hoje as centrais estão abandonadas porque são completamente telecomandadas, no sentido das ordens de operação dos aparelhis de corte e dos alternadores e turbinas, quer no sentido das indicações de monitorização dos parâmetros e alarme.
Foi bom ter-se evoluído assim.
Ao longo da minha vida profissional fui sempre perdendo a aura do engenheiro que, ao princípio, sabia de tudo e a quem perguntavam o que devia fazer-se, para depois ficar para trás ultrapassado pela informática industrial.
Mas julgo que fiz o possível para beneficiar do progresso e, passe a imodéstia, para me ir atualizando um pouco.
Assisti por exemplo, à petulância e à auto-suficiência de representantes de fabricantes que apresentavam os seus equipamentos informáticos de controle de processos capazes de tudo resolver, mas construídos sobre processadores de baixa capacidade, desde o microprocessador 4040 ao HP1000, felizmente rapidamente substituídos pelos próprios fabricantes pelo 8085 e pelo HP9000.
Tive, pelo contrario, a sorte de acompanhar a evolução tecnológica que permitiu ao metropolitano de Lisboa instalar inovações tecnlógicas como centrais telefónicas de comutação temporal, “interlockings” de estado sólido (encravamentos de software de sinalização ferroviária) e um sistema de proteção e condução automática (que infelizmente foi desativado por uns colegas mais preocupados com a fatura da manutenção do que com os benefícios dos sistemas que ela mantinha).
Por isso tenho pena quando assisto à ideia primária dos decisores, que seguramente não tiveram experiencia ferroviária, de reduzir custos a todo o preço, sacrificando os quadros de pessoal, sem atender ao que dizem os mais velhos, os que vieram de outro tempo, e sem atender à contabilização dos benefícios do serviço público (como por exemplo a comodidade de ter um transporte para o bairro depois do teatro ou da ópera na Baixa ou do fecho do centro comercial).
Gostaria eu que esses decisores se sentassem à mesa com os interlocutores, e definissem planos de transição para não gerar os prejuízos que qualquer mudança brusca, conforme explicam as leis da Física, induz.
Como eu preferiria que os senhores que vão avisando a opinião pública para a possibilidade de despedimentos na função pública apresentassem antes um plano de emprego… mesmo que os vencimentos baixassem, desde que a diminuição dos rendimentos fosse feita na mesma proporção para todos os portugueses (não é inveja de quem ganha mais, é tentar explicar que há uma correlação entre criminalidade e desigualdade de rendimentos, estuda-se em sociologia).
Mas isso não se consegue deixando os mercados funcionar, ainda por cima sem regulação, como reconhece o senhor presidente da República.
Acho que vou estar de acordo com o senhor ministro da economia.
É preciso mudar de modelo económico, este que ele propõe e o senhor presidente também, não parece que vá servir à maioria da população.
Pelo menos é o que me parece, a mim que venho de um tempo em que e escola de Chicago, estrenuemente defendida pelo senhor ministro da economia, ainda não tinha vingado, ainda não tinha feito as suas primeiras experiencias na prática, no Chile, depois do golpe contra Allende, ainda não tinha permitido a Reagan e a Tatcher, no tempo do petróleo abundante e barato, iludir as populações, nem ainda tinha gerado o monstro das especulações financeiras, empréstimos e seguros de crédito sem sustentação e que depois se instalou nos próprios governos.
A economia não acompanhou o desenvolvimento tecnológico (não me refiro aos gadgets acessórios, evidentemente, refiro-me ao que é essencial para o bem estar das pessoas), pretende apenas servir-se dele para reduzir custos de produção, sem cuidar do valor e dos benefícios de cada um dos fatores de custo da produção.
Precisa de evoluir, a economia, salvo melhor opinião.
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