sábado, 8 de outubro de 2011

Episódio do dia 7 de outubro da novela do PET

O PET não é nenhuma homenagem aos bichinhos.
É a sigla do plano estratégico de transportes que o senhor ministro da economia apresentou no dia 7 de outubro à comissão parlamentar respetiva.
Melhor fora, em vez de aparecerem coisas esparsas nos jornais, o senhor ministro ter distribuido o documento pelos senhores deputados para eles não irem em branco para a reunião.
Ou então ter feito um powerpoint muito bonito com muitas cores para ser de apreensão fácil.
Mas melhor ainda teria sido um debate aberto e participativo, como a internet permite, com recolha de contribuições, comentários e aproximações sucessivas.
Mas não, o senhor ministro prefere assim e esperar que o governo aprove o documento, que por enquanto é só seu.
Certamente que se terá informado bem.
Embora ninguém possa saber se se informou bem, porque para saber se se foi bem informado não precisava de se informar, já estava informado.
Aliás é por isso mesmo que é essencial os problemas serem debatidos sem secretismos, uma vez que a inteligencia de um grupo é superior à inteligencia de um individuo.
Por isso me pareceu despropositada a troca de palavras antes da votação que derrotou o requerimento que propunha o adiamento da audição.
Parece que as pessoas andam irritadas e propensas à discussão sem regras democráticas.

