sábado, 29 de outubro de 2011

Economicómio LXXII - o setor produtivo na entrevista de João Cesar das Neves

Primeiro fiquei admirado quando na entrevista do senhor economista João Cesar das Neves, na televisão, ele afirmou que se compreende a exceção do corte dos subsídios de férias e de Natal aos pensionistas dos bancos e da PT, por serem exemplo do setor produtivo e por os seus fudos de pensões terme sido transferidos para ajudar as contas do défice.
Admirei-me porque os bancos se enquadram no setor terciário de serviços; de bens não transacionáveis, e portanto ocupando espaço na estrutura de rendimentos que deveria estar afeta ao setor produtivo de bens transacionáveis (suscetíveis de exportação ou substituição de importações), conforme explicou outro senhor economista, Vitor Bento.
Também me admirei porque o senhor economista nada disse sobre o mau negócio que pode ser daqui a uns anos a segurança social estar a pagar as pensões mais altas do que a média, dos reformados da banca.

Mas depois pareceu-me perceber.
O senhor economista João Cesar das Neves e os gestores e economistas que dominam o atual governo são lídimos representantes em Portugal da escola de Chicago, mais conhecida como escola neo-liberal. Pessoalmente, parece-me que o tea-party será uma designação correta para esta escola.
Diz o senhor economista João Cesar das Neves que o setor produtivo é o setor privado e é ele que sustenta o setor público não produtivo. Por isso o estado tem de diminui o numero de funcionários públicos.
Será dificil, a mim me parece, reduzindo o numero de funcionários publicos, que até nem é elevado quando comparado com Suécia e países nórdicos, manter o serviço nacional de saúde e o sistema educativo público com qualidade mínima aceitável.  Porque os profissionais destes sistemas têm de ser qualificados. Por isso o salário médio do setor publico é superior ao do privado (excluindo os escalões dirigentes, teve o senhor primeiro ministro o cuidado de ressalvar).

Donde deduzo, o que é compativel com a teoria neo-liberal, que o que se pretende é mesmo reduzir os serviços de saúde e educativo a funções assistenciais a populações sem recursos, ampliando o setor "produtivo-privado" dedicado à saúde e à educação.
Parece-me que chamar setor não produtivo ao setor público é ofensivo para quem lá trabalha. Então a educção de um cidadão não é um fator de produção quando o cidadão necessita de formação para produzir o que produz? Ou a empresa de transporte que põe o funcionário do setor transacionável no local de trabalho não está a participar na estrutura de produção do bem transacionável?
Mas não vale a pena discutir.
Não vão mudar de opinião.

Vão continuar a dizer que o bom estado é o estado morto, perdão, mínimo (curioso , a teoria marxista dizia o mesmo, apenas impondo como condição prévia a supressão do primado do lucro, que, como se sabe, conduz a ganancia e à exploração do homem pelo homem).

Mas como sou teimoso, não resisto  a apresentar um argumento, com base nos dados da Pordata relativos aos rendimentos médios das empresas portuguesas e IRC:
- em 2005 o rendimento das empresas foi de cerca de 32.000 milhões de euros;
- subiu para 42.300 milhões de euros em 2007;
- em 2008, ano da falencia do Lehman, baixou para cerca de 30.000 milhões de euros;
- para se manter em 2009 em valor próximo.

Isto é, a escola neo-liberal está à espera de que o setor privado, que vem perdendo lucros desde 2007 e tem uma dívida superior à dívida pública, sustente o setor público?
Na verdade, só reduzindo a valores simbólicos o setor público.
Isso, ou fazendo como John Steinbeck, que nada tinha de esquerdista, explicava nas Vinhas da ira, em plena recessão de 1929, pondo na boca do heroi que viria a ser representado por Henry Fonda, agradecido por ter encontrado trabalho (produtivo)  a pergunta: "Mas então, porque não tem o estado mais quintas como esta?"

Mas certamente que João César das Neves não gostou do livro, nem do filme.


PS - João César das Neves, na sua crónica no DN de hoje, 31 de outubro de 2011, utiliza uma linguagem mais correta ao referir-se aos funcionários públicos, reconhecendo que no funcionalismo público existem profissionais do melhor, a par de oportunistas. Debatem-se melhor as ideias quando se utiliza linguagem correta, e é mais fácil chegar a plataformas de acordo, mesmo mantendo as divergencias de opinião. Por exemplo, discordo que os "bons" funcionários tenham tanta culpa por contemporizarem com os "maus" governantes, pronto, e acho que 700.000 numa população de 10.000.000 não é assim tanto como isso (J.C.N reconhece que desde 2005 o numero tem vindo a diminuir) mas fico contente por o tom da linguagem ter mudado. 

2 comentários:

  1. E então como se explica que sendo o sector público produtivo, as empresas públicas estão atulhadas de prejuízos?
    E também importa saber a que fim se destina uma empresa pública, o propósito da sua existência.

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  2. Carissima comentadora
    A resposta à sua pergunta encontra-se no nº5 do meu blogue em:
    http://fcsseratostenes.blogspot.com/2011/10/episodio-do-dia-7-de-outubro-da-novela.html
    Sugiro a continuação do debate depois da sua leitura, embora ela seja maçuda, certamente por defeito meu.
    Para resumir, direi que até 1988 a dívida do metropolitano de Lisboa era irrelevante, mas depois das orientações do governo no início da década de 1990, cujo primeiro ministro é o atual presidente da Republica e cujo ministro das obras públicas é o atual presidente da Lusoponte, a dívida dos investimentos foi descarregada sobre esta empresa pública, sendo ocultada da despesa pública (concordo que se geriu mal o dinheiro posto à disposição do metro, mas não houve força para o impedir, tal era a euforia da altura). Como se pode ver pelo exemplo da FERTAGUS, a divida dos investimentos não tem que ser cometida à empresa que explora e mantem.
    Quanto à existencia de empresas públicas, possivelmente é uma questão de vocação. Eu, por exemplo, não tive vocação para vender as minhas competências no mercado nem na atividade liberal, optei por uma empresa pública por estar associada a ideia de serviço público (em 1974 recusei um emprego na EFACEC de 14 contos, para ir ganhar 10,9 contos no metro). Serviço público é dar primazia à satisfação de uma necessidade da comunidade (por exemplo, chegar ao emprego gastando menos energia e emitindo menos gases com efeito de estufa por passageiro.km do que entregar a solução ao transporte individual)relativamente ao lucro que se poderia obter com essa atividade .
    Cumprimentos

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