domingo, 30 de outubro de 2011

Formas de falar dos senhores políticos neste fim de outubro de 2011

Há tempos este blogue dedicou-se à semiótica aplicada aos gestos (sinais) do senhor ministro Vitor Gaspar.
A semiótica pode ter aplicações até na criminologia, na avaliação do grau de verdade do que um suspeito diz, mas não era o caso.
Como não é agora o caso a observação de algumas formas de falar de senhores ministros e do senhor presidente da Republica. Já aqui tambem tinha sido comentada a forma desabrida como o senhor ministro da economia fala ("isso tem de acabar"), mesmo nos casos em que lhe dou razão , ou pelo menos, alguma. Mas tambem não é agora o caso.
Vejamos então:
1 - "o diabo às vezes está nos detalhes", presidente da Republica, a propósito dos detalhes técnicos das decisões do Conselho Europeu . É um dito interessante, possivelmente regionalista.  Na minha região diz-se mais "o esfolar do rabo é que é dificil", mas concordo. O meu problema não é esta forma de falar. O meu problema é parecer-me de uma grande ingenuidade o que também disse na conferencia ibero-americana: que os mercados andam a funcionar com "falta de transparencia" e "insuficiencia de regulação". É que tambem estou de acordo, mas falta de transparencia e insuficiencia de regulação é o que acontece quando se deixam os mercados funcionar, que é o que postula a cartilha liberal que orienta a posição ideológica do senhor presidente da Republica e do senhor primeiro ministro. Quanto à transparencia, este blogue já propôs uma coisa muito concreta (ver "Justiça Fiscal", de Saldanha Sanches, ed. Fundação Manuel dos Santos) : levantamento imediato do sigilo bancário. Quanto à regulação, estamos de acordo, mas penso que a regulação em que estou a pensar não é a mesma regulação em que o senhor presidente pensou. Enfim, esperar que o setor privado melhore, quando tem uma divida maior do que o setor público, parece-me que não há mercado que consiga, por mais transparente e regulado que esteja, mas enfim, eu sou um ignorante em economia.
2 - "a diplomacia deve ser a vanguarda das exportações, da internacionalização das PME e da captação de investimento estrangeiro", Paulo Portas. Estou de acordo, sinceramente o digo, e se Paulo Portas diz isso e eu também, tão afastado que estamos no pensamento, é porque é verdade. Difícil compatibilizar com a cartilha neo-liberal da escola de Chicago tão defendida pelo governo, não é? Mas deixe-me fazer-lhe um alerta: é que vanguarda tem conotações leninistas, embora seja legítimo desenvolver o princípio, em certas condições em que os mercados  funcionam sem transparencia, desregulados e com algumas crises de inibição e falta de flexibilidade; porém, o objetivo deve ser o das atividades serem fruto de trabalho em equipa e de debate generalizado (ver "A sabedoria das multidões", de James Surowiecky, ed.Lua de Papel).
3 - "Muitos países da UE só têm 12 vencimentos", Miguel Relvas, a propósito da supressão dos 13º e 14º vencimentos. Acho que os meus cabelos brancos me autorizam a supor que houve aqui uma imprudencia adolescente do senhor ministro. Penso que não é ofensa. Ser-se adolescente é ser-se generoso, embora essa generosidade possa ser consequencia de não se atribuir valor a alguns conceitos, como o da garantia do pleno emprego e da segurança social, por exemplo. Os mecanismos cerebrais da mielinização não foram ainda executados em toda a sua plenitude, e os psiquiatras estão de acordo em que a conclusão desse processo está a fazer-se cada mais tarde nas novas gerações. Nestas condições, os adolescentes têm dificuldaed em "se pôr na pele" dos outros, por exemplo dos que não usufruem dos privilégios que eles usufruem, como os iPhones e os iPads, e por isso são insensíveis, não por maldade mas incapacidade de processamento, não racional, mas emocional, das circunstancias decorrentes das condições de vida ou da deterioração dessas condições. Mas deixemos os adolescentes e centremo-nos no que qualquer jornalista de especialidade foi  correr investigar. Que o salário bruto anual médio holandês, sem 13º e sem 14º meses, é 3 vezes o salário médio português, com 13º e 14º meses. Bom, a Holanda é um misto de off-shore e in-shore, com práticas fiscais que deveriam merecer um puxão de orelhas dos burocratas de Bruxelas, mas vamos então para a Islandia, que disse que não pagava a irreponsabilidade dos bancos e por isso não pode "ir aos mercados". A comparação nas mesmas condições dá 4 vezes a favor dos islandeses (e noruegueses tambem).  Estará a Irlanda mais próxima? os irlandeses tambem têm de pagar as aventuras de bancos com prejuizos 5 vezes maiores do que os do BPN; mas têm um salário bruto 3,5 vezes superior. Bom, o salário bruto português é 4 vezes superior ao da Roménia. Depois disto, terá o senhor ministro aprendido que não podem apresentar-se numeros apenas sobre uma parte do problema (sim, já sei que a produtividade é maior nesses países;  a produtividade, o controle dos custos dos fatores de produção e a planificação da distribuição de rendimentos entre o setor transacionável e o não transacionável)? Terá? estuda-se na matemática e na lógica... mas sobre este assunto quero acrescentar duas pequenas observações, embora, por simplicidade, eu prefira que os 13º e 14º meses sejam integrados nos 12 vencimentos (evidentemente que, perante as comparaçoes anteriores, eliminar simplesmente iria piorar o nosso "ranking") .

