sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Castor e Pollux



Castor  morreu primeiro.
Pouco tempo depois da morte da mãe.
Tinha uma figura e a idade de Cristo, magro, alto, barba escura.
Era o melhor desenhador de electricidade e todos  nós achávamos que iria suceder ao chefe da sala de desenho, quando este se reformasse.
As salas de desenho eram, antes da chegada dos programas de desenho com computador, comunidades com regras próprias, muito dependentes da personalidade do chefe e da sua capacidade de juntar as qualidades de “liderança” com uma razoável preparação técnica  e com uma boa memória para seguir o caminho de cada desenho ao longo da vida útil do respectivo empreendimento (normalmente a formação do chefe começava numa escola técnica em cursos rápidos e depois era desenvolvida pela experiência, mais ou menos protegida ao princípio, em colaboração por vezes exterior à empresa com engenheiros e arquitectos também do Metropolitano;   paulatina e santamente, vinha a seguir a eliminação dos concorrentes)
Mas com Castor não era assim.
A sua simpatia e a perfeição do seu trabalho levavam todos a aceitar a futura ascensão.
Pollux morreu depois.
Durante dois anos ainda o vimos nas proximidades da Rotunda do Marquês de Pombal, onde costumava esperar por Castor.
Pedia dinheiro em alta voz a quem passava, com o ar trocista, provocatório e desleixado que sempre teve.
Castor, doce e carinhoso, tentara combater a degradação de Pollux, abraçava-o, falava-lhe em voz baixa, pedia-lhe calma, ao mesmo tempo que ia compondo e alisando a camisa, suja e rota, as mangas do casaco coçado, que ele próprio, Castor, tinha comprado para oferecer ao companheiro e que sistematicamente substituia.
E Pollux desapareceu na noite, sucumbindo às infecções oportunistas que o virus IHV  proporcionara a Castor.
Castor foi uma das  primeiras vítimas da SIDA da nossa comunidade de trabalho.








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