Os críticos do DN classificaram o filme como excecional.
Ganhou já prémios em festivais de cinema.
De modo que fui ver.
Concordo que a realização é muito boa, especialmente a direção de atores.
É raro verem-se atores portugueses a representarem tão bem no cinema, sem cabotinismos e sem artificialismos (pena o nivel do senhor professor de medicina estar um bocadinho abaixo relativamente aos outros atores).
É tambem de louvar o realismo dos cenários, que são reais, isto é, o filme foi rodado no bairro do Padre Cruz, zona antiga, na Pontinha, na Cova da Moura (penso eu) , na Brandoa, as terríveis urbanizações legais e ilegais atravessadas pelo IC16 e pelo IC17. Talvez exagere no realismo, porque vem a ideia que se está a querer mostrar a reserva dos selvagens para entretenimento dos alfas e betas, como contava o Admirável Mundo Novo.
Interessante também o tratamento de uma relação incestuosa sobrinho-tia, associada à promiscuidade das habitações.
Como aspetos negativos, poderá discutir-se se um chefe de um bando de droga tem paciencia para sentar ao colo e dar de comer a uma filha pequena, mas não são pormenores que afetem a qualidade do filme.
O que me parece francamente mau é o pormenor da inserção na história, o que era dispensável, do complexo de Electra. É verdade que Eça de Queirós tratou o complexo de Édipo na Tragédia da rua das Flores, mas era Eça.
Que tragédia portuguesa, somos todos muito bons, como diz o Prós e Contras, mas depois vamos às eleições e transformamos o filme em tragédia de faca e alguidar.
O senhor professor de medicina que anda metido com uma aluna de enfermagem não sabe que ela é sua filha, de quando ainda vivia no bairro pobre e andava com a mãe da aluna.
A mãe da aluna vai ter com o professor e descobre que ele é o pai da amante.
"Mas tu és a Márcia. Eu sou o Beto, lá do bairro. Não me reconheces?"
Não há filme que resista.
Porquê?
Porque o senhor realizador se considera um autor indiscutivel, porque como qualquer português se acha detentor da verdade e do talento para a exprimir e ai de quem não concordar.
E o filme serve tambem de metáfora para os nossos decisores se interrogarem como pode um país progredir se os seus habitantes são forçados a viver naquele ambiente de insalubridade habitacional, de insucesso escolar, de desemprego, de não integração e de cultura da droga?
Em resumo, um bom filme que à boa maneira portuguesa não quis corrigir um defeito.
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