O senhor ministro da Economia Alvaro Santos Pereira falou sobre as linhas orientadoras do plano estratégico de fundir as agencias de capital de risco.
Fiquei com a sensação dele estar a falar sobre coisas de que percebe, e de que eu não entendo.
Por isso, embora seja legitima a duvida e a colocação de diversas hipóteses, mesmo por quem ignore os pormenores do funcionamento das coisas concretas, não posso comentar a ideia da fusão dos capitais de risco.
Não tenho elementos para isso.
Por outras palavras, se fosse encarregado de gerir alguma coisa do género, teria de me informar sobre quem tivesse experiencia, de preferencia com diversas perspetivas sobre o assunto ("how stuffs work?" mas visto em vários "sites").
Mas no caso das linhas orientadoras do plano estratégico de transportes, que hoje, dia 10, permanece imerso no secretismo dos corredores ministeriais, o que me ocorre é a historieta do pintor ateniense Apeles.
Apeles, contrariamente ao senhor ministro dos transportes, não gostava de apresentar os seus quadros como obra consumada, e por isso expunha os seus esboços para recolher as opiniões dos seus concidadãos. Foi assim que um sapateiro apontou os defeitos nas sandálias que Apeles tinha pintado. Apeles corrigiu, mas o sapateiro começou a enumerar defeitos nos joelhos e na perna do heroi do quadro. Foi quando Apeles criou a frase histórica: "Não subas, sapateiro, além da sandália".
Fica-me a sensação de que o senhor ministro e o senhor secretário de estado não conhecem os problemas concretos e os condicionalismos das frentes de trabalho das empresas de transporte, embora tenham estudado os números.
Terão inclusivé, no contexto das suas ideologias, debatido com empresas de gestão interessadas na prestação de alguns serviços ou, em linguagem mais direta, na privatização do que der lucro, à custa da redução de custos do fator trabalho e do nível de serviços prestados à população.
Há anos que essas empresas se movem nas antecâmaras ministeriais, sondando grupos e gestores que lhes pudessem servir.
Temos por exemplo a Transdev/Veolia, que perdeu a concessão do metro do Porto para o Barraqueiro, temos a Arriva/Deutsch Bahn (ou melhor, Netinera), a Stage Coach, a Keolis, e, naturalmente, o grupo Barraqueiro.
Espera-se da privatização de atividades como a operação e a manutenção (até se podem distribuir por vários interessados) a redução dos custos com pessoal por eliminação de direitos negociados previamente (dizem as boas práticas que qualquer contrato pode ser rescindido, mas para isso as duas partes devem negociar), com insensibilidade em casos de despedimento (se contabilizássemos os prejuizos decorrentes dos despedimentos, desde os subsidios de desemprego aos gastos de tratamento de depressões, à diminuição do PIB na parte dos consumos e ao estimulo ao vandalismo e criminalidade, talvez as contas dos senhores economistas não fossem tão risonhas) , e a redução dos serviços prestados (por exemplo, fecho de estações, fecho da exploração às 21:00, aumento do intervalo entre comboios).
Por isso este blogue apoia a posição dos sindicatos que têm já reunião marcada com o senhor ministro par ao dia 11 de outubro:
http://www.rtp.pt/noticias/?t=Sindicatos-dos-transportes-ocupam-Ministerio-da-Economia.rtp&headline=20&visual=9&article=486917&tm=6
(Sugiro que os sindicatos usem como moeda de troca para a restrição das regalias dos trabalhadores dos transportes, pedida pelo senhor ministro, o alargamento da taxação extraordinária aos rendimentos do capital e aos off-shores, na perspetiva de Paul Krugman, prémio Nobel de Economia).
Temos assim que a ideia que o senhor ministro está transmitindo é a de uma fé inquebrantável de que os seus princípios económicos de redução de custos através da privatização são de aplicação universal, independentemente da realidade do caso a caso.
