Um sistema ideal de transportes deveria ser transparente, no sentido de oferecer o mínimo impecilho na deslocação pretendida. O passageiro ou cliente não deve ser molestado com as questões técnicas e profissionais específicas da atividade do modo de transporte (razão por que será difícil aceitar a obrigatoriedade de leitura do cartão á saída, porque existem outros métodos para avaliar as deslocações na rede de metro).
É também normal que os decisores dentro das empresas de cada modo de transporte não dominem todos os aspetos técnicos. Recordo-me de um pequeno diálogo com uma simpática administradora de uma administração anterior que me pedia para explicar, em 10 minutos, uma questão técnica específica.
Eu fiz o que pude para explicar a questão, mas comecei por dizer que o meu curso de engenharia constava de 6 anos e que me tinha esforçado, nos 8 anos que andei na escola técnica da Alameda D.Afonso Henriques, por interiorizar os conceitos, coisa que é um bocadinho difícil de fazer quando se tem pressa, quando se quer perceber uma coisa complicada em 10 minutos.
É então para isso que servem os técnicos, para interiorizar conceitos e transmitirem às administrações ou aos governantes, se os altos governantes quiserem descer até eles, as conclusões que daí derivarem.
Esta 4ª estratégia é um exemplo disso.
Neste momento, o metropolitano de Lisboa é dos poucos metropolitanos que não dispõe de um sistema de proteção da circulação de comboios do tipo ATP (Automatic Train Protection). A CP dispõe de uma cobertura parcial de um sistema simples ATP, a que chamou CONVEL, o qual transmite a informação do estado dos sinais luminosos ao comboio, provocando a travagem automática se a velocidade do comboio for incompatível com a segurança.
Que diz o conceito de proteção da circulação dos comboios?
Diz que a proteção dos comboios contra colisões no mesmo sentido ou em sentido contrário, ou contra abalroamentos em zonas de agulhas, é uma questão de exploração por as autorizações de marcha e os movimentos deverem fazer-se com rapidez, mas é também uma questão de segurança, atuando estas duas componentes em sentidos contrários.
Mais diz o conceito que não é justo fazer recair sobre o homem a responsabilidade última da segurança.
Um metropolitano bem equipado nunca poderá dizer que um erro humano provocou consequências negativas.
Porque os sistemas devem estar projetados para evitar que um erro humano tenha consequências negativas.
Existe um estudo aeronáutico que diz que em 100 descolagens, 60% são feitas deixando por cumprir um qualquer item da check-list de segurança (e o estudo diz que 40% de descolagens sem erros ou omissões até é bom).
Então, se nós defendemos, até para garantir os nossos vencimentos, que a taxa de ocupação tem de aumentar, que o número de passageiros transportados tem de aumentar, então a pressão sobre a circulação dos nossos comboios tem de aumentar, com a consequente pressão sobre os nossos maquinistas.
Daí a necessidade de projetarmos desde já sistemas ATP de proteção, prevendo que a crise financeira desembocará no aumento do preço dos combustíveis e no aumento da procura dos nossos comboios, não porque os empregos ou a atividade económica cresçam, mas porque as deslocações em transporte individual terão tendencia a diminuir (em países com maior poder d ecompra das populações, é vulgar a um aumento de 10% do preço dos combustíveis corresponder uma transferência de 10% do transporte individual para o ferroviário urbano e suburbano).
No entanto, o simples facto de o nível de segurança de exploração de uma rede de metro com ATP ser superior ao de uma exploração clássica (não quer dizer, obviamente, que o nível de segurança de uma exploração manual não seja satisfatório), é razão fundamentadora, juntamente com uma análise de custos-benefícios, de investimento desde já, com a condição dos benefícios serem contabilizados (isto é, manter uma rede de metro a funcionar sem sistema ATP tem um risco contabilizável no valor dos benefícios, correspondentes, por exemplo, às consequências pessoais e materiais de um acidente, de acordo com a norma NP EN 50126 e seus anexos).
Não se tratando de contas inquestionáveis, até porque a análise de riscos não é uma ciência exata (novamente sublinho que o método científico questiona e depois referenda ou corrige), no caso do ML os benefícios de ter uma exploração protegida por ATP seriam os seguintes, incluindo custos de investimento e manutenção :
- Benefícios de segurança por evitar riscos elevados, médios ou pequenos: 0,35 M€/ano
- aumento por atratividade de 5% da capacidade de transporte (proporcional ao inverso
do intervalo entre comboios): 6,48M€/ano
do intervalo entre comboios): 6,48M€/ano
- racionalização do consumo de energia de tração para a mesma velocidade máxima: 0,14M€/ano
- racionalização dos custos de investimento de instalações de
via e custos anuais de manutenção e aquisição: - 28,92M€/ano
- regularidade de circulação dos comboios, fiabilidade e
cumprimento dos horários (inclui contabilização do
valor-hora dos passageiros): 23,13 M€/ano
________________________________________________________________________________________
Total: 1,18 M€/ano
Já existem alternativas tecnológicas de instalação mais barata por necessitarem de menos equipamento na via (os sistemas CBTC – communication based train control, que localizam os comboios por rádio) cujo estudo é já premente por aquele motivo, com vista à instalação no ML, incluindo marcha automática ATO Automatic Train Operation (eventualmente, no caso de uma linha nova, com condução integralmente automática porque, contrariamente a uma ideia difundida entre quem não está muito dentro destes assuntos, a marcha automática integral não elimina os maquinistas, uma vez que eles têm de estar disponíveis, em menor quantidade, é verdade, mas nunca menos de 20%, para as emergências).
Permito-me relembrar que esta 4ª estratégia é, principalmente, um compromisso assumido formalmente junto do IMTT aquando da inauguração da extensão Alameda II –S.Sebastião II, quando se pretendeu justificar a desativação do sistema ATP/ATO anteriormente em vigor, mas estatuindo claramente que o ML estudaria novos sistemas para fazer face a um aumento de procura (notar que o sistema desativado tinha já encontrado a solução otimizada para o sub-sistema de localização que provocava travagens intempestivas, indo buscar a informação do deslocamento a sensores óticos e não às rodas polares do material circulante, excessivamente sensíveis em condições de má aderência, pelo que era razoável, e contratualmente previsto, estender o sistema ATP às novas extensões; infelizmente a alta direção da empresa, para simplificação da manutenção, decidiu desativar o sistema).
No caso de se aceitar uma análise custos-benefícios, o investimento em sistemas ATP tem desde já fundamento numa poupança estimada de 1,18 M€/ano
(conclui no capítulo seguinte em:
ver o capítulo anterior em:
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