Depois do PET vir dizer, preto no branco, que o projeto TGV era abandonado e que o que se queria era uma linha de mercadorias para Madrid-Europa, o Diario Económico noticiou no dia 19 que o governo português se tinha comprometido com a direção de transportes da comissão europeia a apresentar um projeto para a ligação Lisboa Madrid com a duração de duas horas e meia (o que obriga a uma velocidade máxima de 290 km/h), no ambito da rede europeia agora chamada nuclear de infra-estruturas de transportes, para não chocar a sensibilidade do senhor primeiro ministro quando se chamava rede transeuropeia.
Parece que, tambem para não chocar a sensibilidade do senhor primeiro ministro, se vai chamar a linha de alta prestação, mudando de nome para alta velocidade à passagem da fronteira com Espanha, já que não muda de bitola por ser europeia.
Dizia o senhor primeiro ministro, e o senhor ministro da Economia e Transportes assentia, que uma linha de 250 km/h de velocidade máxima podia custar 4 vezes menos (como a ignorancia exibe segurança quando fala...), mas depois também disse que afinal só era precisa uma linha de mercadorias e os passageiros que fossem de avião.
Confessa este blogue que foram inuteis as suas tentativas de fazer chegar ao ministério da economia/transportes as contas explicativas da pior eficiência energética e maiores emissões de gases com efeito de estufa do avião Lisboa-Madrid quando comparado com o TGV.
Mas confessa tambem que não esperava tão rápida reação da direção de transportes da UE (terá sido o ministro de fomento de Espanha, após a conversa com o senhor ministro da economia/transportes?), apesar da sua conhecida estratégia e alocação de fundos para transferir carga e passageiros da estrada e do avião para o comboio (simples aplicação das leis da Física, que pelos vistos não se estuda nas faculdades de economia, mas devia, devia mesmo).
Andam muito por baixo os lobies das companhias de aviação lá pelos corredores de Bruxelas.
Mas há um problema. O governo português comprometeu-se a apresentar o projeto até novembro de 2011.
Aguardemos então esse próximo episódio da novela do PET, capítulo TGV, que segundo o senhor ministro da economia/transportes era para ser abandonado. Espero que se esclareça também como é que se pode ir de Lisboa a Madrid sem ultrapassar 290 km/h e sem fazer a terceira travessia do Tejo (por acaso era capaz de ser uma boa solução: uma subscrição pública pagava a TTT, e o resto da ligação a Madrid seriam fundos comunitários). Mas não vão por Salamanca, por favor, por causa da topografia, vão pelo traçado que já está estudado.
Acrescento apenas uns valores que interessam para discutir estes assuntos: um comboio de mercadorias não deve, numa linha de alta velocidade, deslocar-se a velocidades superiores a 160 km/h. Dada a diferença para a velocidade dos comboios de passageiros e a consequente diferença de escala nas curvas (inclinação dos carris na curva para compensar a força centrífuga, conforme se estuda na fisica do 10ºano), isso implica valores mínimos para o raio das curvas.
Tambem a utilização pela mesma via de comboios de passageiros e de mercadorias tem consequencias que encarecem o projeto: o comboio de passageiros só requer um peso de 17 toneladas por eixo e aceita gradiantes de pouco menos de 4%, enquanto as mercadorias requerem 25 toneladas (encarece a manutenção) e um gradiante máximo de 1,2%. O facto de pôr mercadorias e passageiros na mesma linha limita, e muito a capacidade da linha e, mais grave do que isso, limita as horas de manutenção que a via férrea exige (e que, pelas suas exigencias, é o ponto mais frágil de uma exploração de TGV). Isto é, deve estudar-se caso a caso qual a solução mais económica em função da topografia do terreno e do plano de expropriações, sendo que a existencia de uma linha dupla para passageiros e outra linha dupla para mercadorias è a melhor solução. Nenhum primeiro ministro nem nenhum ministro da economia/transportes pode, respeitando o critério científico, dar uma entrevista a dizer que esta solução é mais barata do que aquela.
Mas os técnicos estão habituados aos critérios dos gestores políticos.
Eu diria que o atual governo tem uma forma adolescente de tratar as questões, voluntariosa, ignorando ou menosprezando o trabalho técnico dos mais velhos, com uma auto-estima invencível pela realidade.
Citando o Diario Económico:
"o governo terá agora de arranjar uma boa desculpa para justificar a construção das duas linhas que os técnicos sempre disseram ser necessárias.
Afinal, era melhor que tivessem estudado o problema antes de se pronunciarem contra o projecto.
Pelo menos, evitavam ziguezagues políticos e ter de desmentir amanhã o que afirmaram ontem com grande veemência."
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