1 - OK, não há novo aeroporto. Vou continuar a suportar o cheiro da gasolina dos aviões quando está vento norte, o ruido das descolagens quando está vento sudoeste, o risco de acidentes em zona urbana com densidade elevada de postos de combustível e transporte do combustível para os aviões por camião. Vou continuar a ter pena de um aeroporto que rebenta pelas costuras, que não tem hipóteses de responder à procura porque parece nem sequer valer a pena fazer uma pequena obra na pista para aumentar o número de descolagens por unidade de tempo. Vou continuar a assistir ao desrespeito da lei do ruido que proibe o sobrevoo de hospitais.  Porque não há financiamento (si fuera una region autonoma española probablemente lo habria) terei de encolher os ombros porque o sigilo bancário não me permite contestar a asserção. Mas por favor não diga o senhor ministro que não há ambiente competitivo. Olhe que até há aviões cargueiros, de mercadorias, não é como gosta de argumentar? E não insista muito na tecla das "low cost". Como diz um gestor da TAP, elas são subsidio-dependentes das regiões turisticas. Veja lá não lhes dê tratamento de favor. E por falar em TAP, conviria explicar como se consegue privatizar, isto é, vender, por bom preço, impondo que o "hub" aéreo seja em Lisboa? Não é uma decisão do acionista maioritário? ou a lei das sociedades virou manteiga de amendoim?
2 - OK, 30 dias de férias nas empresas publicas de transportes são uma eternidade (realmente, eu, funcionário de uma delas, tive anos em que me sobraram muitos dias), conseguida em anos venturosos em que os senhores das administrações receavam que os sindicatos quebrassem a paz social com greves indesejadas. É de facto uma desigualdade relativamente aos outros trabalhadores. Devemos acabar com as desigualdades. Por exemplo, tambem nas contribuições extraordinárias para equilibrio do defice a aplicar igualmente aos rendimentos do trabalho e aos rendimentos do capital. Estamos de acordo contra as desigualdades.
3 - OK, integração das empresas das áreas metropolitanas em operadores unicos. Foi uma des decisões imediatamente a seguir ao 25 de abril de 1974. Mas os governos de então do PS, do PSD e do CDS não acharam bem. E depois, nos anos venturosos dos afluxos de capitais europeus, os governos das mesmas forças politicas acharam por bem manter os seus comissários politicos em empresas desagregadas. O senhor ministro chama-lhes fusões, o que pode ser indício de que a sua forma de efetivação seja a pior possivel, isto é, o mais afastada possivel das razões técnicas (técnicas no sentido físico e de engenharia do termo)  que deveriam estar na base das decisões, mas pode ser  que seja o meu pessimismo a falar. Ah, e por favor, considere, senhor ministro, as experiencias já havidas com as privatizações, como o metro de Londres, e não vá muito mais alem de algumas concessões na prestação de serviços. Não diga que não foi avisado. Considere tambem, por favor, o tratamento de favor que tem sido dado à FERTAGUS e  não acentue a subsidio-dependencia dos transportadores privados. Mas por falar em fusões, IMTT fundido com o Instituto Portuário e Marítimo? Há muitos anos havia uma especialidade numa faculdade de engenharia que era a de calceteiros marítimos; também pode ser bom para os fabricantes de veículos anfíbios.
4 - OK, SCUTs pagas. Mas repare, senhor ministro, não é mérito seu, é demérito dos governos anteriores. Não será mau entretanto falar com os técnicos de manutenção dos pilares das pontes. A manutenção é uma coisa que custa muito dinheiro, mas cuidado com os que dizem que é mais barato deitar abaixo e fazer de novo. Não digo que não seja, mas caso a caso, pode haver algum que não seja assim
5 - Dívidas, senhor ministro, são de facto mais que muitas. Mas repare, por exemplo no caso do metropolitano de Lisboa. Por um lado, ele cumpre uma obrigação social de transportar abaixo do preço de custo. Como já teve oportunidade de verificar, a designação de passe social é dúbia, uma vez que tanto beneficia, em valor absoluto, o cidadão ou cidadã de altos rendimentos, como o de baixos rendimentos (isto é, estamos a subsidiar quem não precisa), e a decisão de vender abaixo do preço de custo não foi alterada nos tempos venturosos do afluxo de capitais europeus. Não admira portanto que as despesas de pessoal sejam superiores às receitas de bilheteira (claro que é sempre possível otimizar a gestão de pessoal, mesmo sem ferir os seus direitos) . Por outro lado, o metro perde receitas quando se faz a distribuição das receitas com base em algoritmo desatualizado (quando a rede era menor). Por outro lado, o metropolitano teve de se financiar para pagar investimentos em novas linhas e estações que deveriam ter ido logo para a conta do Estado. Ninguém ocultou essa dívida no Metropolitano, mas as contas públicas foram sucessivamente evitando esta dívida, para grande escandalo dos trabalhadores da empresa e, honra lhes seja feita, dos gestores comissários politicos que, pelo menos nisso, discordavam das cúpulas partidárias com representação nos governos e dos sucessivos ministros das finanças. Curiosamente, o Estado cumpriu as suas obrigações nas expansões até ao Colégio Militar e à Cidade Universitária em 1988 e a dívida do metro era irrelevante até então. Depois disso, em 1992 ou 1993, não posso precisar, mas no governo do PSD anterior a António Guterres, quando se desenvolveu o plano de expansão da rede do metro, a divida começou a crescer incontroladamente até aos cerca de 4.000 milhões de euros de hoje (cito de cor). Não quero desculpar ninguem, nem a mim próprio, até porque o que se fez podia ter sido feito com menos dinheiro e adotadas soluções menos ricas, mas hoje vê-se onde o dinheiro foi gasto -  a divida é de 4.000 milhões mas foi contraida para construir o que está à vista.
6 - Que a oferta do metro é superior 400% à procura. É verdade, o senhor ministro não é mentiroso. Mas faz-me lembrar daquela vez que foi ao prós e contras e disse aquela de que o modelo de crescimento de Portugal era uma maravilha no tempo de Salazar e da guerra colonial com taxas elevadissimas e que agora era preciso mudar o modelo dos ultimos 10 anos porque não se cresceu (eu até estou de acordo em mudar o modelo, mas receio não estar a pensar no mesmo modelo). Como se o senhor ministro nunca tivesse dito nas suas aulas que um país com um PIB pequeno tem mais facilidade em apresentar uma taxa de crescimento elevada (é aquilo parecido com os rendimentos decrescentes, não é?), como se nunca tivesse falado no afluxo de capitais a Portugal na segunda grande guerra, como se o modelo de condicionamento industrial não tivesse sido condenado pelos professores de economia do meu tempo na universidade nos anos 60. Ou como se costuma dizer, com a verdade me enganas.
Uma oferta 400% superior à procura significa que a taxa de ocupação dos comboios é de 20%. Se na Transtejo a taxa de ocupação é de 200%, o senhor ministro devia estar agradecido, porque isso significa uma taxa de ocupação de 33%, o que é muito bom, atendendo à lotação dos navios e ao serviço prestado em horas mortas. No metro de Bruxelas, a taxa de ocupação é de cerca de 22% ( oferta superior 354%); no  metro de Paris 27,6% (oferta superior 262%). O diagrama de carga é uma coisa variável ao longo do dia, durante as horas de ponta os comboios andam cheios ou quase e é fácil ajustar a oferta à procura se se aumentar o intervalo entre comboios fora das horas de ponta e se se fechar o metro às 21:00. Pode fazê-lo, mas depois gasta mais dinheiro com autocarros. Mais uma vez aqui, uma politica de cortes repercute-se no abaixamento da qualidade do serviço. Mas pode fazer-se, se estamos a curar o doente até que ele não se levante da cama mas esteja curado (isto é, até o metro não dar prejuízo, mas tambem não transportar passageiros), pode fazer-se. Mas tem de facto razão, a taxa de ocupação do metro é demasiado baixa, tendo-se tomado recentemente medidas para  a melhorar. Porém, algumas coisas, tal como a dívida, são mais da competencia do Estado do que do Metro. Não é admissivel a politica de todos os governos de estimulo ao automóvel privado, para obtenção de receitas fiscais. Estima-se que a quota de transporte privado nas deslocações da área metropolitana seja superior a 60%. Isso significa um desperdicio energético e um excesso de emissões de CO2 inaceitável num pais desenvolvido  (a eficiencia energética por passageiro.km do automóvel é inferior à do comboio) . Acresce a prática, entretanto timidamente combatida pela CML, de estacionamento selvagem. Tudo isto contribui para a baixa taxa de ocupação dos comboios, tal como o arrefecimento da economia e as medidas de recessão tomadas pelo anterior e pelo atual governo. Considerar ainda a desertificação e degradação habitacional da cidade e a politica suicida de deslocalização de serviços para a periferia (por exemplo fecho do tribunal da Boa-Hora, deslocação da policia do Governo Civil, etc),  como causas da baixa taxa de ocupação.
7 - o TGV é fantasioso? a mim me parece que o termo "fantasioso" tem um significado pejorativo e não deverá ser usado numa discussão técnica. Mas talvez seja por eu ser muito sensivel, e ter feito as contas ao desperdicio energético de 1000 passageiros  por dia entre Lisboa e Madrid, transportados por avião em vez do TGV, mais eficiente energeticamente por passageiro.km do que o avião, por mais "low cost" que seja.



Conclusão, de momento - Enfim, tudo o que ouvi do PET foram declarações de intenções e tópicos a tratar (isto é, fazendo a analogia militar, será um plano tático).
Um plano estratégico contem fundamentação em análises de dados e em cálculos reais ou aproximados.
Pelo facto de eu não ter visto, não quer dizer que não exista, mesmo que seja uma adaptação do plano anterior  nunca apresentado na versão correta e aumentada que o governo anterior anunciou.
Sendo o senhor ministro professor de uma universidade, seria estranho que um plano estratégico não contivesse a fundamentação.
Para que depois, como dizia Chandler, a estrutura siga a estratégia.

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