Gostaria que o senhor ministro refletisse um pouco mais sobre o que já refletiu quando escreveu o livro do deus creacionista, nomeadamente sobre a desagradável assimetria no universo que nunca mais deixa os sábios apresentarem, triunfantes, a sua teoria unificada do todo, e sobre o teorema de Gudel das incompletudes e impossibilidade de demonstração universal, para não ser tão dogmático em questões como: centralizar é que é bom porque produz sinergias e reduz custos e privatizar ainda melhor porque reduz custos com o pessoal.
De facto reduz custos se despedir pessoal e cortar serviços, como fechar o metro mais cedo, por exemplo (e pensar que em Barcelona o metro pede pelas alminhas à Generalitat para o deixarem fechar durante a noite para fazerem manutenção - aliás, por falar em manutenção, o grande perigo é aparecerem economistas que imponham o aumento progressivo dos periodos entre intervenções de manutenção de modo a reduzir custos).
Mas dogmatismos, não, por favor, nem a demonização de quem tem 30 dias de férias mas contando com os fins de semana, (e 3 dias de prémio por assuidade, ai o que eu protestei na altura junto dos colegas delegados sindicais, que podiam dar chatice, estes 3 dias...).
Assim como estamos, o senhor ministro dará a imagem de um professor desligado da realidade como Mr Magoo,mas pode acabar por ser um excelente executor de politicas de favorecimento dos grupos privados interessados.
Talvez tenha alguns especialistas de cá que lhe tenham soprado que o TGV era fantasioso e se podia fazer uma linha para 250 km/h por um custo 3 ou 4 vezes menos !!!!!!!!!! (peça aos seus especialistas que lhe comparem as eficiencias energéticas entre o passageiro transportado pelo avião e pelo TGV), ou que a "alta prestação" (que horror, esta designação) se podia enfiar sem mais pela ponte 25 de Abril (peça aos seus especialistas para lhe explicarem que a linha está saturada e inviabiliza o cumprimento dos horários pelo pendolino, que tem de seguir ronceiramente atrás do suburbano).
Talvez lhe tenham recomendado, para obter sinergias e redução de custos (vai despedir mais gente, é?) a manutenção das infra-estruturas do metro passar a ser feita pela REFER.
Talvez se tenha informado como é o metro de Vancouver, ou melhor, o SkyTrain.
É, de facto, um bom exemplo de tecnologia, com automatização integral da marcha dos comboios (o que não dispensa pessoal habilitado para os conduzir em caso de falha) e um bom intervalo entre comboios, que o mesmo é dizer uma boa capacidade de transporte. Normalmente em viaduto, para ficar mais barato, utilizando motores de indução linear. Tivemos pena no metropolitano de Lisboa quando fizemos o concurso para a automatização da linha vermelha para a EXPO98 e o sistema do skytrain era o mais caro. Não pudemos adjudicá-lo, embora fosse o melhor tecnologicamente (por outras palavras, deviamos ter desprezado o código de contratação publica e desbaratado o dinheiro no que era bom...).
Mas, a manutenção do SkyTrain não é feita pela companhia ferroviária de longa distancia, pois não? (outra coisa é o metropolitano de Lisboa dever ter vocação para cobrir a área metropolitana, claro).
Peço desculpa mas não vai dar.
As unidades de intervenção de manutenção têm uma escala própria que é pouco compatível com as centralizações sistemáticas.
A informática industrial ajuda à descentralização, e isso não é duplicação de meios, é estar mais perto da frente de trabalho para garantir reposição mais rápida do serviço quando perturbado e mais segurança, quer em regime normal, quer em regime perturbado.
E aqui em segurança, todo o cuidado é pouco quando se mexe e se não está dentro dos assuntos (fale-lhes nos acidentes do TGV chinês e do metro de Xangai, por falhas do sistema automático).
Pergunte aos seus especialistas se não é assim.
Para que não tenha de se dizer do senhor ministro o que Apeles disse do sapateiro.
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