3.1 - Seja uma taxa de juro de 2,4% ao ano e 0,2% por mês; se o subsidio de férias fôr de 1000 euros e só se pagar em Julho, o orçamento de estado pode contar com uma capitalização de 1000x0,002 (6+5+4+3+2+1) = 42€ ; quanto ao subsidio de Natal temos 1000x0,002 (11+10+9+8+7+6+5+4+3+2+1) = 132€ ; total capitalizado por funcionário público graças aos subsídios de férias e de Natal:  42+132 = 174€; e para 700.000 funcionários públicos: 121,8 milhões de euros; o senhor ministro disse que é disparate haver 13º e 14º meses? funciona como aforro do estado e garantia de disponibilidade para o consumo de férias e de Natal ;
3.2 - não seria melhor uma campanha publicitária intensiva do estilo "faça férias cá dentro" e "compre o que é nosso", para  limitar as férias no estrangeiro e a importação de bens para as compras do Natal, sem estes cortes antipáticos? e não seria mais correto "correr" o pessoal todo a certificados de aforro, mesmo com um prazo de carência de 5 anos e a juros ainda mais baixos em lugar de corte simples? seria uma parceria publico-privada democratizada; não acha imprudente provocar um corte tão brusco? as leis da Física explicam que variações de estado bruscas induzem forças de readaptação de grande amplitude... enfim, vamos ver como evoluem as coisas, mas por favor não venha com a desculpa de que a troica não apreendeu bem nas primeiuras negociações a dimensão da dívida das empresas públicas, que há muitos anos que um pequeno grupo de funcionários das empresas públicas vem protestando que não está certo recair nas empresas públicas o serviço da dívida dos investimentos nas grandes infra-estruturas... é que já era coisa sabida há muito...
4 - "a subida do salário mínimo para 600 euros, como pretendem os comunistas (aqui ficaria melhor o PCP, ou então "como pretendem comunistas", porque pode haver comunistas que não se identificam com o PCP, ou comunistas que trocariam a subida do salário mínimo por outras  medidas, como o levantamento do sigilo bancário e uma efetiva equidade fiscal, ou comunistas que não se identificam com as práticas de outros comunistas em outras coordenadas de espaço ou de tempo) seria demagógico e condenar a economia portuguesa ao que aconteceu a seguir ao 25 de Abril, com aumento de salários e o maior recuo das exportações dos ultimos anos", Alvaro Santos Pereira. Outra vez o senhor ministro da economia. Mais uma vez, só uma parte da verdade iluminada pelos números. Falta a outra parte. O senhor ministro gosta de focar a grandiosidade de uma parte da realidade. Gosta por exemplo de dizer que a produtividade por habitante teve um recuo muito grande logo a seguir ao 25 de Abril. Pois teve mas quando fala disso não diz que o país teve na altura o regresso de 500.000 cidadãos e cidadãs (acréscimo de 5% no denominador da produtividade por habitante) e que o relatório dos economistas do MIT de novembro de 1975 foi positivo; diz que o modelo foi de crescimento antes do 25 de Abril mas não diz que houve um afluxo de capitais durante e após a segunda guerra mundial e como sua consequencia; diz que as exportações recuaram a seguir ao 25 de Abril mas não diz que se vivia na altura as consequências da crise do petróleo de 1973, em que muitas empresas, especialmente inglesas, praticaram um boicote vergonhoso a Portugal (ver exemplos em próximo texto sobre experiência disto no metropolitano de Lisboa, quanto a boicote ao fornecimento de peças sobresselentes), e em que a fuga de capitais para o estrangeiro alarmou os economistas no ultimo trimestre de1973; efetivamente, houve uma translação da linha separadora da distribuição de rendimentos do capital e do trabalho no sentido do trabalho, mas isso foi porque ela estava muito chegada à direita, ao lado do capital. Salvo melhor opinião, são afirmações perigosas por ocultarem parte relevante da realidade e assim estimular a ilusão dos eleitores; salvo melhor opinião, claro, na parte do perigo das afirmações  e na parte da ilusão,  claro, claro.

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